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4. Desenvolvimento Moral das Crianças

4.2. Desenvolvimento Moral segundo Lawrence Kohlberg

Segundo Papalia et al (2001, p. 550), Lawrence Kohlberg e os seus colaboradores iniciaram o estudo sobre o desenvolvimento moral nos anos 50, colocando dilemas morais hipotéticos a um grupo de 75 rapazes de 10, 13 e 16 anos, continuando a questioná-los periodicamente durante os 30 anos seguintes. Através do estudo das respostas dos rapazes, Kohlberg concluiu que as pessoas são capazes de julgar moralmente por si próprias, sem a influência dos modelos dos pais, professores ou pares e que esses julgamentos morais refletem o desenvolvimento cognitivo de cada indivíduo.

A história que tem sido mais utilizada para o estudo do desenvolvimento da moral é o dilema de Heinz e do farmacêutico (Kohlberg, 1984, p. 640 in Lourenço, 1992, pp. 86-87):

“Numa cidade da Europa, uma mulher estava a morrer de cancro. Um medicamento descoberto recentemente por um farmacêutico dessa cidade podia salvar-lhe a vida. A descoberta desse medicamento tinha custado muito dinheiro ao farmacêutico, que agora pedia dez vezes mais por uma pequena porção desse remédio. Henrique (Heinz), o marido da mulher que estava a morrer, foi ter com as pessoas suas conhecidas para lhe emprestarem o dinheiro e, assim, poder comprar o medicamento. Apenas conseguiu juntar metade do dinheiro pedido pelo farmacêutico. Foi ter, então, com ele, contou- lhe que a sua mulher estava a morrer e pediu-lhe para lhe vender o medicamento mais barato. Em alternativa, pediu-lhe para o deixar levar o medicamento, pagando mais tarde a metade do dinheiro que ainda lhe faltava. O farmacêutico respondeu que não, que tinha descoberto o medicamento e que queria ganhar dinheiro com a sua descoberta. O Henrique, que tinha feito tudo ao seu alcance para comprar o medicamento, ficou desesperado e estava a pensar assaltar a farmácia e roubar o medicamento para a sua mulher”.

Após o contacto com este dilema, são feitas várias perguntas aos rapazes, de modo a identificar o seu desenvolvimento moral. Através das respostas obtidas, “Kohlberg identificou três níveis de desenvolvimento do raciocínio moral, cada um deles comportando ainda dois estádios distintos” (Lourenço, 1992, p. 87). Embora o

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estudo de Kohlberg apresente semelhanças ao de Piaget, é mais complexo (Papalia, 2001, p. 550).

O primeiro nível – Moralidade Pré-Convencional – ocorre, normalmente entre os 4 e os 10 anos (Papalia et al, 2001, p. 550). Segundo Lourenço (1992, p. 90), este nível é semelhante à moralidade heterónoma de Piaget, pelo que “esse nível moral é o nível dos sujeitos para quem a justiça e a moralidade se reduzem a um conjunto de normas externas, a que se obedece para evitar o castigo ou então para satisfazer desejos e interesses concretos e individualistas”. As crianças que se encontram neste nível de moralidade dão extrema importância às normas dos outros, seguindo-as de modo a evitar a punição ou para serem premiadas (Papalia et al, 2001, p. 550). Neste nível estão agrupados os estádios 1 e 2: a moral do castigo e a moral do interesse, respetivamente (Lourenço, 1992). Lourenço afirma, relativamente ao primeiro estádio, que “a orientação moral subjacente a este estádio é uma orientação para a obediência e para a punição” (p. 95), pelo que consiste em “obedecer aos mais velhos (…) e em evitar o castigo” de modo que “é incorrecta toda a acção que leva à punição, e toda a acção punida é incorrecta”. Marques (1998, p. 98) sintetiza dizendo que “para o estádio 1, o certo é a obediência cega às regras e à autoridade, de forma a evitar a punição”. Relativamente ao estádio 2, “as acções são consideradas justas e correctas quando são um instrumento que permite satisfazer desejos, interesses e necessidades do próprio e, porventura, do outro” (Lourenço, 1992, p. 98), isto é, “o correcto é servir umas ou outras necessidades próprias e fazer acordos justos em termos de mudança concreta (…) [e] também o que é justo, isto é, o que é uma troca igual, um acordo, um contrato” (Sousa, 2001, p. 152). Marques (1998, p. 98) afirma que, “para o estádio 2, o certo é a satisfação das nossas necessidades (…) é seguir as regras quando elas nos servem”, pelo que, “os conflitos de interesses resolvem-se dando a todos uma parte igual”. Comparando os dois estádios que constituem o nível pré-convencional, enquanto as crianças que se encontram no primeiro julgam determinado dilema através das suas consequências, ignorando os motivos; as crianças que se encontram no segundo estádio já se submetem a determinadas regras de modo a satisfazer os seus próprios interesses, olhando para determinado ato relativamente às necessidades humanas que este satisfaz (Papalia et al, 2001, p. 550).

