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2 Educação como arte

2.5 Admiração e Envolvimento

2.5.2 O estranhamento brechtiano

“Estranhar um processo ou caráter significa inicialmente retirar desse processo ou caráter aquilo que é evidente, conhecido, manifesto, e provocar espanto e

curiosidade diante dele. (...) Estranhar significa, pois, historicizar, representar processos e pessoas como históricos, portanto transitórios” (BRECHT, apud KOUDELA, 1991, p. 106-107).

A peça “Mãe Coragem e seus filhos” (escrita em 1939) de Bertolt Brecht se passa no con- texto histórico da Guerra dos Trinta anos, de 1618 a 1648. A personagem Mãe Coragem é uma vivandeira, uma comerciante que perambula, com sua carroça, pelas cidades, encontrando suas oportunidades de comércio devido à situação de guerra:

“Sargento – Mãe Coragem? Eu nunca ouvi falar. Por que esse nome?

Mãe Coragem – Me chamam de Coragem, Sargento, porque uma vez, para

escapar da falência, eu atravessei o fogo da artilharia de Rica, com cinquenta pães na carroça; eles já estavam dando bolor, não havia tempo a perder, e eu não tinha outro jeito.

(...)

Sargento –Você é de Bamberg, e está na Baviera: como foi que chegou até

aqui?

Mãe Coragem –Eu não podia ficar esperando a guerra ter a gentileza de ir até

Bamberg. (...) E agora, meus senhores oficiais, não precisam de uma pistola ou de uma fivela nova? Sargento, a sua já está pedindo reforma!” (BRECHT, 1991b, p. 177-180).

Mãe Coragem perde, ao longo da história, todos seus filhos, um a um. Na cena 3, Mãe Coragem é aprisionada com parte de um regimento finlandês. Rapidamente “convertida” ao catolicismo, ela consegue manter seus negócios junto à tropa inimiga:

“Mãe Coragem – (...) Agora eu vou ali, com o Capelão, comprar uma ban- deira dos católicos e carne: ninguém escolhe uma carne melhor que ele com todo aquele jeito de sonâmbulo. Acho que ele escolhe os pedaços bons, con- forme a boca vai ficando cheia d’água. Ainda bem que me dão licença para continuar o meu negócio: a um comerciante não se pergunta a crença religiosa, só se pergunta o preço. E as calças protestantes vestem tão bem como qualquer outra” (BRECHT, 1991b, p. 205).

Seu filho, Queijinho, entretanto é pego com o cofre do regimento finlandês, por cuja guarda ele havia ficado responsável. Mãe Coragem, por um lado finge não conhecê-lo, para evitar ser incriminada também, e, por outro, procura negociar um suborno para “provar” a inocência de seu filho:

“Mãe Coragem –(...) Acho que vão soltar o meu Queijinho: graças a Deus

que eles são tão venais! Não são lobos da estepe: são homens que dão valor ao dinheiro! A corrupção dos homens é como a misericórdia de Deus: a única coisa com que podemos contar. Enquanto ela existir, as sentenças serão bene- volentes e uma pessoa inocente ainda poderá ter esperança de se livrar de uma condenação” (BRECHT, 1991b, p. 214).

Figura 2.11: A atriz Helene Weigel, na peça Mãe Coragem, em um grito mudo.

Para conseguir o dinheiro do suborno Mãe Coragem precisa empenhar sua carroça. Preocu- pada com sua sobrevivência posterior, procura ao menos guardar parte do dinheiro do empenho para si, negociando o valor do suborno. Esse tempo de negociação, entretanto, é fatal e, quando Mãe Coragem aceita por fim dar todo o dinheiro que possuía para o suborno, já é tarde e o filho é morto com onze tiros. Na montagem desta peça, realizada em 1949 por Brecht, a atriz Helene Weigel, que representa o papel de Mãe Coragem, ao saber da morte do filho, solta um grito terrível, visceral, mas ... sem som, mudo (TYNAN, 2004, p. 132). A situação terrível retratada seria, talvez, o ápice de envolvimento do público com a dor da personagem, provocando a ma- nifestação de intensas emoções, não fosse pela ausência de som no grito da personagem. Essa ausência de som provoca um “estranhamento”, torna não-natural a natural reação de uma mãe ao saber da morte do filho, lembrando ao público que se tratava ali de uma representação e não

da realidade.

