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4 O FEITO: EM ANÁLISE O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DOS

4.2 O QUE DIZEM OS ALUNOS E OS PROFESSORES?

4.2.2 Sobre a formação omnilateral – trabalho, Ciência, tecnologia, cultura e

4.2.2.2 As dimensões da ciência e da tecnologia

De acordo com a base legal utilizada nesse estudo, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional Técnica de Nível Médio – DCNEPTNM (2012), a ciência é o conhecimento sistematizado, capaz de explicar fenômenos naturais e sociais e a tecnologia é a aplicação da ciência na resolução prática dos problemas

através das técnicas. Dessa forma, abordamos essas duas dimensões de forma articulada.

Contudo, buscamos compreender a tecnologia para além da aplicação do conhecimento, para além do saber fazer, conforme destaca Ramos os processos “de trabalho e as tecnologias correspondem a momentos da evolução das forças materiais de produção e podem ser tomados como um ponto de partida histórico e dialético para o processo pedagógico” (RAMOS, 2014, p. 212).

O ponto de partida histórico aponta para a ampliação do conhecimento, evidenciando, juntamente com os conceitos, as razões, os problemas, as necessidades e as dúvidas que constituem o contexto de produção de um conhecimento. E o dialético, por buscar compreender as razões para se estudar um determinado processo produtivo, não exclusivamente pelo seu funcionamento técnico-tecnológico, mas a partir das relações sociais que nele estão envolvidas.

1) Nas vozes dos alunos

Perguntamos aos alunos: nas aulas práticas, você executou procedimentos técnicos (esteve em contato com as tecnologias/técnicas)? Você conseguiu refletir sobre as ciências (os conhecimentos) que estavam relacionados com aquele procedimento?

Você consegue relatar de que forma? Foi possível agrupar as informações em dois grupos conforme demonstramos no gráfico abaixo:

Fonte: Elaborado pela autora (2019)

Entre as respostas dadas pelos alunos, ressaltamos algumas que demonstraram haver a relação estabelecida, as quais passamos a destacar:

A1: (Ao se referir a uma das disciplinas) eu acho que a gente teve muito. A gente tinha a parte teórica e tinha os exercícios. Os exercícios ligavam um pouco, o que seria um dia a dia da empresa. Então a gente conseguia aplicar melhor e entender melhor o que a gente tinha pensado na teoria. Como eu resolvo esse problema? Esse eu vou resolver com essa função, então essa função resolve aqui, então acho que isso teve.

A7: Sim. (Ao se referir a uma das disciplinas) nos três anos tivemos aula prática, no laboratório e também em campo. E em (ao se referir a uma das disciplinas) também por dois anos. Teve uma prática de aferir pressão, que a gente já aprendia a teoria e podíamos fazer. Já aconteceu de explicar a teoria fazendo a prática.

A9: Sim. Porque, por exemplo, no procedimento como teve no primeiro ano (ao se referir a uma das disciplinas), pra você montar, desmontar um computador tem que ter todo um conhecimento, onde colocar uma determinada peça na posição correta, tem quer o conhecimento teórico pra colocar em prática.

A14: No primeiro ano a gente teve aula de (ao se referir a uma das disciplinas), eu gostei porque no curso eu acho que é a parte mais real do técnico. E apesar de ter sido no primeiro ano, é um conhecimento que eu vou levar mais se eu for atuar nessa área. Porque realmente é uma coisa que eu vejo um técnico de informática fazendo. Além do técnico, a gente aprendeu muito também no laboratório de (ao se referir a outras disciplinas) que são coisas também que se eu seguir na área irão me ajudar. Nas aulas de (ao se referir a uma das disciplinas), o que a gente aprendia no livro, a gente às vezes conseguia imaginar, mas não tinha um contato especifico com aquilo e nas aulas práticas, a gente tinha a oportunidade de olhar, analisar, olhar de fato aquilo que era verdade.

17 10

Gráfico 6 - Pergunta 4: Relação entre os procedimentos técnicos com os conhecimentos científicos que os fundamentam

Informaram haver relação

Informaram não haver relação

A17: Sim, eu só consegui pensar em (ao se referir a uma das disciplinas), com você falando, tipo, em (ao se referir a uma das disciplinas) sim, porque o professor propõe várias coisas, desde secar os hibiscos que tem no campus, isso agregou demais. (Ao se referir a uma outra disciplina) é uma matéria técnica que a gente tem no primeiro ano, também muito interessante, que a gente faz as coisas, a parte de você limpar, mexer, configurar. Que fica claro, também, na prática, de como funciona, número binário, ou como funciona transporte de informações.

