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2 Educação como arte

2.3 Exposição e experiência

2.4.1 Diálogo como jogo teatral

Como discutimos rapidamente antes – e agora detalharemos – a diretora teatral norte-ameri- cana Viola Spolin propõe o desenvolvimento de uma dinâmica de jogos teatrais, através da qual se dá o aprendizado prático de diversos elementos da linguagem teatral e se propõe o desenvol- vimento da capacidade de envolver-se totalmente com o ambiente, nos níveis físico, intelectual

e intuitivo e criar em tempo presente, em diálogo com os demais jogadores e com o público,

um jogo de improvisação teatral. Ao nos propormos a pensar a dialogicidade como jogo teatral, não pretendemos, novamente, supor a identificação dessas atividades, mas sim permitir que a prática e a reflexão a respeito do sistema de jogos teatrais desenvolvido por essa autora possam enriquecer nossa compreensão a respeito do diálogo no contexto educacional.

Ao procurar pelo que me parece mais essencial nesse raciocínio analógico, creio que há três contrastes entre essas atividades a respeito dos quais é necessário refletir. Um primeiro contraste – mais superficial e que, do meu ponto de vista, não resiste a um aprofundamento da análise – refere-se à maneira como o senso comum associa as noções de jogo e de teatro a fingimento,

ficção, em oposição a um diálogo que se pretenda sério e verdadeiro. Um segundo elemento

de contraste refere-se à natureza fundamentalmente verbal do diálogo usual (lembremo-nos que o radical logos, que vem do grego, significa originalmente palavra) em contraposição a uma comunicação que se dá, em um jogo teatral, através dos mais diversos meios expressivos,

incluindo a movimentação, os gestos, a sonoridade e, também, a palavra. Por fim, um terceiro

elemento de contraste está associado à relação que se estabelece, em um jogo teatral, com um público. Se em um diálogo usual, trata-se de uma relação que se estabelece entre um “eu” e um ou mais “outros”, no jogo teatral temos uma relação que um ou mais jogadores estabelecem entre si e com o ambiente, compartilhando esta experiência com um público. Este terceiro agente envolvido na relação que se cria no jogo teatral dá toda uma outra dinâmica a esta atividade e potencializa, do meu ponto de vista, o alcance de certos objetivos a que o diálogo, principalmente no contexto pedagógico, também se propõe. A seguir, procurarei discutir o sistema de jogos teatrais de Viola Spolin pensando principalmente nos possíveis sentidos e repercussões desses três elementos de contraste apontados. Para isso, descreverei também, brevemente, algumas experiências de jogos praticados no contexto da disciplina Oficina de

Projetos de Ensino.

Iniciando a discussão pelo segundo contraste apontado, ressalto que o jogo teatral, sendo um jogo de improvisação, envolve uma gama de acordos que se estabelecem entre os jogadores de maneira tácita, implícita, não declarada e, por isso, também, não comandada. Um pequeno ritual que desenvolvi em grande parte dos inícios de aula da disciplina Oficina de Projetos pode servir para ilustrar isso. Tratava-se de, em roda, de olhos fechados e de mãos dadas, produzir um deslocamento do centro de gravidade do corpo para trás e para frente (conforme a figura 2.8). Se todos fizessem juntos esse deslocamento, não haveria desequilíbrio graças ao apoio mútuo fornecido pela roda. Se houvesse descompasso, entretanto, o desequilíbrio seria inevitável. O acordo que precisa ser estabelecido neste exercício não pode ser explícito ou verbal (“um, dois, três e ... já”), mas silencioso, implícito. A ninguém é dada a prerrogativa de comandar o ritmo

Figura 2.8: Exemplo de atividade de aquecimento. Os participantes, de olhos fechados, devem deslocar o seu centro de gravidade para trás e para frente. O desafio é perceber o movimento conjunto do grupo de forma a que todos desloquem conjuntamente o seu centro, sem que haja desequilíbrios.

do movimento. Ao contrário, este pulso do movimento é criado, em tempo presente, pelo grupo em sua percepção sensível do movimento do próprio grupo.