Desconfiados da versão de que Mãe Coragem não conhecia Queijinho, os soldados levam o corpo do filho para mostrá-lo à mãe e ver sua reação:

“Sargento –É um elemento de quem nem o nome sabemos. Mas é preciso

ficar registrado, para que tudo continue em ordem. Ele uma vez fez uma re- feição aqui, com a senhora. Dê uma olhada, para ver se o reconhece! Retira o

lençol. Sabe quem é? Mãe Coragem nega com sinal de cabeça. Nunca o viu,

antes de ele vir comer aqui? Mãe Coragem abana a cabeça, negativamente. Podem levá-lo. Joguem na vala comum: não há ninguém que saiba quem ele é” (BRECHT, 1991b, p. 217).

A atuação da atriz mostra, ao mesmo tempo, e de forma contraditória, a atitude da persona- gem de auto-controle e a expressão de seu sofrimento, sem, entretanto, identificar-se com suas emoções:

“Ela caminha até a maca com um sorriso fingido e congelado que não sai de seu rosto até examinar o cadáver, sacudir a cabeça e retornar a seu assento, do outro lado do palco. Então volta-se para a plateia e vemos por um instante a face de pedra de dor absoluta” (TYNAN, 2004, p. 132).

A imagem do grito de dor da mãe, visceral, mas sem som torna inverossímil a situação e induz, por isso, a constituição de um juízo crítico. Talvez o silêncio da atriz que representa a personagem esteja a mostrar, nesse momento, a sua observação silenciosa e reflexiva sobre a personagem que representa. Não há fusão nem entre as emoções da artista e da personagem, nem entre as emoções do público e da personagem. É possível observar a situação, mesmo sendo ela tão extrema, a uma certa distância. Da mesma forma, as associações, no texto, entre a guerra e a prosperidade no comércio, entre a coragem e a venda de 50 pães que já estavam dando bolor, entre guerra e gentileza, entre a bandeira católica e a compra de carne e entre a corrupção, a misericórdia de Deus e a possibilidade de justiça, provocam surpresa, invertendo as expectativas “naturais” e nos fazendo pensar mais sobre as razões de ser e as motivações envolvidas em cada ação. Desnaturalizando o que parece natural, a cena faz com que ao mesmo tempo entendamos e não entendamos o que está acontecendo e, por isso, nos interroguemos.

Outra característica relevante dessa operação de estranhamento é a explicitação de que há um ponto de vista a partir do qual se representa qualquer situação. É evidente, em cada diálogo do texto teatral, que há o ponto de vista do autor a motivar sua construção. O autor não procura disfarçar ou encobrir a existência desse ponto de vista, mas o explicita. Da mesma forma, é evidente que a atriz, ao contrapor a expressão de um riso congelado a outra de dor absoluta, não pretende ser realista, mas demarcar os gestos que tornam significativa a situação, expondo assim o seu ponto de vista sobre a ação. Há uma escolha entre gestos significativos, que são realçados, e gestos não-significativos, que podem ser eliminados da representação.

Brecht argumenta que esse tipo de escolha, através da qual se expressa um ponto de vista, está presente nas mais diversas reproduções que fazemos daquilo que observamos, como, por exemplo, quando alguém vê um acidente na rua. A testemunha do acidente quer mostrar como se deu o acidente e, para isso, ela pode mostrar as atitudes e os gestos do acidentado, mas não pretende, por isso fundir sua personalidade à do acidentado, nem tampouco reproduz “todas” as suas atitudes, mas apenas aquelas que considera relevantes para compreender o incidente. Se se torna relevante, para a compreensão, saber se a vítima pôs na rua primeiro o pé direito ou o esquerdo, então a testemunha representará este aspecto da situação com maior ênfase, em câmera lenta, e esta atitude produz um efeito de distanciamento:

“Uma disputa como esta, sobre se o pé que o narrador assentou efetivamente primeiro na rua, ao fazer sua descrição, foi o direito ou o esquerdo, e, sobre- tudo, sobre qual foi o procedimento do acidentado, pode modificar a descrição

de tal forma que surja o efeito de distanciamento. Desde o momento que o narrador passe a reparar escrupulosamente na sua movimentação e a efetuá-la cuidadosa e verossimilmente retardada, obterá o efeito de distanciamento, ou seja, distanciará esse pequeno acontecimento parcial, realçando-lhe a impor- tância, tornando-o notório” (BRECHT, 1978b, p. 74).

