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Os projetos de vida estão intimamente ligados à identidade dos sujeitos na fase da juventude, o que justifica a abordagem desse tema nos espaços educativos e demais instituições socializadoras. Ademais, o tema do projeto pode auxiliar os jovens no processo de construção da identidade, de conhecimento e descoberta de si. A juventude é um momento importante de conquista de autonomia em relação ao mundo adulto e, nesse sentido, “a noção de que os indivíduos escolhem, ou podem escolher, é a base, o ponto de partida para se pensar em projeto.” (VELHO, 2004, p. 24). Em determinados contextos, no entanto, a possibilidade de escolha é muito limitada e os projetos precisam orientar-se, por vezes, pela contingência. No contexto estudado, uma hipótese inicial era de que a migração internacional ocuparia um lugar privilegiado nos projetos de vida dos jovens. Nesse sentido, é notório como a cultura da migração influenciava fortemente a vida nessa comunidade, no entanto, não se pode afirmar que no aspecto projetos de vida

194 tal influência possa ser percebida na mesma intensidade. O outro lado da fronteira está bastante presente, por conta do contexto transnacional em que esses sujeitos estão crescendo, no entanto, a pesquisa mostrou que os herdeiros da migração não estão se apropriando da herança na mesma proporção em que os eventos transnacionais se fazem (ou fizeram) presentes nessa comunidade. O projeto de emigrar, quando aparece, na maioria dos casos aparece como um plano B, em geral uma opção aos estudos. Ou seja, o que muitos dizem é que preferem estudar e, se não der certo, emigram. É muito comum usarem exemplos de parentes que emigraram e não estudaram e depois se arrependeram. Uma tendência que observei em algumas famílias transnacionais é que os retornados estão procurando se especializar, seja fazendo cursos técnicos, seja em cursos universitários.

A questão do transnacionalismo nem mesmo tem no currículo escolar a centralidade que tem na história dessa comunidade. Esse tema, que poderia ser um importante fio condutor para discutir questões relativas ao multiculturalismo, à pluralidade racial, à mobilidade humana (tão própria da condição humana) e à própria história da região não apareceu no currículo escolar durante a pesquisa de campo. E essa ausência não se fez perceber somente na escola. Esse estudo não detectou qualquer discussão sobre o processo de migração do ponto de vista desse local de origem, seja na escola, seja em outras instituições socializadoras como associações de moradores, igrejas ou mesmo o poder público local. Aliás, uma lacuna nessa região mineira, historicamente marcada pelos movimentos migratórios, é a carência de organização dos migrantes e seus familiares, tal como se percebe nos locais de destino de migração internacional. As organizações coletivas de grupos étnicos são uma das principais características do transnacionalismo nos países de acolhimento. Exemplos como a Associação Mais Brasil, na cidade do Porto, em Portugal, ou ainda organizações menos formalizadas, mas que funcionam como suporte ao grupo de imigrantes nos locais de destino, os enclaves migrantes, como as conhecidas Little Italy, Little Brazil e China Town em Nova York são ilustrativos dessas formas de organização dos migrantes nos locais de destino.

Quanto aos projetos de vida os jovens evidenciaram uma visão bastante ampla sobre o tema, alertando para o fato de que a vida não se reduz a trabalho, carreira, emprego, como alguns estudos que abordam o tema costumam tratar. Eles falaram de

195 todos os aspectos que consideram importantes quando pensam em seus projetos de vida: casamento, estudos, trabalho, sexualidade, lazer, diversão, profissão, renda, emancipação, direito de escolhas, autonomia e tantos outros temas que compõem a multidimensão da condição e da vida humana. Por isso utilizo sempre nesta pesquisa projetos de vida, no plural, por considerar as diversas dimensões da vida humana.

As falas e o cotidiano desses jovens trouxeram elementos importantes para pensarmos os projetos individuais e a interface com um projeto de sociedade que, embora não seja explícito, não se pode dizer que estão ausentes. Se eles não falam, objetivamente, de um projeto coletivo de sociedade, como o fazia o jovem Luther King e tantos outros engajados em movimentos políticos e sociais na segunda metade do século passado, eles evidenciam preocupações com a sociedade, preocupações mais amplas que extrapolam o individualismo que marca as sociedades contemporâneas.

Por exemplo, quando dizem que não querem encher o mundo de filhos sem ter como cuidar, ou quando evidenciam desencanto pela profissão docente e afirmam que não acham justo professor ser tão desvalorizado, já que é uma profissão tão importante, eles estão de fato pensando além da dimensão individual. Manifestam desejo por emancipação feminina, quando recusam a vida de “dona de casa” sustentada e mandada pelo marido. Demandam por espaços de participação, embora rechacem as formas ortodoxas de participação via partidos políticos, por desacreditarem que podem ajudar a melhorar o mundo dessa forma. Nesse sentido, o grupo de jovens das igrejas (sobretudo católica, mas também evangélica) é o meio privilegiado de participação e de contribuição para a construção de um mundo melhor para esses jovens. Sonham em constituir famílias, mas esta não é a prioridade, evidenciando preocupação inicial com o futuro deles próprios e dos eventuais filhos que possam vir a ter. Sendo assim, o casamento, embora importante para muitos, é algo que pode esperar. Já a continuidade dos estudos, que ganha centralidade em muitos dos projetos, está fora do campo de possibilidades de boa parte desse grupo.

Em relação ao modo de elaboração dos projetos e a forma como os expressam, embora tenham sido apresentados aqui de forma categorizada, não significa que são estanques, imutáveis, rígidos ou definitivos. Ao contrário, os projetos são dinâmicos e, de certa forma, ziguezagueantes. Podem mudar de acordo com as circunstâncias, com os valores vigentes em determinados momentos da vida, com as interações sociais, com os

196 contextos e até com os suportes com quais contam. Sendo assim, vale lembrar que “o que a noção de projetos procura é dar conta da margem relativa de escolha que indivíduos e grupos têm em determinados momentos históricos de uma sociedade.” (VELHO, 2004, p. 107).

Nesse processo, a dimensão do reconhecimento teve lugar privilegiado em meio às demandas dos jovens. O reconhecimento depende dos valores vigentes em determinados contextos histórico-culturais, ou seja, alguém é ou não valorizado e reconhecido se responde às expectativas que correspondem aos valores daquele contexto. Foi a partir da demanda por reconhecimento que a categoria “ser alguém na vida” emergiu com bastante força neste estudo, ganhando centralidade e sendo expressa objetivamente, sobretudo por aqueles dos extratos economicamente inferiores do grupo social estudado. Para os demais a ideia também esteve muito presente, embora esses não a manifestassem verbalmente como o faziam os mais pobres, moradores das comunidades rurais. Assim, considero que essa é uma categoria que merece estudos mais aprofundados, visto que parece sinalizar para uma categoria que diz de um ethos de classe, característico de alguns grupos das classes populares, uma vez que não o identifiquei em todos os sujeitos desse grupo nem em outros estudos que tratam do tema, relativo a jovens mais abastados.