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A educação de infância emergiu lentamente durante o século XIX, sendo que uma das primeiras abordagens a este contexto educativo consistia em “matricular as crianças na «escola oficial» com os irmãos mais velhos” (Spodek e Brown, 2002, p. 193). Os pioneiros da educação de infância foram Robert Owen, “que desenvolveu a escola infantil” (Spodek, 2002, p. 2) e Friedrich Froebel, “criador do jardim de infância” (Idem). Os dois modelos de educação utilizados por Owen e Froebel foram desenvolvidos na primeira metade do século XIX (Spodek, 2002). O primeiro “preocupou-se com o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos que iriam habitar a sua sociedade ideal” (Spodek, 2002, p. 2) e o segundo “usou os seus materiais simbólicos do jardim de infância para ajudar as crianças a conhecerem a relação básica existente entre o homem, Deus e o universo” (Idem). Froebel criou ainda um curso para formar «jardineiras de infância», o qual não teve a adesão desejada. Além disso, fundou um semanário no qual explicava os jogos por ele inventados para a educação das crianças, os quais ficaram conhecidos como material froebeliano (Gomes, 1986).

Em Portugal, a evolução da educação de infância prende-se com a evolução social, histórica e política do país. Assim, como o processo de industrialização em Portugal foi mais lento que nos restantes países da Europa Ocidental, o desenvolvimento de políticas sociais, nomeadamente para a infância, não obedeceu à mesma evolução que nos outros países (Cardona, 2006).

Cardona (2006) diferencia várias etapas da história da educação de infância em Portugal, ao longo das décadas. A primeira situa-se nas últimas décadas da Monarquia (1834-1909), com o início da educação de infância como parte integrante do sistema educativo, “se bem que continuando a observar-se diferentes contradições em relação a esta ser ou não considerada como um nível de ensino” (Cardona, 1997, p. 15).

Durante a Primeira República, a educação de infância oscila entre um modelo escolar e a procura da sua particularidade, pois embora o seu objetivo fundamental seja considerado, por alguns, a preparação para a escola, outros privilegiam as especificidades que este contexto educativo deve ter, tendo em conta as características psicológicas das crianças.

Nas primeiras décadas do regime político Estado Novo, a educação de infância é considerada uma tarefa destinada às mães de família, uma vez que é esperado que estas

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fiquem em casa a cuidar dos seus filhos. Assim, nesta época as instituições de educação de infância continuam a funcionar, no entanto com uma função essencialmente assistencial.

Nos anos 60 ocorre uma mudança positiva para a educação de infância, dando-se uma nova importância a este contexto e ao seu potencial educativo, sendo criadas mais instituições.

Após o 25 de Abril de 1974, sobrevém uma nova forma de desenvolver a educação de infância, dando-se uma renovada ênfase à diversidade sociocultural e à necessidade desta ser integrada nas práticas educativas. É criado o sistema público de Educação Pré-escolar, e a sua consequente expansão pelo país, com a publicação da Lei N.º 5/77, de 1 de Fevereiro (in Ludovico, 2007a). No entanto, só em 1986 é consolidada a inserção da educação pré-escolar no sistema educativo, sendo reforçada a sua função educativa, com a publicação da LBSE (Idem). Já em 1996 é aprovada, pela Assembleia da República, a Lei n.º 5/97, que seria publicada no ano seguinte como Lei Quadro para a Educação Pré-Escolar; ainda nesse ano são aprovadas as Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar (Idem).

A Lei Quadro para a Educação Pré-Escolar define-a como sendo: “a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar da acção educativa da família, com a qual deve estabelecer estreita cooperação, favorecendo a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade como ser autónomo, livre e solidário”.

Conclui-se, portanto, que é necessário criar condições que respeitem o próprio ritmo de desenvolvimento de cada criança, tendo sempre em consideração o seu contexto familiar, de modo a que esta se possa inserir na sociedade como ser capaz de resolver situações conflituosas harmoniosamente, de pensar por si mesma e de cooperar com os restantes. Formam-se, assim, seres capazes de viver numa sociedade democrática. É importante que:

“durante esta etapa se criem as condições necessárias para as crianças continuarem a aprender, ou seja, importa que na educação pré-escolar as crianças aprendam a aprender (…) [não se pretendendo] que a educação pré- escolar se organize em função de uma preparação para a escolaridade obrigatória, mas que se perspective no sentido da educação ao longo da vida” (OCEPE, 2009, p. 17).