Diversos exercícios visam desenvolver, em diferentes contextos, esse tipo de diálogo. Outro exercício que frequentemente utilizei como aquecimento consiste em uma ação na qual, a partir de uma situação inicial em que todos estão parados, sem nenhum combinado prévio, uma e somente uma pessoa por vez deve falar o próprio nome e começar a se movimentar. Se duas pessoas tentarem iniciar o movimento ao mesmo tempo, todo o grupo volta a “congelar” e o processo começa novamente. Quando se consegue chegar à situação em que todos estão caminhando, o exercício se inverte e uma e somente uma pessoa por vez deve dizer o nome e parar o movimento. Assim como no exercício anterior, cria-se, neste exercício um ritmo vivo que não é estabelecido de fora, mas construído a partir da própria dinâmica do grupo. O intervalo entre cada movimento ou cada parada não é uniforme e cria-se no ambiente um estado de atenção e escuta para que cada um encontre o momento correspondente à sua vez. O diretor teatral inglês Peter Brook comenta a respeito de um exercício similar (no qual ao invés de dizer o nome e se movimentar, devia-se simplesmente contar até 20, com uma e somente uma pessoa falando cada número):

“É um exemplo simples da relação entre concentração, atenção, capacidade de escutar e liberdade individual. Demonstra também as características do ritmo quando é vivo e natural, pois as pausas nunca são artificiais, nem há duas pausas iguais, e todas são preenchidas pelo pensamento e pela concentração, como pontes que atravessam o silêncio. (...) Pode durar uns vinte minutos ou meia hora; neste caso, a tensão aumenta muito e a capacidade de escutar do grupo se transforma. É um exemplo do que poderíamos chamar de exercícios de preparação” (BROOK, 1999, p. 56).

Um terceiro exemplo que demonstra a potencialidade dessa comunicação implícita e não- impositiva refere-se aos exercícios Siga o mestre e Siga o seguidor. Enquanto no primeiro

exercício todo o grupo deve realizar a mesma movimentação que uma pessoa escolhida para ser o mestre, no segundo exercício não há mestres definidos e a mudança de um padrão de movimentação a outro se dá pelo grupo, sem que ninguém a comande explícita ou deliberada- mente. Koudela comenta a respeito deste exercício e apresenta também o depoimento de duas adolescentes, participantes de uma oficina por ela coordenada, do qual transcrevo o trecho a seguir:

“Outro aspecto superimportante, neste processo, foi a descoberta do grupo, do trabalhar junto. De repente, jogando o ‘Siga o seguidor’ que aparentemente era um exercício para um foco comum, foco no grupo, nos fez ‘aprender’ (opa, aprender não), ‘sacar’ nós mesmos e a relação com o outro, permitir a existên- cia do outro e se permitir dentro dela” (KOUDELA, 1991, p. 154).

Vale ressaltar este aspecto: ao impedir os acordos explícitos, estes exercícios desenvolvem o olhar e a escuta do outro. Quantas vezes, a possibilidade de comunicar-se diretamente através da palavra, ao invés de tornar mais fácil, torna mais difícil a comunicação e o acordo? É que ao dificultarmos a emissão de palavras, de proposições, de ordens, desenvolvemos o outro polo envolvido em uma relação dialógica: o polo da recepção, da escuta.

Foco. O desenvolvimento dessa escuta não se dá de forma indefinida, difusa, mas sim

direcionada por um foco. Assim como o diálogo freireano se dá sempre mediado por e a propó- sito de um certo objeto cognitivo, essa espécie de diálogo que se estabelece nos jogos teatrais de Spolin se dá também sempre em torno a um determinado foco ou Ponto de Concentração. Nos exercícios simples que descrevi acima, poderíamos dizer que o foco corresponde a “deslocar- se conjuntamente para trás” ou a “iniciar ou parar a movimentação cada um a sua vez”, ou a “seguir o seguidor”. Em jogos mais complexos este foco pode tornar-se mais simbólico, sem deixar entretanto de traduzir-se em ações físicas e em acordos tácitos que se estabelecem em tempo presente, no próprio momento da ação. O foco, dessa forma, não degenera em imagina- ção ou emoções desconectadas de uma ação. Vejamos alguns exemplos de focos presentes nos jogos propostos por Spolin (1998):