Em analogia com o pensamento de Paulo Freire que comentamos há pouco, podemos afir- mar que o distanciamento provoca um estranhamento com relação à realidade espessa de acon- tecimentos que envolve o sujeito na ação. Permite um olhar admirado sobre esses acontecimen- tos, uma emersão que permite a inserção crítica do sujeito em uma realidade cuja estrutura ele passa a reconhecer em seu processo histórico e que, por isso, deixa de ser considerada natural. A representação de uma ação associa-se, dessa forma, a um esforço de compreensão de suas razões de ser.

Brecht propõe uma série de procedimentos que podem ser utilizados para produzir efeitos

de estranhamento. Koudela (1991, p. 113-5) discute alguns deles:

• o desenvolvimento de uma relação direta e livre do ator com o público, quebrando a

quarta-parede que isolaria a cena fictícia da plateia;

• a apresentação das falas e ações da personagem como se fossem uma citação, de forma que o ator se coloca como que ao lado da personagem (como ocorre com o grito mudo de Mãe Coragem); para isso, pode-se por exemplo realizar a transposição do discurso para a terceira pessoa, para o tempo passado ou pode-se verbalizar as rubricas e comentários do texto;

• a fixação do não/porém, através da qual se mostra, contido em cada ação, aquilo que não se fez, enfatizando assim cada gesto e cada frase como uma decisão e não como uma atitude natural;

• a realização de cenas de julgamento, explicitando assim a contradição entre as razões envolvidas;

• a utilização de canções não para repercutir a ação, mas como um discurso independente, que pode contradizer ou comentar a ação;

• a troca de papéis, através da qual distintos atores, inclusive de sexos diferentes, realizam o mesmo papel, desenvolvendo assim “a capacidade de estar ao mesmo tempo dentro e fora do papel e ser, portanto, capaz de ‘apontar’ para o papel representado”.

Não se trata, neste trabalho, de procurar aplicar de maneira sistemática um ou outro proce- dimento de estranhamento, mas de reconhecer como e em que medida certas proposições di- alógicas, certos jogos teatrais acabam produzindo efeitos que podem ser associados à noção de estranhamento. Afinal, o estranhamento não deve ser “estranho” nem ao desenvolvimento histórico da ciência nem ao trabalho pedagógico. Ao propor um momento de pausa, para ver melhor o que parece óbvio, identificando suas contradições internas, o estranhamento é um elemento fundamental para o desenvolvimento do pensamento crítico. É significativo que o personagem Galileu Galilei de Brecht proponha-se a ensinar Andrea, o filho de sua empregada, a simplesmente ver:

“Andrea – Mas eu vejo que o Sol de noite não está onde estava de manhã. Quer dizer que ele não pode estar parado! Nunca e jamais.

Galileu –Você vê! O que é que você vê? Você não vê nada! Você arregala os

olhos, e arregalar os olhos não é ver” (BRECHT, 1991a, p. 59).

A relação com um texto teatral ou o esforço de construção de personagens não foram focos de preocupação deste trabalho. Dessa forma, as peças de aprendizagem12 de Brecht não repre-

sentaram um modelo que nos orientou. O sistema de jogos teatrais de Viola Spolin, que orientou muitas de minhas proposições, compartilha, entretanto, com as peças de aprendizagem, a meto- dologia de permitir que todos joguem, observem e avaliem o processo, não dissociando portanto a ação e a observação, e de pretender transformar essa experiência vivida em uma aprendiza- gem. Além disso, creio que a noção brechtiana de estranhamento está de alguma forma presente, em três momentos distintos, nas atividades e jogos que propus. O primeiro momento refere-se ao estranhamento do próprio espaço escolar e das relações que nele se estabelecem; o segundo refere-se ao estranhamento da relação entre proposições científicas, seu fundamento empírico e o contexto histórico-social de sua produção; o terceiro, por fim, refere-se ao estranhamento que a ciência estabelece com relação à linguagem e à percepção comum, cotidiana.

