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Estudar, trabalhar, namorar, cuidar de casa, ajudar a família, se divertir, ir à igreja, dormir bastante, beber, curtir com os amigos, andar na moda, jogar conversa fora, praticar esporte, cavalgar, ouvir músicas, sonhar, desejar, reclamar, rir, chorar, duvidar, acreditar... Todos esses são verbos que descrevem as juventudes de SGP. Diante dessa pluralidade que caracteriza a condição juvenil nesse contexto buscarei, nesta etapa final do trabalho, apresentar uma sistematização das questões fundamentais discutidas neste estudo, de modo a sintetizar as principais contribuições da investigação para as áreas do conhecimento que esta pretendeu abarcar. Os resultados aqui apresentados não têm pretensão de fornecer generalizações nem à juventude como um todo, nem mesmo dentro do grupo pesquisado (embora aspectos comuns à juventude enquanto um grupo social tenham sido identificados), mas de evidenciar aspectos relativos à condição juvenil e aos projetos de vida de um grupo de jovens dentro de um determinado contexto.

A juventude é uma daquelas categorias cuja definição não é tão simples, do mesmo modo que não é tão simples identificar quem é jovem. Há quem diga que esta é muito mais uma tarefa de hetero-atribuição do que de auto-atribuição. Ou seja, são os outros quem nos dizem, quando passam a nos chamar “rapaz” ou “moça” ou, quando não nos vêem mais como jovens, “senhor” ou “senhora”, em geral pelo critério idade, mas não só. Para esses jovens desta pesquisa o fator idade, por si só, não pode ser considerado um marcador de entrada na vida adulta. Não existe um ano da vida que demarca o fim de uma etapa do desenvolvimento humano. Nesse sentido, para eles, completar 18 anos não significa que o sujeito foi dormir imaturo e acordou mais

190 amadurecido. Sendo assim, é importante estarmos atentos ao fato de que não só “é difícil precisar quantas e quais são as fases da vida e quais são os processos que as caracterizam (CAMARANO, MELLO e KANSO, 2006, p. 35), como também é difícil generalizar o processo de desenvolvimento humano. Isso porque, além dos aspectos biológicos, que podem até ser mais universalizantes (mas não exatos), há que se considerar os aspectos subjetivos, simbólicos, culturais e econômicos que compõem esse processo.

Assim, o que esta investigação evidenciou é que, além da idade, esses jovens também precisam atingir uma determinada condição de autonomia para sentirem que estão, de fato, entrando em uma nova etapa da vida. Nesse sentido, a empiria confirmou que abordar a condição juvenil, sob todos os aspectos que constituem esta etapa da vida, inclusive a faixa etária, foi uma decisão importante nas escolhas teórico-metodológicas deste estudo. Isso me permitiu, por exemplo, identificar no campo jovens que, pelo critério idade, se encaixariam na categoria juventude, mas cujas condições de vida (já eram casados, independentes da família de origem, viviam em condição de completa autonomia em relação ao mundo adulto) lhes permitiam viver essa idade sem algumas preocupações que afetavam outros que, na mesma faixa etária, estavam vivenciando. Portanto, todos os sujeitos que constituíram o grupo principal de informantes desta investigação eram jovens, considerados a partir do critério adotado no Brasil, de acordo com o Estatuto da Juventude, no entanto, nem todos abarcados por esse critério foram considerados jovens para efeitos desta investigação.

Ainda a esse respeito, outro aspecto importante que os jovens evidenciaram é que a juventude não é uma fase apenas do devir. Eles estão sim preocupados com o futuro, no entanto, eles não abrem mão que seja considerada a sua condição também no presente. Eles refutam a visão hedonista e irresponsável, muitas vezes imputadas aos jovens, embora reconheçam que, por viverem a juventude de forma muito diferente dos seus pais e avós, se divertindo e aproveitando a vida, isso pode ser entendido pelos adultos como falta de respeito, de responsabilidade ou de preocupação com o futuro.

Acredito que essas nuances relativas ao modo próprio de viver a juventude nesse contexto só foram possíveis de serem observadas e coletadas graças à metodologia utilizada, ao exercício de escuta e observação constantes no campo. Digo isso porque, à primeira vista, um olhar menos cuidadoso apontaria nesse grupo aspectos relativos ao

191 que eles chamam de aproveitar a vida sem considerar o que isso significa. Lembro-me dos primeiros dias no campo, quando fui tomada por uma sensação de que os jovens daquela pequena cidade não se interessavam por nada, que bebiam demais, que estavam sempre procurando a próxima cavalgada para se divertir, um campo de futebol pra disputar uma partida, uma mesa de truco para desafiar os amigos ou pensando onde seria a próxima resenha. Isso era visível tanto para os jovens da sede como para os do campo, embora para os moradores da zona rural a mobilidade fosse um limitador na busca por formas de aproveitar a vida e esses, na maioria dos casos, tinham que pensar formas alternativas. Às vezes organizavam caronas solidárias entre os que tinham moto ou faziam longos percursos a pé para se locomover pela região, experiência da qual participei uma vez, quando caminhamos seis quilômetros na madrugada de volta de um aniversário porque não tinha carona para todo o grupo. No entanto, a presença prolongada no campo me mostrou muito mais do que jovens com um copo de cerveja na mão, um chapéu na cabeça, uma camisa da Hollister ou montado em uma moto percorrendo os quatro cantos da região atrás da próxima diversão. O exercício de acompanhá-los, observá-los, conviver com eles em diferentes momentos da vida cotidiana, ouvir seus anseios, suas angústias, seus pontos de vista sobre a sua condição juvenil e sobre a própria sociedade me mostrou que, apesar da forma intensa como vivem o presente, eles não perdem de vista a dimensão do futuro.