Na perspectiva de um currículo integrado, a ciência e a tecnologia são compreendidas como base dos processos produtivos, tanto relacionados à técnica quanto ao gerenciamento de ações, sem esquecer das relações sociais. Percebemos nos relatos apresentados que a ciência se articulou à tecnologia exclusivamente por meio do conhecimento técnico para o saber fazer. O que preocupa nos relatos é a evidência, mais uma vez, da separação clara entre os conhecimentos da base comum e os conhecimentos da área técnica.

Importante passarmos em revista alguns relatos de alunos que não observaram nenhuma relação entre a ciência e a tecnologia:

A3:Em alguns momentos ficou um pouco a desejar nessa parte, porque às vezes nós estamos em um lado só, chega às vezes que você só está copiando o código e não está entendendo muito, já aconteceu isso comigo, tô lá copiando e às vezes não parar para ver o que realmente isso se encaixa na prática.

A10: Nem tanto, é mais automático, nem paro para refletir.

A19: Algumas matérias às vezes pareciam não fazer sentido, aí eu aprendia fazer, mas não entendia porque eu estava fazendo aquilo.

A23: Dependia muito do procedimento da execução que a gente ia fazer e de como a gente ia fazer, às vezes era só pra fazer uma coisa e aí era meio automático.

Essas respostas são significativas, uma vez que revelam expressões indicadoras da frequência com que as ações ocorriam “em alguns momentos”; “nem tanto”; “algumas matérias” e “dependia”. Essa constatação é reforçada pelo fato de, nos relatos dos alunos, que apontaram algum tipo de experiência, de um total de 30 (trinta) disciplinas cursadas durante todo o curso, foram citadas apenas 4 (quatro) disciplinas, sendo 2 (duas) da base comum e 2 (duas) da área técnica que promoveram a abordagem da relação entre ciência e tecnologia. O que sinaliza, no total dos alunos entrevistados, poucas experiências, em poucas disciplinas, que permitiram a apropriação da relação

entre a ciência com a tecnologia. E das experiências destacadas, a relação estabelecida esteve exclusivamente no conhecimento para o saber fazer. A necessária articulação entre os conhecimentos científicos e tecnológicos com o contexto social, com vistas a preparar os alunos como cidadãos, com capacidade para julgar e avaliar os impactos da ciência e tecnologia em suas vidas, ficou devedora. Ao se apropriarem dos conhecimentos científicos os alunos poderão argumentar com criticidade e tomarem decisões com autonomia.

Percebemos um distanciamento da formação omnilateral que visa, de acordo com Moura (2010), promover o pensamento crítico para que, daí em diante, os alunos tenham condições de contribuir para a elaboração de novos padrões de produção do conhecimento, de ciência e de tecnologia, cujo foco esteja nos interesses sociais e coletivos.

2) Nas vozes dos professores

Questionamos aos docentes: você ministra aula prática? Se sim, você busca relacionar teoria-prática? Se sim, de que forma você faz? Há prevalência de um sobre o outro?

Em relação aos relatos dos docentes, todos os entrevistados indicaram tentativas de relacionar teoria e prática no âmbito da disciplina. Ressaltamos alguns deles:

P1: Sim, o tempo todo. Quase no final assim, no último bimestre, é um projeto de uma empresa que eles têm que ir construindo, então aula por aula eu explico, ai eles fazem o trabalho em grupo e ao final é como se eles tivessem montado uma empresa, ou como se eles tivessem desenvolvendo um produto, então eles vão escolher se é prestação de serviço ou desenvolvimento do produto.

P2: Sim. Por exemplo: os meninos do 4º ano, eles desenvolvem um projeto de rede, e desenvolver um projeto pra um ambiente é bem complexo, usa várias partes pra você conseguir concluir um projeto de rede e eu trouxe pra eles uma condição que a gente vê no nosso dia a dia. Quando uma empresa ou um órgão pede um serviço de projeto de rede, pra montar uma rede em um lugar e já está pronto aquele lugar, você tem um problema, porque não foi arquitetado para aquilo ali, ele não foi preparado, planejado para aquilo dali. Eu mostrei a própria sala de aula pra eles, que quando foi construído talvez não existia ainda esse recurso, então não foi preparado. Eu mostrei pra eles, para que eles desenvolvessem o projeto deles já com isso tudo embutido pra que não tivesse problema, ah mas não vai usar? Ah mas e se precisar? E se o sinal de internet falhar? E você precisar cabear? Então eu

trago pra eles a situação. Porque essa situação, assim, que eles irão vivenciar, que eles desenvolverão projetos, prepararão os projetos.

