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5. Educar para os Valores

5.1. Teorias e Modelos da Educação para os Valores

5.1.1. Teoria da Clarificação de Valores

A Teoria da Clarificação de Valores surgiu em 1966, nos Estados Unidos da América, com a obra de Louis E. Raths Values and Teaching. Working with Values in the Classroom (Dias, 2004, p. 146). Este modelo baseia-se num movimento prático, pelo que a sua principal preocupação é como fazer ao invés de o que fazer (Idem). Deste modo, os autores desta teoria, “afastam-se da definição do termo valor, considerando como mais importante a questão do processo de aquisição dos valores de cada indivíduo, a partir de um conjunto disponível” (Valente, s/d, p. 5). Segundo Odete Valente (s/d, p. 4), Raths e os seus discípulos reconhecem “que no nosso tempo, com a pressão das muitas mensagens contraditórias que nos envolvem, muitas pessoas debatem-se na confusão, apatia ou inconsistência, sem conseguirem clarificar os seus próprios valores, pelo que se deve encorajá-las a reflectirem de forma mais deliberada nos seus valores e nos da sociedade como um todo”. De acordo com Marchand (s/d, p. 6), esta teoria “rejeita, explicitamente, a doutrinação e a educação do carácter e propõe que os professores, num clima de não-directividade e de total neutralidade, ajudem os alunos a clarificar os seus próprios valores, a assumi-los e a pô-los em prática”.

A Teoria da Clarificação de Valores baseia-se nos seguintes pressupostos: os alunos devem criar o seu próprio sistema de valores; as metodologias moralistas devem ser evitadas, devendo recorrer-se a metodologias que recaem na tomada de consciência dos valores; deve estimular-se o desenvolvimento moral; os valores de outras pessoas, sociedades e culturas devem ser respeitados (Dias, 2004, p. 147). Valente (s/d) afirma que, de acordo com a Teoria da Clarificação de Valores, é de extrema importância aceitar cada indivíduo da forma que ele é, sem julgar ou avaliar, de forma a facilitar que ele próprio se aceite e seja honesto consigo e com os outros. No entanto, a autora menciona que apesar de ser necessária esta aceitação, “deve dar lugar a um convite à reflexão mais séria e, sobretudo, mais alargada” (p. 4), pelo que “o fundamento principal da clarificação de valores é o de que as pessoas podem ser ajudadas a debruçarem-se sobre as questões de valores e a integrarem as suas escolhas, podendo então continuar a fazer isso pela vida fora, aumentando a sua possibilidade de autodirecção esclarecida” (Idem). Posto isto, segundo Marques (1998, p. 111), a Teoria da Clarificação de Valores baseia-se na seguinte sequência:

“começa-se por focar a atenção do aluno numa questão da vida real. O professor pode chamar a atenção para um incidente ocorrido na sala de aula ou para um acontecimento noticiado pelos media. De seguida, o professor

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promove a reflexão dos alunos, abstendo-se de formular juízos de valor e assegurando-se que todos se podem expressar livremente e sem quaisquer espécies de constrangimentos. O professor manifesta uma atitude de aceitação, de compreensão e de empatia”.

A Teoria da Clarificação de Valores pressupõe que, de forma a ser possível obter um valor, é necessário assegurar sete critérios (Valente, s/d; Marques, 1998; Dias, 2004): escolha livre; escolha de entre alternativas; escolha feita depois da consideração ponderada das consequências de cada alternativa; ser capaz de ser elogiado e aplaudido; ser capaz de fazer e manter afirmações em público; atuar de acordo com a escolha realizada; aplicá-la repetidamente como padrão de vida. Dias (2004) e Marques (1998) subdividem o processo de clarificação de valores em três fases: escolha ou seleção; apreciação ou estimação; e atuação. Assim, segundo Marques (1998, p. 111),

“a escolha deve ser livre, incluir várias alternativas e ser reflexiva, em termos das consequências de cada alternativa. A apreciação deve conduzir o aluno a sentir-se feliz com a escolha e deve levar o aluno a desejar afirmar publicamente essa escolha. A actuação conduz à realização consentânea com a escolha e deve ser repetida no tempo, de forma a constituir habituação”.

