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47tuída por uma imagem definida a priori, a partir das

R. Leogivildo De Carvalho

II. DIMENSÕES DO PATRIMÔNIO CULTURAL

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De acordo com Arendt (1968, p. 266), ao

falarmos de Cultura, o primeiro significado que nos

vem à mente diz respeito à natureza e ao cuidado com os monumentos do passado. Esta constatação da autora reforça o fato de associarmos, comumen- te, a Cultura ao Patrimônio Arquitetônico, marcos

edificados que, ao chegarem aos nossos dias com

suas características estéticas, construtivas e mate- riais, mesmo que minimamente preservadas, deixam de ser apenas uma referência do passado. Esses elementos, que dizem respeito a um momento espe-

cífico da história, passam a ter a qualidade não ape- nas de memória, mas de permanência, marcando de forma singular o tecido urbano com sua insistente presença.

No entanto, ainda que possa ser o Patrimô- nio Arquitetônico a nossa primeira lembrança no que diz respeito à Cultura, a autora (ARENDT, 1968, p. 256) nos lembra que a palavra Cultura13 e seu con- ceito têm origem romana – colere, cultivar, habitar, tomar conta, criar, preservar. Ela diz respeito ao trato do homem com a natureza e à preservação da mes- ma até que se torne adequada à habitação humana. Retomar a origem do termo nos chama a atenção ao fazer cotidiano que envolve a Cultura (habitar, tomar conta). Dessa forma, podemos dizer que ela está vinculada à maneira como comunidades

13. A utilização da palavra Cultura para designar questões ligadas ao espírito e à alma foi empregada primeiramente por Cícero – excolere

animum, cultivar o espírito / cultura animi, espírito cultivado.

e grupos sociais distintos se apropriam dos espaços da cidade, imprimindo ali expressões culturais parti-

culares que levam a transformações na configuração

dos territórios.

Não obstante, este processo de produção

de territorialidades não se dá sem conflito, visto que

o espaço urbano passa, ao longo do tempo, por dife- rentes dinâmicas de uso e ocupação, de acordo com os grupos sociais que dele se apropriam, alterando o

significado a ele atribuído. Essas mudanças ocorrem

devido ao fato do conceito de territorialidade estar atrelado à sociabilidade e ser:

(...) concebido enquanto um processo subjetivo da população de sentir-se parte de um território, pertencente ao lugar. Ou seja, o sentido de pertenci- mento e a questão de identidade ter- ritorial têm relação com a (s) territoria- lidade (s) de cada grupo social. (VAR- GAS, 2008, p. 101)

Haesbaert (2004 apud VARGAS, 2008, p. 101) lembra ainda a diferença existente entre territo- rialidade e território. Enquanto este último está rela- cionado a uma “base material, concreta”, a territoria- lidade faz referência a uma:

(...) dimensão simbólica, o referencial territorial para a construção de um ter- ritório, que não obrigatoriamente exis- te de forma concreta. (VARGAS, 2008, p. 101)

4. Patrimônio Arquitetônico e Imaterial. Atributos Particulares das Áreas

Históricas

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Esta relação entre território e territorialida- de, material e imaterial, nos remete ao conceito de Patrimônio Cultural, uma noção ampliada de Patri- mônio Histórico e Artístico. Segundo Arantes (2008), o Patrimônio Cultural é formado por um conjunto de bens, de natureza tangível ou intangível, que con- tribuem para a formação de identidades e são por-

tadores de valores e significados diferenciados de

acordo com os diversos grupos sociais que dele se apropriam, delimitando territórios e caracterizando práticas sociais. O Patrimônio Cultural14 está sujeito a alterações ao longo do tempo sem que isso, ne-

cessariamente, configure a descaracterização desse

bem, aspecto importante na questão da preservação e salvaguarda do mesmo.

Esta ampliação da noção de Patrimônio é

fundamental pois alarga de modo significativo as

formas de compreensão quanto aos aspectos cul- turais e formação de identidades locais, até então representadas pelo Patrimônio Arquitetônico. Choay (2001) aborda de forma bastante clara este tema ao

resgatar a importância das edificações como “ca- tegoria exemplar” de Patrimônio Histórico. A autora lembra ainda a importante mudança ocorrida quanto

à nomenclatura utilizada para classificar o Patrimô-

nio Histórico representado pelas edificações. Inicial- mente tratados como “monumentos históricos”, a partir da década de 1960, quando outros bens, que não apenas os monumentais, passaram a fazer par- te deste patrimônio, esta precisou ser revista:

14. Arantes (2008) faz uso também da expressão Patrimônio Ambiental

Urbano, que abarca três aspectos da realidade urbana – sua condição de artefato, de campo de forças sociais e de agregado de representa- ções simbólicas.

Quando criou-se, na França, a primei- ra Comissão dos Monumentos Histó- ricos, em 1837, as três grandes cate- gorias de monumentos históricos eram constituídas pelos remanescentes da Antiguidade, os edifícios religiosos da Idade Média e alguns castelos. Logo depois da Segunda Guerra Mundial, o número dos bens inventariados decu- plicara, mas sua natureza era pratica- mente a mesma. Eles provinham, em essência, da arqueologia e da história da arquitetura erudita. Posteriormente, todas as formas da arte de construir, eruditas e populares, urbanas e ru- rais, todas as categorias de edifícios, públicos e privados, santuários e utili- tários foram anexadas, sob novas de- nominações: arquitetura menor, termo proveniente da Itália para designar as construções privadas não monu-

mentais, em geral edificadas sem a

cooperação de arquitetos; arquitetura

vernacular, termo inglês para distin-

guir os edifícios marcadamente locais; arquitetura industrial das usinas, das estações, dos altos-fornos, de início reconhecida pelos ingleses. (CHOAY, 2001, p. 12)

O momento de ampliação do conceito para Patrimônio Cultural, Pereira (2011, p. 101, 102) loca- liza nos anos sessenta (“Virada Cultural”) e oitenta (“Virada Comunicativa”) do século XX, que impõem outras questões ao tema da “conservação – restau- ração”. Esta agora deve passar a incluir temas tais

como “(...) significância, linguagens, diversidade,

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