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4 O FEITO: EM ANÁLISE O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DOS

4.2 O QUE DIZEM OS ALUNOS E OS PROFESSORES?

4.2.2 Sobre a formação omnilateral – trabalho, Ciência, tecnologia, cultura e

4.2.2.4 A dimensão da cidadania

A cidadania deve ser compreendida como a efetiva participação dos indivíduos na sociedade de que fazem parte e relaciona-se com o sentimento de pertencer à sociedade e de poder exercer efetiva e amplamente seus direitos. A formação cidadã é uma forma de transformar a realidade da sociedade em que vivemos, contribuindo para construção de uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna. Dessa forma,

[...] a educação baseada na formação cidadã possui um papel essencial neste cenário: busca a conscientização da pessoa, enquanto sujeito de direito, apoiada nos conhecimentos da ação em favor dos direitos humanos, onde se aprenda a respeitar o ser humano em sua totalidade, em sua liberdade e em sua dignidade, evitando problemas culturais de discriminação, de racismo, de preconceitos, de intolerância e de violência social (SILVA; TAVARES, 2011, p. 5).

Defendemos a formação para cidadania cuja essência consista em priorizar a prática da tolerância, da paz e do respeito ao ser humano. Compreendemos que as mudanças sociais são processos que se interligam com a necessidade de conscientizar cada

indivíduo a reconhecer o outro, enquanto sujeito de direito o qual deve ser respeitado.

A formação cidadã é fundamental no processo de redução das desigualdades sociais, discriminações e preconceitos de diferentes ordens.

1) Nas vozes dos alunos

Com a finalidade de identificarmos de que forma o tema cidadania esteve presente no processo de formação dos alunos os questionamos: Como o Ifes contribuiu para sua formação como cidadão ou como poderia ter contribuído? Apresentamos as informações dadas no gráfico a seguir:

Fonte: Elaborado pela autora (2019)

Apresentamos alguns relatos:

A1: Acho que os eventos do Ifes - semana do seminário de humanidades, JACITEC, as iniciações científicas, e também as diferenças entre as pessoas aqui dentro, você vê pessoas que vieram de escola pública, que vieram de escola particular, de todas as formas, de todos os jeitos, eu acho que contribui muito para formação cidadã [...] algumas disciplinas muito especificas, alguns professores muito específicos, porque a maioria, às vezes, foca na sua matéria, então por exemplo, química, se for entrar na sua aula se for ensinar só química, muitas vezes não vai contribuir com minha formação como cidadã, mas se ele ensinar química aplicando às indústrias próximas, ou no dia a dia, é uma coisa que contribui. Mas é uma coisa que é muito falho, na matéria de humanas contribui mais, pelo foco da matéria.

A21: Sim. Eu era muito imaturo quando eu cheguei aqui e com a convivência com a diversidade que tem aqui no Ifes e com os professores também

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Gráfico 8 - Pergunta 7: Contribuição do Ifes para a formação cidadã

Atráves do convívio escolar com a diversidade

Através de eventos como: Jacitec e Seminário de Humanidades. Assim como as iniciações científicas que abordam os temas sociais

Através das aulas de Sociologia

Através das aulas de História

Através das aulas de Filosofia

Através das aulas de Geografia

dando aula sobre diversidades, falando das minorias, você vai abrindo mais seu horizonte, vai saindo da bolha, vai aprendendo a respeitar, aprendendo a conviver, respeitando as diferenças e tal.

A26: Sim, acredito que sim. Porque a formação de cidadão acho que aqui no Ifes tem os diferenciais, porque aqui a gente teve sempre muitos eventos relacionados, apesar de ser um instituto tecnológico, cientifico a gente sempre abriu oportunidade pra áreas que são voltadas para formar cidadãos, geralmente as áreas de humanas, um evento que eu sempre gostei muito, que esse ano infelizmente não teve foi o seminário de humanidades.

A27: Eu acho que contribui, eu aprendi muito no Ifes, a gente tem muita palestra sobre temas sociais, e conversa muito sobre isso na sala de aula sabe, às vezes são até temas polêmicos e a gente traz pra sala de aula. [...]

olhando pra trás, eu acho que sou uma pessoa muito mais consciente em vários aspectos do que de quando eu entrei, acho que tenho muito mais conhecimento pra falar de coisas que antes eu não tinha. [...] Às vezes a gente pensa em coisas que a gente pensava e falava no primeiro ano que a gente acha um absurdo. Opiniões sobre coisas sociais, assim, e também ambientais, às vezes quando a gente pensa em consumo, quando a gente pensa em economia, é, quando a gente pensa em fome, feminismo, sabe, todas essas coisas, que às vezes a gente tem uma opinião, mas as vezes era uma opinião um pouco banal, eu acho que talvez a construção da cidadania vem muito da questão de que sempre existe diálogo, pelo menos na minha turma, sempre existiu debate em relação a isso, então eu acho que essa construção veio um pouco em relação a isso.