Ainda de acordo com a lei acima referida, a educação pré-escolar é facultativa e destinada a crianças com idades compreendidas entre os três anos e a idade de ingresso no ensino básico, sendo ministrada em estabelecimentos destinados para esse fim. “Por

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estabelecimento de educação pré-escolar entende-se a instituição que presta serviços vocacionados para o desenvolvimento da criança, proporcionando-lhe actividades educativas, e actividades de apoio à família” (Artigo 3.º da Lei N.º 5/97).

Existem, atualmente, em Portugal duas redes de educação pré-escolar: “uma rede pública e uma rede privada, complementares entre si, visando a oferta universal e a boa gestão dos recursos públicos” (Artigo 9.º da Lei N.º 5/97). Da rede pública fazem parte os estabelecimentos de educação pré-escolar que dependem diretamente do Ministério da Educação e do Ministério de Trabalho e da Solidariedade (Mendes, Neves e Guedes, 2000). A rede privada é constituída pelos estabelecimentos de ensino particular ou cooperativo, as IPSS, Misericórdias, Mutualidades ou outras instituições, sem fins lucrativos, que prossigam atividades no domínio da educação e do ensino (Idem).

Os objetivos da educação infantil, segundo Zabalza (1992c), podem ser sistematizados em três grandes linhas de trabalho: garantir a dinâmica e fortalecimento do eu infantil; enriquecer a vida individual da criança; enriquecer-orientar a vida relacional-social. A primeira consiste em “libertar o desejo da criança e dotá-la de recursos de elaboração e autocontrolo” (Zabalza, 1992c, p. 109) e “orientar a acção educativa para favorecer um sentimento positivo da criança relativamente a si mesma” (Idem, p. 110), ou seja, torna-se necessário que a criança possa manifestar as suas pulsões, tanto as positivas como as negativas, no sentido de as “estruturar, integrar e adequar” (Idem, p. 109), ao invés de as reprimir. Assim sendo, “a ideia básica é, pois, libertar e orientar e não impedir ou penalizar” (Idem.). Além disso, é ainda necessário ter em conta o desenvolvimento emocional de cada criança, devendo dar-se uma atenção adequada a “emoções tais como a agressividade, a ira, os ciúmes, a inveja, a necessidade de segurança, afecto, aceitação, etc.” (Idem, p. 110).

A segunda grande linha de trabalho assenta na procura do desenvolvimento individual, na dinamização da vitalidade expansiva da criança e no aumento do seu fundo experiencial. Ou seja, é necessário que a educação infantil proporcione a cada criança a oportunidade de se desenvolver como um indivíduo único, com ideias próprias, capaz de pensar e atuar por si. Além disso, é, ainda, indispensável ensinar as crianças “a viver, a gozar, a desfrutar (sic) a vida, a triunfar na arte de viver, o que equivale a ajudá-los a realizar plenamente a sua vocação humana” (Cabezas Sandoval, 1981 in Zabalza, 1992c, p. 111). Para que isto aconteça, é essencial que o educador

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proporcione oportunidades para que as crianças se explorem e provem a si mesmas (Combs, 1978 in Zabalza, 1992c). Por fim, é necessário que lhes sejam facultadas experiências, partindo dos seus interesses e necessidades, que lhes permitam investigar, pesquisar, descobrir, fomentando, assim, a sua curiosidade e desenvolvendo nelas a capacidade de iniciativa (Zabalza, 1992c).

A última grande linha orientadora consiste no desenvolvimento dos instrumentos de comunicação e no desenvolvimento da capacidade de adaptação. Deste modo, é importante desenvolver na criança uma capacidade de comunicar, utilizando uma forma de comunicação “não apenas verbal (…) mas também emocionalmente veiculada através do seu corpo, gestos, gritos, representações gráficas e artísticas, através do corpo do outro, etc.” (Zabalza, 1992c, p. 113). Assim, tanto as dimensões conscientes como inconscientes da criança estão implícitas no processo de comunicação. É, ainda, necessário desenvolver a capacidade de se adaptarem, isto é, de se integrarem e, simultaneamente, serem capazes de “manter níveis de iniciativa pessoal e possibilidade de crítica” (Idem).