• ver, sentir ou ouvir estímulos imaginários presentes em uma situação hipotética previa- mente combinada (p. 49-54);

• sentir o que está em contato com cada parte de seu corpo (p. 51);

• refletir exatamente os movimentos do outro jogador, desde os pés à cabeça (p. 55); • dar realidade a uma corda invisível em um jogo de “cabo de guerra” (p.56);

• envolver-se completamente com uma ação física feita em conjunto com um parceiro e simultaneamente envolver-se totalmente com uma discussão sobre algum tema, realizada com o mesmo parceiro (p. 163);

• estabelecer a comunicação através do silêncio (p. 169).

É importante compreender que não se trata, nestes jogos, de representar ou fingir que se faz uma ação. Trata-se de fazê-la. Por exemplo, quando propomos ouvir um certo estímulo, não se trata de realizar um determinado gesto que represente que se está a ouvir algo. Trata-se de efetivamente ouvir internamente o estímulo; a partir da concentração nesta ação, um estado e uma movimentação do corpo a ela associada manifesta-se espontaneamente. Da mesma forma, não se trata de construir um gesto que conte ao público que se está segurando uma corda; trata- se de sentir essa corda, percebê-la em sua textura, em seu peso, etc. Também não se trata de mimetizar uma comunicação silenciosa com o parceiro, mas de simplesmente comunicar-se, através do silêncio. O foco diz respeito, portanto, a um movimento interno da concentração, da percepção, da sensibilidade. Como já destacamos anteriormente, o movimento criativo não surge de um gesto externo, mas da própria percepção e da sensibilidade.

Ao compreender que sua tarefa é concentrar-se no foco proposto, o jogador pode superar a polaridade timidez – exibicionismo, compreendendo sua exposição não como uma ameaça ou um enfrentamento, mas como uma atividade conjunta em torno de um objetivo, o compartilhar de uma experiência. Dessa forma, o foco libera a ação espontânea, torna possível a percepção ao invés do preconceito e atua como um trampolim para o envolvimento intuitivo com o ambiente. Por fim, o foco possui o efeito de isolar problemas complexos em elementos mais simples, permitindo que o jogador se concentre em um único aspecto de sua ação, se concentre em resolver um problema quando na verdade está resolvendo, ao mesmo tempo, muitos outros.

A relação entre o foco que se estabelece em um jogo teatral e o objeto problematizador a respeito do qual dialogamos em uma aula já foi notada, no contexto do ensino de física, no trabalho de Oliveira (2004, p. 43):

“enquanto o foco instiga a interação entre os jogadores e as relações são esta- belecidas em torno dele, o objeto problematizador [freireano] também se torna o centro do diálogo, com isso não é o pensar de um que define os rumos da aprendizagem, mas o resultado do pensar de todos”.

Nesse sentido, qualquer tentativa de imposição durante um jogo teatral torna-se bastante evidente tanto para os jogadores como para o público. Elas ocorrem quando, ao invés de concentrar-se no tipo de sensibilidade envolvido no foco proposto, o jogador pretende impor um certo gesto, uma certa forma que conte aquilo que se deveria mostrar em vivência. Dessa

forma, as imposições correspondem a uma forma de fuga do foco e podem ser identificadas pelo grupo, com este significado.

Os jogos teatrais de Spolin visam a construção de conhecimento a respeito da linguagem teatral. Essa construção de conhecimento se dá, no sistema por ela desenvolvido, através da proposição de situações-problema frente às quais os alunos aprendem através das soluções que são capazes de criar. As situações são caracterizadas como um jogo: sendo definido por re- gras, ele deixa, entretanto, sempre implícita a liberdade que cada jogador possui para alcançar seu objetivo da forma que desejar e inventar; aberto, o número de possíveis “soluções” para o problema proposto é potencialmente infinito; de caráter altamente social, as habilidades neces- sárias à solução do problema proposto pelo jogo são desenvolvidas durante o próprio momento em que a pessoa está jogando, “divertindo-se ao máximo e recebendo toda a estimulação que o jogo tem para oferecer”; dessa forma, a concentração que ele pressupõe permite o envolvimento experiencial a que temos feito referência e provoca a espontaneidade.