O segundo nível – Moralidade Convencional – diz respeito, normalmente, a crianças entre os dez e os treze anos, caracterizando-se pela vontade que estas têm em

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agradar aos outros, uma vez que “querem ser consideradas “boas” pelas pessoas cujas opiniões são importantes para elas” (Papalia et al, 2001, p. 550). Segundo Lourenço (1992, p. 91), este nível “expressa o nível moral dos sujeitos que já interiorizaram as normas e as expectativas sociais”, isto é, “o justo e o injusto já não se confundem com o que leva à recompensa ou ao castigo, antes se definindo pela sua conformidade às normas sociais e morais vigentes” (Idem). As pessoas que se encontram neste nível são orientadas para uma moralidade interpessoal, ou seja, tendem a agir de forma a agradar aos outros, isto é, de forma a merecer o seu respeito, estima e consideração (Lourenço, 1992), pelo que acreditam que as ações realizadas nunca devem por em causa “as normas sociais e expectativas partilhadas” (p. 92). Os estádios 3 e 4 constituem o nível convencional, sendo denominados a moral do coração e a moral da lei, respetivamente (Lourenço, 1992). “A moralidade do estádio 3 é uma moralidade interpessoal” (Lourenço, 1992, p. 100), pelo que, as pessoas que se encontram neste estádio são “particularmente interessados na manutenção da confiança interpessoal e na aprovação social” (Colby & Kohlberg, 1987 in Lourenço, 1992, p. 100). Os sujeitos tendem a reagir de acordo com a Regra de Ouro, isto é, “reconhece[m] a importância da reciprocidade e trata[m] bem os outros porque espera[m] que os outros também o[s] tratem bem” (Marques, 1998, p. 99). Deste modo, as pessoas que se encontram neste estádio já são capazes de se colocar no lugar do outro (Sousa, 2001; Marques, 1998; Lourenço, 1992). Relativamente ao estádio 4, Sousa (2001, p. 154) refere que o que é correto “é desempenhar o seu dever na sociedade, cumprindo a ordem social e mantendo o bem-estar da sociedade ou do grupo” bem como “contribuir para a sociedade, o grupo ou a instituição”. Deste modo, “este estádio distingue os pontos de vista da sociedade dos pontos de vista dos grupos e dos indivíduos” (Marques, 1998, p. 99). Segundo Lourenço (1992, pp. 103-104), a moralidade do estádio 4 orienta-se “para o ponto de vista das normas e dos códigos socialmente aceites e partilhados”, pelo que os sujeitos “tendem a assumir a lei (…) como critérios últimos de justiça e de moralidade”. Segundo o mesmo autor, “os sujeitos deste estádio colocam-se (…) no ponto de vista de um “outro generalizado” que tenta coordenar as perspectivas legais, sociais, institucionais e morais vigentes” (p. 104). No entanto, se incorre num conflito de interesses, tende a recorrer à lei de forma a resolvê-lo imparcialmente (Lourenço, 1992). Os dois estádios que compõem o segundo nível diferenciam-se na medida em que os sujeitos que se encontram no primeiro já são capazes de tomar em consideração

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o motivo que leva a tal ato, bem como dão importância à pessoa que o pratica, enquanto os que se encontram no segundo “consideram um acto sempre errado, se este viola uma regra ou prejudica os outros” (Papalia, 2001, p. 550).

