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5. Educar para os Valores

5.1. Teorias e Modelos da Educação para os Valores

5.1.2. Teoria Cognitivo-Desenvolvimentalista

Lawrence Kohlberg, fundador desta teoria, manifesta as influências de Sócrates, Platão e Kant, nos fundamentos filosóficos; Rawls e Dewey, nos fundamentos sociais, políticos e educacionais; e Piaget, nos fundamentos psicológicos (Marques, 1998). O mesmo autor afirma que o maior contributo para a teoria foi o seu estudo do

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desenvolvimento moral, o qual foi baseado nos estudos de Jean Piaget. Para Kohlberg, “o conteúdo moral tem pouco a ver com o estádio de desenvolvimento moral. A complexidade do raciocínio e o nível da justificação para as escolhas morais são as componentes mais importantes no processo de atribuição de um estádio do desenvolvimento moral a uma pessoa” (Marques, 1998, p. 101).

De acordo com Marchand (s/d, p. 7), a Teoria Cognitivo-Desenvolvimentalista defende: a existência de princípios universais (sendo a justiça o mais forte), que consistem nos critérios de avaliação moral; a construção ativa dos princípios, pelas pessoas, que regulam a sua ação; e a existência de diferentes níveis de moralidade, pelo que os mais elevados são os mais diferenciados, integrados e universais.

Odete Valente (s/d, p. 15) afirma que a teoria de Kohlberg é cognitiva, porque defende que o pensamento ativo de cada indivíduo é a base para a educação moral e desenvolvimentalista, porque a educação moral apoia-se nos estádios morais. Esta autora refere, ainda, que esta teoria tem três ideias fundamentais: organização estrutural; sequência de desenvolvimento; e interacionismo. A primeira ideia fundamenta-se no pressuposto de que a forma como uma pessoa analisa e interpreta dados e toma decisões sobre problemas, tanto pessoais como sociais, é de extrema relevância no desenvolvimento. A segunda ideia apoia-se na consideração de que o desenvolvimento processa-se por estádios e o avanço nestes é sequencial e invariante. A terceira, e última, ideia diz respeito ao desenvolvimento da estrutura cognitiva, de modo a dar sentido a novas experiências. Segundo Marques (1998, p. 101), ao invés de dar importância aos conteúdos e comportamentos, a Teoria Cognitivo-Desenvolvimentalista “centra-se na forma, na estrutura e no processo de pensamento, o qual é tanto mais adequadamente moral quanto mais imparcial e universal forem os juízos produzidos”.

Comparando aos filósofos da Grécia Antiga, o pensamento de Kohlberg afasta- se do de Aristóteles, uma vez que este separava a dimensão intelectual da comportamental. Deste modo, Kohlberg vai ao encontro das teorias de Sócrates e Platao, assumindo “que a imoralidade é uma questão de ignorância” (Marques, 1998, p. 101).

A questão central na teoria de Kohlberg é, segundo Marques (1998, p. 101), “a crença de que a pessoa tende a agir de acordo com os seus juízos morais”, pelo que despreza qualquer educação que se preocupe com o desenvolvimento do carácter e com os comportamentos e ações morais. Deste modo, o mesmo autor refere que os