“Em palavras simples, isto significa dar problemas para solucionar problemas. A técnica de solução de problemas elimina a necessidade de o professor anali- sar, intelectualizar, dissecar o trabalho de um aluno com critérios pessoais. Isto elimina a necessidade de o aluno ter que passar pelo professor, e o professor ter que passar pelo aluno para aprender. Ela proporciona a ambos o contato direto com o material, desse modo desenvolvendo o relacionamento ao invés da dependência entre os dois” (SPOLIN, 1998, p. 19).

Neste ponto revela-se a falácia da primeira contraposição apontada entre um diálogo supos- tamente “comprometido com a verdade” e jogos teatrais supostamente “fingidos”, “simulados”. O aprendizado no sistema de jogos teatrais se dá, como dissemos, através da proposição de problemas que estão sempre associados à concentração em um determinado foco ou Ponto de

Concentração, que está por sua vez, de maneira geral, associado à noção de fisicalização. A

fisicalização refere-se ao processo através do qual tornamos real, palpável, físico o universo imaginário. Ela não se confunde com uma atitude de imitação da realidade, mas, ao contrá- rio, de sua (re)criação. Tampouco se confunde com o ato de “contar” o imaginado, mas sim de “mostrá-lo”. E mostrar relaciona-se com a capacidade de se relacionar com aquilo que se criou, que, “real”, tornou-se externo a nós, independente de nossa vontade. Não se trata de simular, mas de perceber, exercitar a sensibilidade e, por esse meio, mostrar, construindo assim conhecimento através da experiência.

A experiência de recriação do real nos é cara, uma vez que também compreendemos a cons- trução do conhecimento justamente como um esforço de recriação do real, de sua expressão em formas simbólicas. Enquanto no sistema de jogos teatrais, que visa a aprendizagem da lingua- gem teatral, a proposição de grande parte dos jogos relaciona-se com a fisicalização do“onde”,

do “quem” e do “o quê” associados a uma situação ficcional proposta, no caso específico deste trabalho pretendemos principalmente construir coletivamente conhecimentos, reflexões a res- peito da ação docente e também do conhecimento físico sobre o mundo, de forma que a escolha dos problemas, dos pontos de concentração associados aos jogos teatrais é orientada por esses objetivos.

Por exemplo, com relação à construção do conhecimento físico, a proposição de jo-

gos em que o foco esteja associado a estar em um ambiente ficcional que se move (conforme figura 2.9) permite-nos construir conhecimento a respeito da equivalência entre repouso e mo- vimento uniforme e a respeito da distinção objetiva entre referenciais inerciais e não-inerciais. Nesse sentido, o procedimento de fisicalização do lugar (o “onde”) remete diretamente ao co- nhecimento físico sobre o mundo e à maneira como nossa sensibilidade percebe este aspecto da realidade.

Uma maneira de relacionar-se com este problema proposto envolve a mobilização de um conhecimento que remete aos “truques” de filmagem mais simples através dos quais o cinema representou, ao longo de sua história, situações em movimento (figura 2.10). Como todos já vimos filmes em que esses truques são utilizados com maior ou menor sofisticação, trata- se de um conhecimento relativamente disponível aos jogadores que se colocam frente a este problema. Essa “facilidade” pode tornar-se, entretanto, um caminho de desvio com relação ao foco proposto se, ao invés de lidarem diretamente com o problema da fisicalização do lugar em movimento, os jogadores planejarem previamente como “contar” que estão em determinado lugar. Dada a intenção de que a solução seja construída no próprio tempo presente do jogo, deve-se evitar o planejamento anterior a respeito de “como” resolver o problema.