Moralidade Pós-Convencional – o terceiro nível – indica a chegada da verdadeira moralidade, em que a pessoa que se encontra neste nível tenta decidir entre dois padrões diferentes, que são, no entanto, socialmente aceites (Papalia et al, 2001, p. 551). Segundo Lourenço (1992, p. 92), os indivíduos que se encontram neste nível consideram que “o valor moral das acções depende menos da sua conformidade às normas morais e sociais vigentes e mais da sua conformidade a princípios éticos universais, tais como direito à vida, à liberdade ou à justiça”. Ou seja, os sujeitos são capazes de compreender que as normas são relativas, isto é, são capazes de “compreendê-las como regras de acção cuja finalidade última é garantir que esses princípios sejam respeitados em contextos concretos” (Idem), pelo que devem ser transformadas ou desrespeitadas caso isso não aconteça. Deste modo, o primeiro estádio que constitui este nível – Estádio 5: a moral do relativismo da lei (Lourenço, 1992, p. 107) – valoriza a lei pois considera que o respeito por ela, a longo prazo, é melhor para a sociedade, embora reconheçam que por vezes as necessidades humanas entram em conflito com a mesma (Papalia et al, 2001, p. 551), pelo que “a pessoa, neste estádio, considera o ponto de vista legal e o ponto de vista dos outros e procura reconhecer o conflito entre eles, de forma a fazer escolhas que tragam o maior bem para o maior número” (Marques, 1998, p. 99). No entanto, os indivíduos que se encontram no estádio 5, reconhecem “que a maior parte das leis e dos valores são relativos a determinados grupos e que há valores e direitos tais como a vida e a liberdade que são não-relativos e, portanto, que devem ser protegidos em qualquer sociedade, seja qual for a opinião da maioria” (Lourenço, 1992, p. 107). O último estádio do desenvolvimento moral de Kohlberg – Estádio 6: a moral da razão universal – caracteriza-se pela própria vontade da pessoa, pelo que esta age em conformidade com as suas próprias normas, pois acredita que se não o fizesse se condenaria a si própria (Papalia et al, 2001, p. 551).

Assim, neste estádio, “o certo é o que obedece aos princípios éticos universais” (Marques, 1998, p. 99), sendo “as leis ou os contratos e acordos sociais (…) válidos sempre que respeitem esses princípios” (Idem). Deste modo, “quando a lei viola os princípios éticos, a pessoa deve agir de acordo com os princípios éticos, ainda que tenha que violar as leis” (Marques, 1998, p. 99), sendo que os princípios éticos dizem respeito

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à “justiça, dignidade humana, direitos humanos e igualdade de direitos” (Idem). Segundo Lourenço (1992, p. 109), Kohlberg desistiu deste estádio como uma realidade empírica, na parte final da sua vida. No entanto, manteve-o como “ideal supremo de desenvolvimento moral” (Idem). Deste modo, as características citadas anteriormente, referentes a este estádio, são aquelas que um sujeito teria, caso o atingisse.

Papalia et al (2001, p. 552) e Sousa (2001, p. 155) indicam que Kohlberg juntou um nível intermédio entre os níveis II e III, entendendo que as pessoas nele inseridas “baseiam as suas decisões morais em sentimentos pessoais”, pelo que Sousa (2001) afirma que as escolhas morais, dos indivíduos que se encontram neste nível, são pessoais e subjetivas. Segundo o mesmo autor, este nível é considerado pós- convencional, embora ainda não seja o principal.

Papalia et al (2001, p. 552) referem que, além do desenvolvimento cognitivo, também o desenvolvimento emocional e a experiência de vida afetam o julgamento moral, daí a razão pela qual podemos encontrar adultos que se encontram, ainda, no primeiro nível de desenvolvimento moral. Deste modo, “um certo nível de desenvolvimento cognitivo é necessário mas não é suficiente para um nível semelhante de desenvolvimento moral” (Papalia et al, 2001, p. 553). De forma semelhante, as idades referidas anteriormente para cada nível não se podem ter em conta como sendo absolutamente válidas, pois cada caso é um caso particular, devendo ser usadas, apenas, como norma.