P4: Então, é muito difícil assim. Eu sei que é uma discussão eterna, teoria e prática. Conciliar as duas coisas. Eu acho que em termos do desenvolvimento do site, produto dos alunos, por exemplo, contribui muito pra parte prática. O que a gente combinou é dar o conteúdo praticamente todo no primeiro semestre, então os 2 bimestres para o conteúdo, então tem uma parte teórica maior e depois no segundo semestre, a gente vai mais pra parte prática de desenvolvimento do site e pra ideia de negócio.

P5: Então, sim. Aí eu vou usar duas disciplinas que eu consigo trabalhar bem isso (faz referência as disciplinas). O aluno tem que olhar pro mundo real [...] e ai vou dar um exemplo: pode ser um restaurante, pode ser um bar, e aí ele tem que tentar entender quais os dados que são importantes para aquele restaurante, pra biblioteca, ou pra cantina, ou pra qualquer outro local.

P7: Sim. Pra gente, por exemplo, construir esse cartaz da campanha em defesa da mulher, a gente partiu das informações que eles estavam tendo do feminicídio. No ano passado, a gente fez, por exemplo, aquele carrinho de mão com a bandeira LGBT, que tinha umas múmias penduradas. Todas aquelas cruzes, tudo que foi colocado ali foi a partir da realidade. O tema da JACITEC tinha a ver com problema social, então eu perguntei pros alunos o que eles poderiam produzir a partir dos problemas da sociedade e eles foram trazendo e a gente foi colocando isso nessa instalação que foi feita. [...] Eles trouxeram por exemplo o questionamento e críticas da robotização dos alunos na instituição, de como a escola vai moldando você. [...] Geralmente eu trago por exemplo situações das novelas, do que passa na televisão, eu costumo trabalhar muito com o que eles estão assistindo.

P8: Sim. Porque, por exemplo, os temas que eles escolhem para fazer o trabalho final são problemáticas práticas para que eles possam implantar o que estudaram, na teoria e na prática, dentro daquela empresa – seja do pai, do vizinho, ou uma padaria, mas que eles possam utilizar do conhecimento técnico para implantar aquele produto final como de fato um produto que possa, inclusive, ser comercializado.

Identificamos nessas respostas dos professores a busca pela mediação entre o conhecimento científico e a tecnologia. Ressaltamos, contudo, a necessidade de compreender como indissociável o saber teórico, ou seja, a apreensão do fundamento científico sistematizado, e o comprometimento com a ordem prática, tendo em vista convergirem para um objetivo comum: a leitura e transformação do mundo.

A comunicação entre os professores para pensarem coletivamente sobre rumos de práticas interdisciplinares é importante para superação da clara dicotomia percebida nos relatos, assim como para superar a ênfase exclusiva no saber técnico e buscar estabelecer reflexões críticas sobre as relações sociais que permeiam a ciência e a tecnologia (CACHAPUZ et al., 2005). Para promover uma educação profissional, científica e tecnológica que contribua para transformação da sociedade, a relação

entre as disciplinas, através das dimensões, deve constituir o núcleo articulador da formação.

Ressaltamos, também, que sentimos falta de relatos tanto por parte dos alunos quanto dos professores, de experiências relacionadas ao evento Jornada Acadêmica de Ciência e Tecnologia e Cultura – Jacitec, uma vez que se trata de um espaço para dar visibilidade às produções acadêmicas dos alunos, desenvolvidas em integração com ensino, pesquisa e extensão. Apenas 1 (um) professor citou o evento em sua entrevista.

Consideramos a promoção da JACITEC como um importante esforço para o desenvolvimento da articulação entre as disciplinas, tendo em vista que se trata de que, a cada ano, apresenta temáticas amplas que tratam das relações sociais, econômicas, políticas e ambientais, chegando a se aproximar do movimento CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente).