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Perspetivas de Fontes do Currículo na Educação Pré-Escolar

5. Diferentes Conceções de Currículo

5.4. O Currículo na Educação Pré-Escolar

5.4.1. Perspetivas de Fontes do Currículo na Educação Pré-Escolar

É óbvio que não existe uma única definição de currículo. Importa, portanto, questionarmo-nos sobre a origem desta tal noção de currículo. É exigido que um currículo tenha fundamentação, ou seja, “é necessário explicitar as fontes que originam uma série de decisões assumidas, tanto ao nível das grandes opções educativas e princípios orientadores como ao nível do plano de intervenção gizado para concretizar as ideias de que se parte” (Vilar, 1994, p. 30). Segundo este autor, “o fundamento último de um Currículo é, e será, sempre o Homem, ou melhor, a plenitude do seu desenvolvimento no seio de uma Cultura que lhe é própria” (Idem).

Após analisar vários autores que investigaram as fontes curriculares, Vilar (1994) conclui que são essencialmente três as fontes do Currículo: o individuo (ou seja,

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o aluno); a sociedade (os seus problemas, necessidades e características) e o conhecimento científico. Considera, ainda, que o desenvolvimento curricular “é a fonte principal que fornece os «dados» de que derivam os fundamentos do processo de concepção, elaboração, implantação, avaliação e enriquecimento contínuo do Currículo” (p. 34). Afirma esta importância do desenvolvimento curricular, uma vez que, para ele, “sem esta «fonte de dados», de pouco ou nada nos servirão os importantes e indispensáveis contributos da Psicologia, da Sociologia e da Epistemologia” (Idem)

Bernard Spodek e Olivia Saracho (1998), no seu livro Ensinando Crianças de Três a Oito Anos, fazem uma revisão das diferentes origens, ou fontes, do currículo. Alguns teóricos defendem que os currículos elaborados para a primeira infância devem partir das próprias crianças, de modo a que a educação que lhes é dada tenha em conta as suas necessidades e interesses. Esta conceção de currículo foi usada por Froebel e Montessori, dois pioneiros da educação para a primeira infância. Uma vez que se baseia nas atividades “naturais” das crianças, é considerado um ideal romântico que nos leva a Jean-Jacques Rosseau, o qual defendia que os instintos do bom selvagem eram destruídos pela sociedade. No entanto, as escolas não são vistas como sendo “naturais”, uma vez que todas “são instrumentos culturais para fazer algo com as crianças – modificá-las” (Spodek e Saracho, 1998, p. 88). Esta fonte do currículo, não se mostra ser a mais adequada, visto que, quando observamos algo, certamente iremos identificar pontos diferentes de observação, uma vez que “o objectivo do observador determina o que ele vê” (Idem).

Outra fonte de currículos encontra-se nas teorias do desenvolvimento infantil, de que as pesquisas de Arnold Gesell são um exemplo; este “considera o desenvolvimento da criança como basicamente maturacional” (Spodek e Saracho, 1998, p. 89), apontando o que defendeu para que as crianças devam ser agrupadas por idades, desenvolvendo atividades consideradas apropriadas para a sua faixa etária. Mais tarde, esta fonte de currículo apoiou-se no trabalho de Piaget, tentando “que um maior desenvolvimento intelectual fosse a base para criar um currículo para crianças” (Spodek, 1993, p. 10). No entanto, as teorias do desenvolvimento são descritivas, preocupando-se com o que a criança é, enquanto a educação se preocupa com o que deve ser. Portanto, a criação de experiências educativas envolve escolhas e preferências que não podem ser racionalizadas tendo em conta apenas as teorias do desenvolvimento infantil. Contudo, “a teoria do desenvolvimento infantil pode, pelo menos, proporcionar-nos informação

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útil, muitas vezes do tipo negativo, sobre o que não devemos fazer às crianças num determinado grau do seu desenvolvimento se queremos que elas aprendam ou, então, pode proporcionar-nos informação sobre estádios de preparação para aprendizagens diferentes” (Idem, p. 11).