O estranhamento do espaço escolar se deu através do esforço de sua observação,

associada às atividades de estágio vinculadas à disciplina Oficina de Projetos de Ensino. Como tornar a observação de um espaço tão conhecido uma experiência de descoberta? São tantos os preconceitos que envolvem a escola, que uma observação não orientada por um foco redunda em relatos muito uniformes que reconhecem, na escola, apenas o espaço da sala de aula e vêm, neste espaço, apenas alunos (quase sempre) “mal” comportados ou (muito raramente) “bem” 12Cabe esclarecer também que as duas peças de Brecht a que fiz referência acima – Mãe Coragem e Vida

de Galileu – não correspondem à sua fase de trabalho com as peças de aprendizagem, mas sim à produção das

chamadas “peças épicas de espetáculo”, que não são elaboradas objetivando a fruição, a reflexão e a aprendizagem dos próprios grupos que a representam, mas são pensadas para o tipo de relação mais comum de apresentação em que público e artistas são claramente distinguidos.

comportados (quer dizer, silenciosos) e um professor (quase sempre) “desmotivado” ou (muito raramente) “dedicado” (quer dizer, que “dá” muito conteúdo na lousa).

Na busca de estranhar essa percepção enrijecida do espaço escolar, demandei que a obser- vação tivesse como foco o cruzamento entre a estruturação física do espaço e sua ocupação

humana. Era necessário observar e registrar todas as observações em um relatório minucioso

que abordasse o que se percebeu em diversos níveis: desde a inserção da escola no entorno imediato do bairro, as regiões de fronteira entre a escola e o entorno tais como as portas que permitem e / ou impedem a entrada e saída, até os diversos ambientes escolares, que incluem, mas não se restringem à sala de aula. O foco de observação associado ao cruzamento entre es- paço físico e relações humanas torna-se particularmente relevante com relação à observação da sala de aula: toda observação precisava ser traduzida em sua dimensão física, espacial e gestual; não se trata de afirmar se os alunos são interessados ou não, mas em observar a forma de sua presença física no espaço. Deter a observação nesse nível mais “externo”, impedindo a inferên- cia automática a respeito do estado de espírito “interior” de professores e alunos observados associa-se ao combate a uma psicologização da observação e à possibilidade de construção daquilo que Brecht chama de gestus social:

“Um gestus designa as relações dos homens entre si. A esfera das atitudes que as figuras (personagem) assumem uma diante das outras, denominamos esfera gestual. Atitude corporal, tom de voz e expressão facial são determinados por um gestus social: as figuras insultam-se umas as outras, fazem elogios, ensinam umas às outras e assim por diante” (BRECHT, apud KOUDELA, 1991, p. 102).

A resistência ao foco proposto (ou a sua incompreensão) se manifestou de múltiplas formas. A maior dificuldade foi aceitar que se tratava de realizar observações individuais e específicas e não de chegar a conclusões gerais e abstratas. Mesmo após o esclarecimento deste foco, a existência de diversos relatos que indicavam, por exemplo, “que todas as aulas observadas foram iguais”, diferindo eventualmente apenas no que diz respeito ao “conteúdo apresentado”, mostra a dificuldade de aceitação da proposição realizada. Da mesma forma, também foi bastante frequente a dificuldade em aceitar o foco de observar outros espaços da escola, além da sala de aula.

Com o intuito de enfatizar o caráter sensível da observação solicitada, propus uma série de exercícios tais como: aquele descrito na seção 2.3 na página 62, em que se propunha caminhar pela escola de olhos vendados (ver também quadro 2 na página 178); outros jogos de aque- cimento em que há alternância entre deslocamentos pelo espaço de olhos abertos e de olhos fechados e em que se deve descrever, de olhos fechados, detalhes do espaço que se observou no momento em que se estava de olhos abertos; ou ainda, exercícios de auto-observação, em

que se deve descrever a própria organização espacial da sala de aula em que estamos (pensando no cruzamento entre espaço físico e relações humanas), no exato momento em que estamos discutindo o assunto.