Odete Valente (s/d, p. 6) afrima que “neste processo o educador encoraja a criança, o jovem ou o adulto, a clarificar aquilo que valorizam, e não intenta persuadi- los a aceitarem um conjunto preestabelecido de valores” pelo que deve:

“encorajar as crianças e jovens a fazerem mais escolhas e a fazê-las livremente, ajudar a descobrir alternativas e a reflectir nas consequências de cada uma, ao mesmo tempo que encoraja a considerarem o que apreciam e a afirmarem-no, quando necessário e oportuno, bem como actuarem e a comportarem-se de acordo com as escolhas, de maneira sistemática” (Idem).

Dias (2004) concorda com o que foi dito anteriormente, referindo que o papel do professor envolve o auxílio dos alunos, de modo a permitir-lhes “alcançar posturas axiológicas morais” (p. 147). Deste modo, esta teoria é vista “como uma via de guiar os educadores na ajuda aos alunos, para que se tornem mais voluntariosos, mais entusiastas, mais positivos, mais coerentes e integrando melhor a razão, as emoções e os comportamentos” (Valente, s/d, p. 5).

Ainda que esta teoria apresente aspetos positivos, sendo o principal “ajudar os alunos a pensar sobre valores e a fazer a ligação entre os valores que defendem (…) e a acção desenvolvida, ou a desenvolver” (Marchand, s/d, p. 7), foram-lhe apontadas várias críticas. Este modelo tem sido criticado devido ao reduzido impacto que exerce no desenvolvimento do carácter dos alunos (Marques, 1998). Uma vez que o professor não pode ser visto como um modelo para os alunos, estes são privados de um

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instrumento de educação moral importante. Além disso, uma vez que esta teoria recusa a hierarquização de valores, os alunos ficam desarmados relativamente “ao poder de socialização ideológica dos media” (Idem). Esta teoria manifesta-se distintamente desvantajosa com alunos provenientes de famílias de níveis socioeconómicos mais baixos, pois impede “o contacto com códigos de conduta que os ajudem a adiar as gratificações, a pensar a médio prazo, a conceberem estratégias de vida saudável e responsável e a interiorizarem valores básicos” (Idem).

Marchand (s/d, p. 7) aponta três críticas principais a este modelo: confunde questões triviais com questões éticas importantes; não distingue aquilo que se gosta de fazer daquilo que se deve fazer; e, uma vez que se baseia no relativismo moral, não hierarquiza os valores, pelo que não sugere que alguns valores podem ser melhores ou piores do que outros.

Ainda segundo Dias (2004, p. 148), este modelo mostra ser deficiente “ao nível da realização prática; (…) não oferece meios adequados para a solução das questões morais que coloca; (…) tem um grau elevado de subjectivismo e de relativismo moral”. Este autor menciona, ainda, outra crítica, citando Ricardo Marín Ibañez, na qual refere a contradição que esta teoria oferece na medida em que é esperado que os alunos tenham um desenvolvimento pessoal positivo, bem como uma ação social correta, no entanto, o educador necessita de manter a neutralidade, pelo que o aluno fica desamparado.

Ellenwood (1996, pp. 124-125) refere, ainda, que os acontecimentos sobre os quais refletem, segundo a Teoria da Clarificação de Valores, nunca descrevem a história que levou até tal ponto, tornando-os artificiais. Facilmente os alunos questionam, baseando-se em factos, pelo que a situação a analisar é reconstruida. Deste modo, o processo não ajuda os alunos a clarificarem os seus valores até que o professor os estimule vigorosamente. Este autor critica ainda esta teoria pelo facto de não esclarecer os alunos sobre o que fazerem quando ocorrer um conflito entre valores. Por exemplo, quando o valor da honestidade entrar em conflito com o valor da gentileza, esta teoria não esclarece os alunos, levando-os a achar que qualquer ação é aceitável.