Ao invés disso, o que se propõe é que, durante a própria execução do jogo, os participantes se mantenham concentrados no foco proposto e permitam que, a partir daí, o jogo “flua”. A concentração no foco estimula o direcionamento da energia criativa, permitindo que esta exerça uma função construtiva no exercício, e funciona como o ponto comum que mantém unidos, em diálogo, os jogadores e, junto com eles, o público. Nesse sentido, os jogadores (os alunos e o professor!) precisam confiar que a concentração na fisicalização, na percepção sensível de um ambiente em movimento irá permitir que o estado e a movimentação do corpo neste ambiente surjam espontaneamente, em tempo presente. Dessa forma, a compreensão mais intelectuali- zada a respeito, que pode ser associada à representação física do movimento, é desenvolvida na etapa posterior, de discussão em grupo a respeito de cada jogo desenvolvido. Por isso, propõe-se, com a concentração em um determinado foco, uma aventura de imersão em territó- rio desconhecido.

Figura 2.9: Jogo de improvisação, realizado em aula, em que se propunha, como foco, “estar em um lugar em movimento, sem que, concretamente, o lugar se movimentasse”.

Figura 2.10: Cenas do filme Shanghaied (1915) de Charlie Chaplin. Atenção especial, nessa cena que se desenrola no interior de um barco, à mudança na posição relativa dos atores com relação ao chão e também dos objetos pendurados, tais como o serrote e a panela, com relação ao teto.

Evidentemente, porém, no contexto de estudantes com muito pouca experiência a respeito da linguagem teatral e uma experiência relativamente maior a respeito da linguagem da física, essa ordem de processos dificilmente é estritamente obedecida e a criação sensível através da relação em tempo presente entre os jogadores torna-se menos independente da compreensão mais racional e planejada. De qualquer forma, esses dois momentos permitem aprofundar a compreensão da maneira como o simbolismo da física mapeia e representa a realidade sensível, ao mesmo tempo em que apresentam o desafio posto pelo sistema de jogos teatrais.

Embora todos os jogos propostos permitam, devido à relação de troca e de diálogo envol- vidas, uma reflexão a respeito da atuação docente, podemos citar, como exemplo de jogos que problematizem mais explicitamente a questão da docência, a constituição de debates em que os grupos devem defender teses associadas à forma plana da Terra ou à sua forma esférica; em que os grupos devem defender a mobilidade da Terra, ou o seu repouso. O “público”, nesse caso, é constituído na forma de um “juri” e intervém mais diretamente no jogo, formulando perguntas e, ao final, emitindo o seu parecer a respeito da disputa.

Embora haja algumas variantes que serão discutidas posteriormente, podemos dizer que, nesses jogos, o foco associa-se a um estado de convicção: tornar “real” a convicção, de acordo com o grupo a que você pertence, na estaticidade da Terra, em seu movimento ou ainda, se você faz parte de um grupo de “jurados”, tornar “real” o estado de dúvida, de suspensão, de convicção não formada. As ações se traduzem principalmente na forma de argumentos e a sensibilidade volta-se principalmente para a estrutura de fatos empíricos, pressupostos teóricos, demonstra- ções envolvida em uma argumentação científica, seja ela a própria argumentação do jogador, a de seus “aliados” ou a de seus “adversários”. Nem por isso, o jogo deixa, entretanto, de ter uma dimensão física, corpórea bastante ressaltada e o argumento não deixa de se configurar como um gesto e uma ação. A qualidade do jogo torna-se maior conforme os jogadores conseguem escutar o conjunto de jogadores e perceber os rumos inesperados que a argumentação segue, ao invés de permanecerem rigidamente vinculados à argumentação previamente preparada.

O exercício de se colocar em situação de acreditar em e construir argumentos em defesa de uma doutrina na qual não se acredita de fato, assim como de encontrar argumentos contrários a uma doutrina que se crê verdadeira é bastante relevante tanto por estimular uma percepção mais crítica a respeito dos fundamentos de nossas convicções como pelo desenvolvimento da capaci- dade de observar com um certo distanciamento a articulação de nossas ideias, assim, como as de nossos “oponentes”. Quando há verdadeiro envolvimento com este jogo, a avaliação posterior acaba abarcando o desenvolvimento de uma reflexão epistemológica que, embora não apresente o nível de sofisticação que apenas o exercício da leitura crítica de epistemólogos poderia pro- piciar, por outro lado dá mostras de uma carga de revisão crítica das próprias convicções e da