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programas educativos de Kohlberg “fazem apelo à participação dos alunos na tomada de decisões, à discussão de dilemas morais, reais e hipotéticos e ao envolvimento dos alunos em comissões de justiça e no governo da escola” (Idem). Dias (2004, p. 149) também partilha da mesma opinião, pelo que afirma que esta teoria se baseia numa ação educativa organizada de forma a proporcionar um desenvolvimento psicológico adequado. Deste modo, a educação moral visa desenvolver o raciocínio moral através de discussões sobre dilemas morais, que surgem a partir de situações reais, com vista a tomar decisões sobre o que é justo ou moral, naquele contexto. Além disso, existem estímulos ambientais (possibilidades de adoção de papeis, a atmosfera moral do grupo ou instituição e o diálogo moral) para o processamento do desenvolvimento moral. Segundo Kohlberg, “o diálogo moral deve ser democrático e participativo” (Idem), pelo que a comunidade escolar deve ser justa, ou seja, “democrática, participativa e solidária quanto aos deveres, direitos e relações, que se estruturam segundo normas de equidade” (Idem). Marchand (s/d, p. 7) afirma que “os efeitos da estimulação do desenvolvimento moral serão necessariamente limitados se as pessoas viverem em ambientes em que prevalece uma moral de obediência e de respeito unilateral”. De acordo com Marques (1998, p. 100), “a teoria de Kohlberg é um dos exemplos mais significativos de uma teoria moral centrada na defesa dos princípios éticos e preocupada com o desenvolvimento do raciocínio moral, em vez da mera defesa das convenções sociais, regras de conduta e leis”. O mesmo autor afirma que, por princípios éticos Kohlberg entendia “orientações para habilitar a pessoa ao confronto de escolhas morais alternativas” pelo que era “uma forma universal de tomada de decisões morais, com base na lógica formal e na razão” (Idem). Além disso, os princípios éticos eram também uma forma mais madura de encarar o conceito de justiça. Deste modo, Marques (1998, p. 100) sintetiza dizendo que o princípio ético é duas coisas em simultâneo: “um procedimento racional para orientar a reflexão sobre questões morais e um conteúdo identificável com o conceito de justiça”. O mesmo refere que, para Kohlberg, justiça era sinónimo de “igualdade e universalidade dos direitos humanos” (Idem).

Dias (2004, p. 149), debruçando-se nas ideias de Juan Escámez Sánchez e Rafaela García López, menciona algumas estratégias para promover o desenvolvimento moral, através da educação, as quais são:

“reconhecimento do estádio em que actua o educando; exposição dos raciocínios morais do seu próprio estádio; exposição, aos educandos, de situações problemáticas que provoquem conflitos morais genuínos e, como tal,

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inquietação; criação de uma atmosfera de diálogo e intercâmbio na qual os pontos de vista sobre o conflito moral sejam discutidos abertamente”.

O mesmo autor debruça-se novamente nas ideias de Sánchez e López, ao afirmar que as situações problemáticas (ou dilemas morais) que se expõem devem exibir as seguintes características: basear-se em situações da vida real; ser simples; abarcar duas ou mais conclusões, com implicações morais; oferecer propostas de ação.

Dias (2004, p. 150) afirma, ainda, que uma vez que o centro de um juízo moral não se baseia no conteúdo de uma decisão, mas no modo como a mesma é fundamentada, é necessário que a escola se organize de modo a funcionar por meio de: reuniões comunitárias; reuniões de grupos pequenos; grupos de conselho; comissão disciplinar; reuniões entre professores, alunos e consultores.

Através das estratégias enunciadas, espera-se que os alunos sejam moralmente educados. Marques (1998, p. 102) afirma que, de acordo com Kohlberg, uma pessoa moralmente educada é “uma pessoa capaz de fazer uso da reflexão quando perante um problema moral e que consegue chegar a uma solução em termos da consonância com o princípio da justiça, de forma a deliberar em consistência com o princípio do maior bem para o maior número”. No entanto, de forma a conceber esta educação moral, Kohlberg não concorda que se recorra a processos de doutrinação, uma vez que acredita que estes processos fixam “os alunos no nível pré-convencional do desenvolvimento moral” (Idem) e discorda, também, de práticas que destaquem o relativismo moral, uma vez que acredita que:

“uma educação que recuse a existência de hierarquias de valores e de princípios éticos universais coloca o aluno desarmado face à influência das opiniões públicas, dos poderosos e das autoridades. A ausência de referenciais éticos abre caminho a toda a espécie de injustiças e, portanto, é incompatível com uma educação moral orientada para a justiça” (Idem).