Um grande desafio que estava posto a esse grupo, no entanto, é que eles pareciam se sentir sozinhos nas questões relativas ao futuro, ao passo que no presente estavam apoiados entre si no projeto de aproveitar a vida, dentre outras formulações. Eles pareciam sentir-se à deriva quando o assunto era o futuro, situação semelhante ao assinalado por Leão (2011) sobre projetos de vida de jovens estudantes do ensino médio do Pará, que apontou que a falta de diálogo com a escola comprometia a formulação de planos além do tempo presente. Para os jovens de SGP se, por um lado, o desejo de aproveitar a vida encontrava respaldo de diversas formas no tempo presente, com o grupo de amigos, o desejo de ser alguém na vida parecia ainda ser, para a maioria, um sonho que estavam sonhando sozinhos, sem suportes institucionais sólidos. Embora contassem com o importante suporte da família, muitas delas, como evidenciado, quase nada tinham a oferecer além do suporte moral e afetivo. Não que isso seja insignificante, mas são valores simbólicos que, na prática cotidiana de uma sociedade

192 capitalista não são suficientes. Eles reconhecem a importância do apoio da família, mas sabem que é só isso que podem esperar.

Ah... tipo assim, eu não tive como fazer faculdade, mas minha mãe me deu a maior força pra mim estudar. Ela falou assim “ah Lorena, a gente não tem condições de pagar faculdade pra você, que você mesmo sabe, mas se você quer ir trabalhar, vai trabalhar, continua fazendo um cursinho...” Ela sabe que o meu sonho é estudar, é me dar bem na vida, ganhar melhor, porque ninguém merece ganhar um salário mínimo só pra sobreviver ou ficar dependendo de mãe, porque a gente nunca sabe o que pode acontecer. Mas ela, o que eu quero escolher, ela me apóia, total apoio, sabe? [...] Meus irmãos também, mas eles também não têm condições de me ajudar. (Lorena, moradora da Sede).

O que essa jovem reconhece é que para boa parte da juventude naquele contexto o lugar social que o sujeito ocupa “vai determinar, em parte, os limites e as possibilidades com os quais constroem uma determinada condição juvenil.” (DAYRELL, 2007, p. 1108). No caso da Lorena, como de muitos outros desse estudo, a condição de estudante não pode ser parte da condição juvenil para além do ensino médio. As condições precárias em que muitos deles viviam não lhes permitiam concretizar o desejo de continuar estudando. Precariedade que não vem apenas da condição social das famílias, mas do meio em que vivem, aquela zona rural esquecida pelas políticas públicas e, muitas vezes, do próprio sistema de ensino. O fato de a maioria pertencer ao grupo de estudantes que identifiquei como “os enturmados” (embora a Lorena não fizesse parte desse grupo) mostra que eles tinham formas próprias de se relacionar com a escola, mesmo que a cultura escolar ainda não fosse capaz de acolhê-los com tais especificidades. Os “premiados”, apesar de minoria, eram os mais valorizados, evidenciando que na cultura escolar prevalecia o modelo ideal de aluno (o chamado CDF), enquanto que o aluno real (aquele que, apesar de mediano nas notas, levava para dentro da escola outras dimensões da condição juvenil) estava sendo acolhido, mas não valorizado dentro da instituição escolar a partir de outras habilidades que não apenas as do currículo formal.

Mais uma consideração importante e necessária diz respeito às políticas educacionais que orientam as escolas de municípios rurais. Estas, apesar de localizadas na sede, atendem majoritariamente estudantes do campo. Essa questão mostrou-se emblemática visto que, na prática, aquela não é uma escola urbana, já que seus sujeitos,

193 na sua maioria, não o são. O sistema escolar deveria reconhecer os sujeitos que ali estão na sua diversidade e especificidade de jovens do campo, valorizando seus saberes e garantindo-lhes direitos próprios de estudantes do campo. Por exemplo, a adoção do calendário escolar urbano provoca a evasão de um número significativo de estudantes do período de chuvas, pois a mobilidade na zona rural fica praticamente impossível. Outra questão relativa a esse ponto é com relação à merenda escolar. Como muitos jovens saem de casa muito cedo, alguns ainda de madrugada, não fazem a primeira refeição do dia e ficam com fome até as 9h:00 da manhã, horário em que é servida a merenda escolar, embora muitas vezes reforçada, diga-se de passagem.

Portanto, a investigação apontou que são múltiplos os modos de ser jovem nesse contexto e que a condição juvenil carrega importantes marcas da cultural local, como também aspectos globais, proporcionados pela cultura da migração que se desenvolveu nessa região mineira nos últimos anos e que tem como principal característica o transnacionalismo. Muitos desses jovens pertencem a famílias transnacionais, que protagonizam movimentos constantes de pessoas, bem como trocas de bens, ideias, valores e remessas entre essa região mineira e países como os Estados Unidos, Portugal e Inglaterra.