Também as teorias da aprendizagem foram identificadas como uma fonte para a elaboração de currículos. Enquanto a teoria do desenvolvimento infantil “lida com a mudança no ser humano em longos períodos de tempo” (Spodek, 1998, p. 90), estas procuram “dar conta de mudanças a curto prazo” (Idem). O recurso a estas teorias tem- se manifestado de várias formas, sendo uma delas “a insistência no desenvolvimento de objectivos comportamentais” (Spodek, 1993). Embora não haja nada de psicológico no uso destes objetivos, a tradução dos objetivos do currículo para objetivos comportamentais permite uma maior facilidade em avaliá-los, embora por vezes esta avaliação seja enganosa. Além disso, foi identificado outro problema com esta abordagem: é difícil para as crianças transferirem aquilo que aprendem em contexto escolar para outras situações, uma vez que aquilo que a criança já sabe, o seu contexto, o seu meio, não são tidos em conta.

Outra fonte, utilizada para a elaboração de currículos, é o conteúdo de testes psicológicos administrados a crianças, de modo a julgar a sua inteligência e aumentá-la. Assim, “alguns programas de educação pré-escolar são justificados como uma forma de aumentar a inteligência” (Spodek, 1993, p. 12). O conteúdo destes programas, ou seja, o seu currículo, passa portanto a basear-se em tarefas retiradas dos testes psicológicos, de modo a que as crianças “memorizem” as suas respostas e, consequentemente, consigam melhores resultados, tornando-se “mais inteligentes”. Esta abordagem de currículo é de facto muito triste, pois como diz Spodek (1993, p. 13) “aprender de cor respostas a um determinado estímulo não pode ser considerado um comportamento inteligente”.

Também o conteúdo escolar, que as crianças irão aprender posteriormente, tem servido como uma fonte para a elaboração de currículos para a primeira infância. Esta abordagem assenta na leitura, linguagem e matemática, ou seja, aquilo que será exigido das crianças no ensino do 1.º CEB, assim como as prepara para adequarem o seu comportamento à sua vida escolar posterior. Foi feito um estudo com alunos mais velhos, que levantou a dúvida da necessidade de uma educação mais rígida para crianças em idade pré-escolar, uma vez que os alunos chegados à universidade que

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tinham melhor desempenho, eram aqueles que vinham de escolas abertas, ou seja, menos rígidas.

Teresa Vasconcelos (1990) também refletiu sobre três metáforas alusivas ao currículo, retiradas de um texto de H. Kliebard (1975) cujo título é Raízes Metafóricas ao Projectar um Currículo. A primeira é a Metáfora da Produção, a qual compara os currículos aos “meios de produção e o aluno é o material bruto que será transformado num produto acabado e útil sob o controlo de um técnico altamente competente” (Kliebard, 1975 citado em Vasconcelos, 1990, p. 18). Nesta metáfora, o fator que revela maior importância é o resultado, ou seja o “produto” em que se consegue transformar a criança através da educação. A educação na qual esta metáfora se baseia assentou nas “teorias behavioristas ou comportamentalistas que explicam a aprendizagem humana através do binómio estímulo-resposta” (Vasconcelos, 1990, p. 18). Estas teorias originaram a Pedagogia por Objetivos, a qual procura hierarquizar um conjunto de objetivos comportamentais e metas a atingir, de modo a determinar toda a atividade educativa, garantindo, “com economia de tempo e de recursos” (Idem), que as crianças alcancem as metas determinadas pelo educador. Este tipo de educação é veiculada por currículos que visam sobretudo a preparação das crianças para a entrada na educação formal, podendo ser integrada quanto às fontes do currículo, explicadas por Bernard Spodek e mencionadas anteriormente, no grupo das que se inspiram nos conteúdos escolares, nas teorias da aprendizagem e nos itens dos testes psicológicos. Além disso, em contexto português, Teresa Vasconcelos questiona-se sobre a inserção do Modelo João de Deus nesta metáfora, uma vez que a sua prática é bastante rigorosa e direcionada para as aprendizagens formais.