Identificamos, nos relatos dos alunos, que o aprender a respeitar as diferenças, sem discriminação e preconceito, constitui-se um processo para construção da cidadania.

Constatamos também a forma como os alunos demonstram a visão da formação cidadã enquanto possibilidade de intervenção nas questões sociais.

Para eles, a contribuição da escola na ampliação de visão de mundo e no exercício da cidadania se deu por meio das aulas das disciplinas de história, em virtude dos eventos, palestras e iniciação científica que abordam os temas sociais.

Podemos observar que a formação cidadã, na visão dos alunos, é construída a partir da convivência com a diversidade, a qual, no Ifes é apurada pelo convívio com a pluralidade do público que tem acesso à instituição. A democratização do acesso permitiu que alunos de realidades sociais diversas, uns com melhores condições sociais e econômicas do que outros, pudessem compartilhar o mesmo espaço.

A convivência no ambiente escolar com as diferentes culturas, realidades de vida, idades, visões de mundo pode proporcionar importantes aprendizados, como o

respeito à diferença diante da diversidade cultural e a experiência da cidadania, conforme destacado pelos próprios alunos. Contudo, pode também ocorrer a prática da exclusão e do preconceito. E para a prática da cidadania, constitui-se importante a identificação de processos excludentes para que sejam realizadas abordagens, discussões e debates na ordem inversa, ou seja, favorecendo o processo de inclusão de todos. A educação pode contribuir para que “[...] se forme a consciência sobre o papel do cidadão, sua função dentro da sociedade e como suas contribuições são significantes para a vida dessa sociedade” (ASSIS; LIMA, 2011, p. 1317). O fato é que a independência de uma sociedade depende diretamente da consciência do cidadão sobre a relevância do papel que tem a desempenhar.

2) Nas vozes dos professores

Questionamos aos professores: Como você compreende cidadania? De alguma forma o tema foi abordado nas suas aulas? Se sim, como?

Os professores entrevistados demonstram nos seus relatos compreender a cidadania como vivência na coletividade com os seus direitos e deveres, respeito ao próximo, pertencimento e inserção na sociedade. Dos 10 (dez) entrevistados, 4 (quatro) informaram que o tema é abordado nas suas aulas, 6 (seis) informaram que abordam informalmente, pois não é conteúdo da disciplina.

Destacamos alguns trechos das entrevistas de modo a ilustrar a constatação que acabamos de destacar:

P1: Apesar de não ser um tema que eu deveria trabalhar na disciplina eu acabo trabalhando, porque como eu não abro mão de trabalhar com ética eu acabo entrando na questão de cidadania, em respeito ao próximo, inclusive na disciplina de relações humanas no trabalho eu vou mais a fundo na questão de cidadania porque ai eu vou falar da cidadania, do respeito e principalmente do trabalho em grupo, do ambiente de trabalho, então eu acabo entrando nessa questão de ética e cidadania.

P4:Eu entendo a cidadania como quem a gente é na sociedade, tento sempre colocar isso. É até um princípio filosófico - quem eu sou? Tento me perguntar isso o tempo inteiro e fazer essas provocações pra eles. É se perguntar quem eu sou e como eu me relaciono com os outros, acho isso muito importante. A gente vive aqui no Ifes vários problemas nesse sentido, de relacionamento, de problemas envolvendo, realmente, relação entre as pessoas, então eu tento me questionar sempre nesse sentido, porque o que eu faço impacta no outro o tempo inteiro. [...] Eu tento colocar isso pra eles mas não de maneira formal como disciplina, tenho mais como uma conversa, na relação, eu

acho que cidadania envolve muito o impacto das nossas ações pro outro. [...] Entendo que posso ter um domínio técnico maravilhoso, ou a corrupção que vem no Brasil vem de pessoas que não sabem, óbvio que elas sabem, elas tem o domínio técnico, mas acabam no ponto de vista moral se corrompendo, então, do ponto de vista moral, eu entendo essa relação de uma pessoa com a outra e da responsabilidade que você tem nessa relação.

P5: Eu acho que a cidadania passa pela questão do aluno entender mesmo as diferenças. Eu acho que acaba surgindo, assim, na conversa, mas te confesso que não é o ponto principal da disciplina.

P6: Se a gente fala da participação cidadã a gente fala do cidadão, que é aquele sujeito de direitos e de deveres que tem que agir politicamente, se posicionar politicamente, e não politicamente só no sentido do voto, mas politicamente no sentido da sociedade que ele está construindo, ou na sociedade que ele está vivendo. A gente sempre trabalha nas aulas, trabalha de uma forma bem detalhada, falando das questões de direitos humanos, das questões de cidadania, falando de política.

P7:Eu compreendo cidadania como apropriação do ser, do estar [...] quando digo pra eles assim: nossa escola não tem sinal, e todos vem pra sala de aula no momento certo - é pontualidade, é responsabilidade, é cidadania. Então pra mim cidadania é você ter consciência dos seus direitos dos seus deveres.

