• Nenhum resultado encontrado

Jogos explorando a observação das relações espaciais em sala de aula

4 Em busca de uma experiência estética do espaço e tempo físicos

4.1 Espaço vivencial X Espaço isotrópico

4.1.2 Jogos explorando a observação das relações espaciais em sala de aula

O desenvolvimento do pensamento a propósito de sentidos associados a diferentes organi- zações do corpo no espaço em sala de aula foi realizado também por meio da reflexão a respeito da experiência de estágio dos estudantes, como já comentei na seção 2.5.2 na página 88. Farei referência mais explícita aqui a dois jogos que se relacionam mais diretamente, na metáfora de Ira Shor, à reflexão a respeito de uma “dramaturgia” das relações autoritárias em sala de aula.

O primeiro jogo (quadro 5) corresponde, na verdade, a uma forma de preparação e aque- cimento para o segundo. Ao experimentar moldar com as próprias mão o corpo do colega, o jogador-“escultor” exercita dar forma – através da expressão corporal que produz no jogador- “escultura” – a uma situação que imagine, que pode incluir as sensações que essa situação provoca na “escultura” e o comentário que o “escultor” teria a fazer a seu propósito. Por outro lado, o jogador-“escultura” exercita disponibilizar o seu corpo para que o “escultor” o molde, procurando perceber, sem palavras, apenas pelo direcionamento que o “escultor” dá a seu corpo, a forma que seu corpo deve adquirir. A sempre divertida “exposição” posterior das “esculturas” produzidas possibilita a todos exercitar a “leitura” das situações que são comunicadas através da expressão corporal dos jogadores-“escultura”.

Como um desenvolvimento natural, o método de criação de estátuas é então utilizado para a criação, em grupos, de uma imagem associada a uma situação, escolhida pelo grupo, observada durante a experiência de estágio e que indique algum problema que eles gostariam de “deba-

Quadro 5Proposta de jogo: estátua

aquecimento

objetivo: desenvolver a expressão corporal, compreendida como linguagem capaz de comu- nicar situações, pontos de vista, julgamentos, ironias, etc.

orientação: todos organizados aos pares, um parceiro “esculpe” o outro, posicionando cada parte do corpo do parceiro da maneira que deseja, com atenção a todos os detalhes do corpo, incluindo a expressão facial. O “escultor” não deve falar como quer que o outro se posicione, mas moldá-lo diretamente com as mãos.

ter” (quadro 6). Os jogadores que apreciam a situação criada devem, então, modificá-la sem, entretanto, utilizar palavras, mas apenas moldando o corpo dos jogadores-“escultura”, até che- garem a um consenso a respeito de qual seria a “solução” do problema, ou, em uma variante, a respeito de uma modificação de “ponto de vista” que faça com que o “problema” inicialmente apontado já não pareça mais um problema. Cria-se, dessa forma, um ambiente de discussão não-verbal, em que cada opinião diferente se expressa através da organização do corpo dos jogadores-“estátua”.

Gostaria de mencionar dois exemplos de situações propostas pelos estudantes nesse jogo. Em uma delas, o grupo formou uma imagem que continha um estudante sentado com os ou- vidos tampados e com cara de extremo desconforto, um professor e, um pouco mais distante, como que “fora da sala de aula”, um operário com uma britadeira imaginária. Diga-se de passagem que o problema com o barulho provocado por obras realizadas na escola durante o período letivo é uma constante no próprio Instituto Federal. Foi interessante notar que as solu- ções apontadas pelos jogadores envolviam apenas a modificação da postura do professor, que era colocado então conversando com o operário. Apesar de os estudantes – pela sua própria experiência no Instituto – não terem ficado muito convictos de que aquela atitude solucionaria o problema, nenhuma outra solução proposta modificou a atitude do estudante, que permanecia sempre “indefeso” à espera de uma solução.

Na outra situação proposta, o grupo mostrou uma imagem em que o professor parecia um tanto desconsolado, enquanto os estudantes estavam todos mexendo com algum objeto eletrô- nico imaginário em suas mãos. Foi interessante que, quando procuramos – eu e os demais jogadores que observavam a imagem – verbalizar qual era o problema apontado pelo grupo, apontamos a apatia, o desinteresse, mas o grupo não ficava satisfeito, afirmando que era ou- tro o problema que eles procuravam representar. Como não conseguíamos identificar a que eles se referiam, eles acabaram contando-nos que o problema a que eles se referiam era o uso do celular em sala de aula, que era proibido. Assim, a percepção a respeito de qual era o

Quadro 6Proposta de jogo: Imagem – reconstrução.

objetivos: desenvolver a expressão corporal, entendida como uma linguagem que é capaz de comunicar não apenas uma situação, como também o julgamento que dela fazemos, o ponto de vista sobre a situação; refletir sobre problemas vivenciados durante o estágio através dessa linguagem corporal.

orientação: Cada grupo compõe uma “imagem congelada” – formada por seus corpos em “es- tátua” – correspondente a uma situação que tenha sido observada na experiência de estágio e que se associe, do ponto de vista dos jogadores, a algum tipo de problema ou de situação de opressão. Os demais jogadores, que observam a imagem cri- ada pelo grupo, a modificam sem nunca utilizar a fala, mas moldando diretamente os corpos dos jogadores-“estátua”. São duas as possibilidades que experimentei para o objetivo dessas modificações: (a) modificar o ponto de vista sobre a situ-

ação: nesse caso, procura-se reconhecer qual é o ponto de vista que está sendo

representado naquela imagem: do professor, do estudante, do diretor, do pai, do estagiário, etc. Então, modifica-se a imagem para que ela passe a representar um outro ponto de vista para a mesma situação. (b) procurar “solucionar” o pro-

blema apresentado: nesse caso, os observadores da situação modificam a imagem

primeiro procurando representar como seria o “mundo ideal” associado àquela si- tuação. A seguir, eles devem partir novamente da imagem inicial e modificá-la, propondo formas de solução do problema, quer dizer, formas de transição entre a imagem originalmente proposta e o mundo ideal imaginado.

observação: a variante (b) do jogo foi extraída de proposta de Augusto Boal (1975, p.143-7), associada ao trabalho que ele apelida de “teatro-imagem”.

“verdadeiro” problema era claramente distinta entre os participantes. As soluções apontadas, novamente, centraram-se na figura do professor: uma parcela (majoritária) procurava modifi- car a postura do professor, deixando-o mais agressivo ao colocar um aluno para fora, enquanto um outro jogador procurava aproximar mais o professor dos estudantes, buscando, de alguma forma, interessá-los. Os estudantes representados, porém, só mudavam de atitude em função das diferentes atitudes do professor. O apontamento das características aqui mencionadas, entre outras, pareceu-me interessante para, na discussão posterior, refletir a respeito da imagem que cada um de nós fazíamos de cada um dos personagens que participam da vida escolar e, em especial, de professores e alunos.