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Meus avós maternos moram aqui. Eles têm dez filhos. Três filhos moram aqui, um é retornado, mora aqui em São Geraldo, dois nos Estados Unidos e um na Inglaterra. Dois moram em Valadares. Um mora em estado diferente. Os meus primos, eu tenho primo pra caramba. Olha só! Eu tenho uma tia que tem seis filhos. Minha mãe teve quatro filhos, uma mora fora, em Portugal, dois moram fora, em Valadares, e eu moro aqui. Meu tio Piu tem um filho que mora no exterior, um que mora aqui e um que mora em outra cidade. Meu tio Rick tem um filho que mora com ele lá nos Estados Unidos. Meu outro tio doido, perdido, tem uma filha que mora nos Estados Unidos, uma filha que mora em outra cidade e quatro que moram em outro estado. Minha tia Lina tem dois filhos que moram no exterior e um que mora em outra cidade [...]. (Thalia).

Conforme explicitado no capítulo em que abordei a condição juvenil em SGP, a família é a instituição socializadora de maior importância para os jovens discutirem suas questões relativas ao futuro. Assim, a família aparece como uma instituição central no

27 Exemplos como esse que estão acontecendo no local de destino são mais propensos a chamarem

atenção, como o caso do mineiro José Félix Peixoto, candidato, em 2012, a deputado federal pelo distrito 26 Flórida (http://colunistas.ig.com.br/diretodemiami/2012/09/25/brasileiro-pode-ser-eleito-deputado- federal-nos-eua-em-novembro/) ou ainda dos imigrantes venezuelanos antichavistas que viajaram ao país de origem para votar, na tentativa de derrubar Chaves nas urnas.

127 processo de socialização desses jovens, como é em qualquer sociedade ocidental. Nesse caso, no entanto, algumas particularidades proporcionam a esses sujeitos experiências distintas, evidenciando singularidades na condição juvenil nesse contexto. Alguns estudiosos já apontaram a importância da família nos processos migratórios, uns dando conta do papel dela na decisão de migrar (Cf. CARNEIRO, 1998; HARBISON, 1981), outros tratando das questões de gênero e do papel da mulher cujo marido emigra e ela precisa assumir o controle da família (Cf. SIQUEIRA, 2010), ou ainda discutindo os arranjos familiares em contextos transnacionais (ARIZA, 2002). Portanto, esse é um aspecto que já vem sendo discutido, porém, o que é importante evidenciar nesta investigação é como essa configuração familiar impacta na condição juvenil, visto que esta é também uma instituição com peculiaridades, como também já apontei. Uma dessas peculiaridades, como evidencia a citação anterior, da entrevista concedida pela Thalia, é a dispersão, não só dentro do estado de Minas Gerais e do Brasil, mas em outros países, razão pela qual estou denominando famílias com essas características de famílias transnacionais.

Nesse contexto de mobilidade transnacional que afeta essas famílias de modo direto, é possível que a entrada na vida adulta também apresente especificidades. Isso porque muitos desses jovens veem-se obrigados a passar parte importante da juventude longe de um dos pais ou, em alguns casos, de ambos. Nesse sentido, quando falamos de transição para a vida adulta na nossa sociedade, a saída da casa dos pais é, em geral, um marcador essencial. Assim, entende-se a adolescência e a juventude como um período importante e rico em experiências com as quais os jovens “preparam-se” para essa nova etapa da vida. Esse período pode ser um processo doloroso e conflituoso, como disse uma jovem, quando me contou sobre as dúvidas que tinha quando entrou na puberdade e não tinha a mãe por perto e contou com uma tia para atravessar as turbulências da fase.

A minha avô, mãe do meu pai, [...] ela acha que beijar na boca é um absurdo. O desenvolvimento do corpo da gente, a gente não pode perguntar, a gente tem que descobrir sozinha porque ela não tem coragem de falar. Então, assim, se eu fosse criada com ela, basicamente eu não ia entender nada. Eu ia ficar louca. (Maria Antônia).