Como isso vem na minha aula? Por exemplo, quando eu vou trabalhar com romantismo, sobre a construção na identidade de nacionalismo, que a gente faz resgate do hino nacional, das poesias dessa época, a gente está trabalhando com esse conceito de nacionalismo, de cidadania, de você se apropriar dos símbolos, desse conhecimento. É também esse menino que chega na hora certa, esse menino que você faz uma campanha e ele colabora, esse menino que se voluntaria pra qualquer coisa que a gente faz aqui, pra mim você está falando de cidadão, porque os alunos aqui eles fazem coisas além do que deveria fazer, sem saber se isso vale nota ou não, então pra mim isso é cidadania, é quando você faz independentemente do que você vai ganhar, mas você leva isso pra sociedade, quantos voluntários, quantas coisas podem ser feitas independente do que você ganha e esse ganhar a gente está falando de dinheiro ou nota.

Evidenciamos, através dos relatos, que o processo de comunicação e interação entre os alunos e entre os alunos e professores contribui para a construção de uma perspectiva autônoma em relação a um agir respeitoso, colaborativo e solidário, além de proporcionar reflexões sobre a realidade social, o que implica a formação do sujeito enquanto cidadão.

Consideramos que a escola, através das dimensões estruturantes do currículo, proporciona aos alunos condições para exercer sua cidadania. Por meio do conhecimento científico-tecnológico, cultural e da participação, da solidariedade e colaboração com a escola e com o outro, como citou o professor 7, as ações docentes proporcionam aos alunos a prática da responsabilidade social e política.

Cabe ressaltar mais uma vez, que é necessário o conhecimento dos professores em relação às dimensões estruturantes do currículo. Os professores das áreas técnicas têm a compreensão da dimensão como conteúdo pertencente às disciplinas de humanas, razão pela qual apontam como não sendo intencional, a abordagem do tema em suas aulas. Essa visão conceitual, fragmentada, vai de encontro com a proposta de um currículo integrado.

Identificamos a importância que ganham os espaços para debates de temas sociais, como exemplo a Jacitec e o Seminário de Humanidades, citado por alguns alunos como eventos importantes para construção da cidadania, a qual não é um tema isolado, mas vincula-se a uma conjuntura social.

Considerações em relação às aproximações e distanciamentos nas vozes dos alunos e dos professores:

No contexto de análise das dimensões estruturantes do trabalho, da ciência, da tecnologia, da cultura e da cidadania e sua presença no processo de formação dos alunos, podemos inferir que elas permeiam o ambiente escolar e têm sido discutidas com os alunos. Contudo, a integração dessas dimensões, que caracterizaria uma formação omnilateral através da superação da dicotomia entre formação geral e formação técnica, ainda precisa ser estruturada no ambiente escolar.

Superar essa dualidade significa superar a fragmentação do próprio ser humano.

Acerca da temática, Ciavatta (2012, p. 85) ressalta que “[...] a ideia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar”. Para isso, também, devemos superar a dicotomia teoria e prática que, ao subordinar um elemento a outro, distancia os conhecimentos da sua aplicação. Isso implica pensar a organização do currículo, o que não significa, apenas, distribuir disciplinas técnicas e propedêuticas na mesma matriz curricular, mas considerá-las e organizá-las sob a perspectiva de uma unidade indissolúvel.

Aproximam-se as vozes dos alunos e professores ao demonstrarem que não houve, durante o curso, relações entre as disciplinas para dialogar sobre as dimensões do currículo, de forma a promover um conhecimento mais amplo sobre a realidade.

Identificamos um distanciamento entre os relatos, quando abordamos as dimensões da ciência e da tecnologia, uma vez que os alunos entrevistados citaram apenas 4 (quatro) disciplinas em que foi possível verificar relação entre a ciência e a tecnologia, ainda que essa relação tenha se estabelecido exclusivamente entre a ciência – no sentido do saber teórico/técnico e a tecnologia – quanto a aplicação desse saber teórico/técnico resumido em saber fazer/executar. E os 10 (dez) professores entrevistados relataram buscar relacionar ciência/tecnologia, teoria/prática. Isso significa que os professores fazem mais ou menos o que pensam ser uma relação e os alunos, em alguns momentos e em algumas disciplinas, conseguem percebê-las e em outras, não.

Defendemos ser necessário que os professores conheçam as dimensões estruturantes do currículo, bem como tenham clareza de que, enquanto dimensões, devem ser abordadas por todos, independentemente da disciplina que lecionam. Em nenhuma das respostas, os docentes, quando questionados sobre as temáticas, mencionaram a palavra dimensão. Alguns professores da área técnica justificaram, por exemplo, uma não intencionalidade em abordar cultura e cidadania, apontando ser este um conteúdo das disciplinas de humanas. Essa visão conceitual fragmentada não coaduna com a proposta de um currículo integrado.