Posto isto, falta refletir sobre o papel do professor segundo a Teoria Cognitivo- Desenvolvimentalista. Segundo Marques (1998), o professor deve facilitar o processo de desenvolvimento do raciocínio moral do aluno, ajudando-o a refletir, a formular juízos e a deliberar. Embora o professor deva afastar-se tanto do laissez faire como da doutrinação, este assume uma posição semidiretiva, pelo que “deve ajudar o aluno a colocar questões, a reformular as perguntas, a definir os conceitos e a distinguir as várias posições e pontos de vista” (Idem, pp. 102-103). Além disso, o professor deve auxiliar os alunos no processo de identificação de um tema, problema ou dilema moral, devendo ajudar a manter a discussão viva e facilitando a participação de todos na

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mesma. É, também, função do professor apoiar os alunos na reflexão sobre novas formas de pensar sobre os dilemas morais, bem como ajudá-los a estabelecer uma relação entre o seu raciocínio e os juízos morais. Os alunos também necessitam de auxílio quando refletem de forma crítica “sobre a adequação dos processos de raciocínio empregues, sobre a sua coerência interna e sobre a sua lógica” (Idem, p. 103). De forma a ajudá-los a avançar para o estádio de desenvolvimento moral imediatamente superior àquele em que se encontram, é importante que o professor seja capaz de formular juízos de valor um estádio acima do deles.

Tal como os outros modelos, também a Teoria Cognitivo-Desenvolvimentalista de Kohlberg foi alvo de várias críticas. Dias (2004) enuncia algumas das críticas apresentadas por Manuel Patrício (2002), as quais considera pertinentes. A primeira diz respeito à falta de correspondência que por vezes ocorre entre o nível de maturidade do pensamento lógico e o nível de maturidade do pensamento moral. Por outro lado, o autor refere ainda que os dilemas morais propostos aos alunos são, por vezes, inapropriadas de um ponto de vista pedagógico, uma vez que estes não são reais, pelo que se incorre num “jogo com coisas extremamente sérias” (Patrício, 2002 in Dias, 2004, p. 150). O autor refere que as situações que exigem um raciocínio moral desenvolvido, por vezes, não podem ser simuladas, pelo que “o essencial da situação escapa à simulação, só está presente na situação real” (Idem).

Segundo Marques (1998, p. 104), existem quatro críticas principais à teoria de Kohlberg: “dúvidas sobre a universalidade dos estádios; acusação de elitismo; ignorância da especificidade do desenvolvimento moral das mulheres; desvalorização do papel da emoção e do hábito no processo de desenvolvimento moral”. Afirma, ainda, que a crítica com maior consistência é a terceira, uma vez que é apoiada pelos estudos de Carol Gilligan, que “afirma que o nível pós-convencional de Kohlberg esquece a forma como as mulheres raciocinam sobre questões morais, quando estão em causa conflitos entre as regras sociais e os princípios éticos” (Idem, p. 105), pelo que acredita que “para além da moralidade preocupada com a justiça, os direitos e os deveres, existe uma moralidade relacionada com o cuidar dos outros, a qual privilegia a manutenção das relações interpessoais, a ligação afectiva entre as pessoas, o afecto e os sentimentos” (Idem). Gilligan critica Kohlberg porque o seu estudo baseou-se numa amostra de adolescentes do sexo masculino, pelo que as especificidades do sexo feminino não foram avaliadas. Day e Tapan (1996) indicam que, para além do sexo, a teoria de

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Kohlberg subvaloriza outros fatores como a raça, classes sociais, cultura e o modo como as pessoas atribuem significado às suas experiências morais (Day & Tappan, 1996 in Marchand, s/d, p. 8).

Relativamente às outras três críticas apontadas por Marques (1998), a teoria de Kohlberg é acusada de elitismo, pois este defende que existem juízos morais mais adequados do que outros, dividindo os indivíduos em grupos distintos: os mais morais e os menos morais. No que concerne a universalidade dos estádios, as críticas encaminham-se no sentido de que os mesmos são típicos das sociedades de capitalismo liberal, pelo que não se aplicam às agrarias e àquelas em que imperam as oligarquias. Por fim, o mesmo autor afirma que há críticas em relação à desconsideração dada às emoções e ao hábito, pelo que é defendido que a ação moral e o ensino do respeito e da responsabilidade devem fazer parte da educação moral. Deste modo, “o professor não deve limitar-se a suscitar a reflexão dos alunos sobre dilemas morais (…) [mas] deve tratar os alunos com respeito e carinho, incentivando-os a respeitar os outros e a corrigir os seus comportamentos incorrectos” (Idem, p. 106).