Para problematizar a dimensão do gestus social e dos múltiplos pontos de vista que são pos- síveis sobre uma mesma situação, propus um exercício similar ao trabalho com Teatro-Imagem, concebido por Augusto Boal (1975). Neste exercício, um grupo de jogadores deve representar, com o próprio corpo, uma imagem congelada que represente alguma situação observada no tra- balho de estágio e que envolva algum tipo de conflito social. Os jogadores que construíram a imagem permanecem como estátuas, congelados na imagem proposta; aos jogadores que estão observando a imagem, propõe-se que identifiquem qual o ponto de vista sobre a situação que está sendo representado e que procurem modificar esse ponto de vista, passando a representar um outro ponto de vista social para a mesma situação (ver quadro 6 na página 184). Para isso, os jogadores não devem falar o que deve ser feito, mas, com as próprias mãos, modificar os gestos dos jogadores que estão congelados na imagem, como quem molda uma estátua. De maneira si- milar ao que ocorre na discussão que Brecht realiza a respeito da representação de um acidente na rua, há uma escolha daqueles gestos que são significativos, de acordo com um determinado ponto de vista. A modificação de pequenos detalhes gestuais pode modificar drasticamente o sentido da situação, modificando assim o ponto de vista da representação.

O segundo momento em que identifico efeitos de estranhamento nas atividades desen-

volvidas refere-se à realização de debates a respeito dos sistemas geocêntrico e heliocêntrico e a respeito da esfericidade da Terra. Já fizemos referência a esses debates na seção 2.4.1 na página 75 (ver também os quadros 8 na página 196 e 18 na página 272). Essas cenas de jul- gamento que criamos são capazes de produzir estranhamento porque, frente à necessidade de expor suas razões, os jogadores estranham suas próprias convicções, percebem eventualmente que não sabem expor porque pensam como pensam. Podemos identificar essa percepção por exemplo neste relato de um estudante:

“É interessante essas discussões, (...) como ‘O Sol está no centro do sistema’ ou ‘A Terra é redonda’, pois no meu caso essas ideias simplesmente e sem nenhum esforço, foram colocadas por outros em meu cotidiano e aceitei tran- quilamente. Dando aula para as turmas do ensino médio pude perceber que é muito mais fácil eles aceitarem que o tempo sofre alteração e que um gêmeo fica mais velho que o outro, do que nós que estudamos e não que seja difícil mas temos que analisar de uma outra forma, sendo que eles estão prontos para receber o conhecimento transmitido pelo professor”.

(Relato de estudante, publicado no blog da disciplina Oficina de Projetos de Ensino).

A atitude de apego a falsas razões também é frequentemente exposta nestes jogos. Por exemplo, frente à necessidade de compreender o fenômeno das estações do ano de acordo com o sistema geocêntrico, os jogadores se dão conta de que também não o compreendem no con- texto do sistema heliocêntrico. A fragilidade dos argumentos apresentados (como por exemplo aqueles que associam o verão ao momento em que a Terra está mais próxima do Sol, ou os que afirmam que o “eixo da Terra” é “torto” e, por isso, ora o hemisfério norte, ora o hemisfério sul estão mais próximos do Sol) revela-se no debate, mas os jogadores resistem a reconhecer os problemas que não conseguem explicar. O estranhamento com relação a esse tipo de apego é testemunhado no seguinte relato:

“Depois que aprendemos alguma coisa, se torna complicado aceitar uma nova ideia. Pudemos sentir isso na aula em que fizemos a discussão da Terra pa- rada ou em movimento, onde falamos sobre as estações do ano. Estamos tão adaptados a achar que sabemos algo que, quando paramos para analisar efeti- vamente algum assunto, muitas vezes ficamos confusos, ou não conseguimos aceitar uma ideia simples proposta, pois não conseguimos nos desprender da ideia original”.

(Relato de estudante, publicado no blog da disciplina Oficina de Projetos de Ensino).

Essas cenas de julgamento invariavelmente suscitam o debate a respeito de tipos de argu- mentos que são ou não válidos de utilizar. É válido invocar uma foto da Terra feita por satélite para defender seu caráter esférico? Ou a referir-se ao modelo do big bang para defender que ela se mova? Muitas vezes, a utilização de argumentação baseada em fatos ou modelos ana- crônicos acaba tendo um impacto no debate muito menor do que se imaginava, uma vez que os jogadores também não sabem construir argumentos que garantam a credibilidade desses fatos e modelos, revelando-se assim, novamente, a dificuldade em fundamentar as próprias convic- ções. Por outro lado, construções racionais “antigas”, “superadas” adquirem às vezes uma força