Posto isto, e ainda de acordo com a Lei Quadro para a Educação Pré-Escolar (Artigo 10.º da Lei N.º 5/97), os objetivos da educação pré-escolar são:

a) Promover o desenvolvimento pessoal e social da criança com base em experiências de vida democrática numa perspectiva de educação para a cidadania;

b) Fomentar a inserção da criança em grupos sociais diversos, no respeito pela pluralidade das culturas, favorecendo uma progressiva consciência do seu papel como membro da sociedade;

c) Contribuir para a igualdade de oportunidades no acesso à escola e para o sucesso da aprendizagem;

d) Estimular o desenvolvimento global de cada criança, no respeito pelas suas características individuais, incutindo comportamentos que favoreçam aprendizagens significativas e diversificadas;

e) Desenvolver a expressão e a comunicação através de linguagens múltiplas como meios de relação, de informação, de sensibilização estética e de compreensão do mundo;

f) Despertar a curiosidade e o pensamento crítico;

g) Proporcionar a cada criança condições de bem-estar e de segurança, designadamente, no âmbito da saúde individual e colectiva;

h) Proceder à despistagem de inadaptações, deficiências e precocidades, promovendo a melhor orientação e o encaminhamento da criança;

i) Incentivar a participação das famílias no processo educativo e estabelecer relações de efectiva colaboração com a comunidade.

Analisando os objetivos anteriormente definidos, podemos concluir que a educação pré-escolar deve preparar as crianças para serem cidadãos informados e críticos, numa sociedade democrática. Desenvolver nelas competências que lhes

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permitam ser respeitadoras de si e dos restantes seres, independentemente da raça, cultura ou sexo. Ajudar e permitir que a criança comunique e se exprima através das variadas linguagens, não só oral, mas também escrita, plástica, motora, dramática e musical. Transmitir-lhes valores de boa educação e promover a saúde individual e coletiva. É, portanto, evidente o carácter de educação para os valores que este nível de ensino possui. Além disso, é também na educação pré-escolar que se devem descortinar inadaptações e deficiências, possibilitando, assim, uma intervenção precoce de modo a minimizá-las, adaptando o processo de ensino-aprendizagem às mesmas. Importa, ainda, durante o desenvolvimento de atividades em contexto pré-escolar, abrir as portas à família e à comunidade, colaborando e cooperando com estes de modo a enriquecer o desenvolvimento global de cada criança. Citando Zabalza (1992b), “podemos encarar a educação infantil como um período de formação plena” (p. 83). Posto isto, podemos afirmar que a Educação para os Valores está fortemente ligada à educação pré-escolar, uma vez que muitos dos seus objetivos, se não todos, dizem respeito à aquisição de valores socialmente aceites. Como referem, Hotyat e Delépine (1973) citados em Zabalza (1992b) a educação de infância é “uma arquitectura de meios pelos quais a criança é ajudada no seu desenvolvimento pessoal e na aquisição de capacidades, de modos de comportamento, e de valores considerados como essenciais pelo meio humano em que vive” (p. 84). Este desenvolvimento da criança não ocorre de forma passiva, necessitando de um intercâmbio sujeito-meio, o qual se produz nos quatro níveis de desenvolvimento – afetivo, sensorial-psicomotor, relacional, intelectual – afetando-os simultaneamente (Zabalza, 1992b).

Alguma investigação tem sido feita para analisar os benefícios da educação pré- escolar, concluindo-se que as crianças revelam ter ganhos a nível sócio-afetivo, assim como desenvolvem a competência social. Ambos mostram ter efeitos duradouros, ao contrário dos ganhos ao nível do QI (pelo que a educação pré-escolar não se deverá centrar tanto neste aspeto). Além disso, comprovou-se ainda que “a educação pré- escolar promove a integração escolar posterior” (Oliveira-Formosinho, 2001, p. 113), pelo que é importante que as crianças frequentem este contexto educativo, de modo a promover um maior sucesso nas etapas seguintes do seu percurso educativo (Oliveira- Formosinho, 2001). Também Zabalza (1992b, p. 86) refere que “o papel da escola infantil face à criança, a sua grande tarefa, é potenciar o desenvolvimento das condições pessoais de todo o tipo que torne possível a boa marcha posterior no ensino regular”.

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Segundo Bloom (1964), in Zabalza (1992a, p. 68), “no processo de desenvolvimento do sujeito é vulgar surgirem intervenções tempestivas (aquelas que se produzem no momento adequado, isto é, aquele momento ótimo para o desenvolvimento de certas capacidades e/ou habilidades) e, por hipótese, intempestivas (por se prolongarem ou demorarem para além do momento ótimo em função do ritmo particular dos sujeitos)”. Refere, ainda, que a agressividade nos rapazes, a dependência das mulheres e os interesses intelectuais desenvolvem-se mais rapidamente nos primeiros cinco anos de vida, pelo que esta altura será o melhor momento para intervir uma vez que “produzem-se tantas mudanças nos quatro primeiros anos de vida, como nos treze seguintes” (Child, 1986; in Zabalza, 1992a, p. 68). Daí a importância de todas as crianças frequentarem a educação pré-escolar, bem como de serem tratados os valores nesta etapa da educação, pois é nesta altura que a intervenção será otimizada devido às condições excelentes quanto à idade.