No exemplo acima citado, a jovem enfrentou sérios problemas na escola e na cidade, envolveu-se com drogas (apenas lícitas, segundo me contou), brigou com a

128 família por parte do pai, assumiu uma postura considerada de rebeldia para muitos moradores da cidade e diz que a avó materna e a mãe, mesmo de longe, foram seus portos seguros. Tais conflitos e questionamentos “explodem” no seio da família, como nos lembra Sarti (2004), instituição por excelência na qual devemos buscar referências para esse novo mundo que nos aguarda (o mundo adulto) e em que podemos descarregar nossas angústias, aflições e conflitos tão comuns no período da puberdade.

A importância fundamental da família para o jovem está precisamente nesta possibilidade de manter o eixo de referências simbólicas que a família representa - como lugar de afetividade e, assim, palco de conflitos - e que, nesse momento, mais radicalmente ainda do que em outros momentos do ciclo de vida familiar, precisa abrir espaço para o outro, justamente para continuar a ser ponto de referência. (SARTI, 2004, p. 7).

Nesse sentido, no caso dos jovens de SGP, um dos principais elementos que caracterizam esse grupo é o fato de boa parte estar crescendo ou ter passado um tempo da infância longe de alguns membros do núcleo familiar, disperso pelas migrações. Isso porque são comuns nessa região famílias que podem ser identificadas como “família transnacional multilocal” (GLICK et al, 1992; GUARNIZO, 1997, apud ARIZA, 2002), ou seja, com membros vivendo em locais distintos, mas mantendo vínculos contantes.

Durante uma entrevista coletiva, uma ferramenta utilizada para iniciar a conversa foi o desenho das famílias a partir das experiências migratórias dos seus membros. A atividade consistia em escolher um dos avós e desenhar a árvore genealógica, identificando a situação migratória dos parentes por cor. (Ver Cap. II). Uma questão importante nesse histórico que, embora o gráfico não mostre, é o vai e vem de pessoas na dinâmica migratória, ou seja, os casos de reemigração, muito comuns entre os moradores do município. Isso ficou bastante evidente nas observações e conversas cotidianas com os moradores da cidade e nas entrevistas, como mostra o diálogo a seguir:

Ana Paula - Meu tio Zé fica nessa vida de Estados Unidos e Brasil a vida inteira. Já tem 25... 26 anos [vivendo] assim.

Z – Ele já foi e já voltou quantas vezes?

Ana Paula – Ahh Zê! Eu sinto muito... Bruna – Umas 580 vezes...

Ana Paula - É como a tia Marta falava, “só vinha fazer um minino e ia embora.” [...]

129 Estados Unidos] e eles também são, que eles nasceram lá. Aí, geralmente de ano em ano... já ficaram 2 ou 3 anos sem vim aqui. Mas agora tão conseguindo vim de ano em ano. Minha tia que mora na Inglaterra também vem de ano em ano.

Bárbara - Igual o pessoal veio pro aniversário da minha vó. Não veio todo mundo porque quem tá fora do país e não é legal aí não tem como vim. Mas sempre que pode vem. Minha tia vem um ano, salta dois, vem outro ano, salta três, vem no outro ano, mas vem.

A fala dessas jovens evidencia os movimentos transnacionais protagonizados pelos parentes, mas mostra também outro lado dessa história, poucas vezes mencionado nos estudos relativos ao tema. Falo destes que se veem obrigados a permanecer nos locais de destino, mesmo que tenham condições financeiras de visitar os parentes no Brasil, o que Margolis (2007) chama de “brasileiros no limbo”. São os imigrantes que entraram nos Estados Unidos de maneira irregular (quase sempre identificados pejorativamente pela mídia como “ilegais”), que lá permanecem “encalhados”, para usar os dizeres da autora, em alguns casos até contra a própria vontade, mas não retornam por medo de não conseguirem entrar novamente em território norte-americano.