A segunda metáfora sobre a qual a autora refletiu é a do Crescimento, segundo a qual o currículo “é a estufa onde o aluno vai crescer e desenvolver-se até ao seu pleno potencial sob o cuidado de um jardineiro sensato e paciente”, o qual designamos por educador. Segundo esta metáfora, é importante que o educador deixe as crianças crescerem e aprenderem sozinhas, sem olhar aos seus próprios caprichos ou desejos. Aqui inserem-se as práticas da educação infantil desenvolvidas por Froebel ou Montessori, lembrando ainda o romantismo de Rousseau ao considerar que a educação das crianças deve ser natural e espontânea. No entanto, nas conceções dos dois pioneiros da educação de crianças pequenas, anteriormente mencionados, o educador tinha um papel fulcral em orientar, programar e gerir o grupo de crianças com quem

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trabalhava. Além disso, e como é afirmado por Spodek (1970), uma escola nada tem de natural, pois considera-se que quando uma criança sai, por exemplo, da instituição de educação pré-escolar, deve sair “num estado menos natural do que aquele em que entrou, já que as escolas são instituições culturais que necessariamente influenciam as crianças” (Spodek, 1970 in Vasconcelos, 1990, p. 19). Assim, o jardim-de-infância deve “constituir uma proposta intencional adequada ao nível etário e às características das crianças abrangidas” (Idem). O currículo desenvolvido nas instituições de educação pré- escolar deve adequar-se tanto às idades das crianças como às suas características quer individualmente quer em grupo. Teresa Vasconcelos propõe a inserção da Pedagogia de Situação, largamente praticada em muitos jardins-de-infância portugueses, nesta metáfora do crescimento.

Por fim, a autora refere a terceira metáfora de Kliebard – a Metáfora da Viagem, na qual “o currículo é uma estrada por onde as crianças viajam, sob a orientação de um guia e companheiro experimentado”, que é o educador. O efeito que a viagem terá sobre cada criança, ou seja, cada viajante, não será igual pois todas possuem características, intenções e formas de ser únicas, pelo que cada uma irá reter algo diferente da viagem que fazem juntos. Nesta perspetiva é dada maior ênfase à organização e planificação da viagem e menos à previsão da viagem, ao resultado. Ou seja, importa o processo de aprendizagem de cada criança e não o produto que será obtido. Esta tarefa de planear, organizar e avaliar cada passo da viagem é dada ao educador, o qual “é responsável por proporcionar a todas as crianças instrumentos para que a viagem se torne numa aventura «rica, fascinante e memorável»” (Vasconcelos, 1990, p. 20), sendo ele próprio influenciado pela mesma viagem. A autora questiona-se ainda sobre a probabilidade da Pedagogia de Projecto, o Modelo do Movimento da Escola Moderna e outros currículos denominados «abertos» se inserirem nesta metáfora, uma vez que embora apresentem diferenças, “a imprevisibilidade da viagem, mas também a intencionalidade da sua preparação, são grandes elementos-força” (Idem).

Segundo a autora do artigo referido, “as metáforas de Kliebard propõem-se ajudar-nos a clarificar, entender e aprofundar as nossas raízes e assim poder ter os olhos fixos no horizonte que nos propusemos” (Vasconcelos, 1990, p. 20). Portanto, através desta clarificação das várias fontes ou origens dos currículos, seus conteúdos e propósitos, cada educador deverá preparar os seus instrumentos e materiais e começar a

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elaborar o seu próprio currículo, assumindo “escolhas e decisões educativas cada vez mais coerentes” (Idem).

Todas as fontes de currículo mencionadas por Spodek e Saracho (1998), assim como aquelas mencionadas através das metáforas de Kliebard (Vasconcelos, 1990) se revelam não adequadas para inspirar um currículo. Pergunto-me, portanto, qual será a origem apropriada de um currículo? Spodek (1993, p. 14) responde à pergunta: “a origem adequada do currículo em educação pré-escolar é o conjunto (sic) dos objectivos que são os fins da educação para as crianças. (…) Destes objectivos podem fazer-se derivar experiências curriculares e, usando estes objectivos, pode julgar-se a eficácia de um currículo”. Deste modo, as fontes abordadas anteriormente podem ser usadas mais como recursos na elaboração do currículo em vez de o originarem.

Os objetivos de que fala Spodek “vêm consignados na Lei de Bases do Sistema Educativo” (Vasconcelos, 1990, p. 20), pelo que devemos ter este documento sempre em conta aquando da elaboração do currículo para as crianças com quem iremos trabalhar. “Cada criança é um projecto de futuro. Por isso serão então os objectivos da educação pré-escolar a nossa visão do futuro, a verdadeira fonte do currículo, o horizonte amplo que nos inspira” (Idem).