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5 O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E O

5.1 A aplicação dos direitos humanos no âmbito do direito interno brasileiro

5.1.2 Jurisprudência do STF sobre pobreza e direitos relacionados

5.1.2.4 Direito à saúde e direito à alimentação

As duas expressões em epígrafe foram agrupadas num único tópico, porque dizem respeito ao mesmo indicador do IPM. O direito à saúde se relaciona com o componente do IPM que diz respeito ao falecimento de pessoas na família. Já o direito à alimentação está ligado ao componente da má nutrição infantil.

Tabela 4 – Acórdãos do STF que contêm a expressão “direito à saúde”

Tema principal Quantidade

Direito à saúde como componente do direito à vida – responsabilidade solidária dos entes federativos pela implementação do direito à saúde

42

Outros temas 48

Total 90

Fonte: Supremo Tribunal Federal

Desse grupo, como se nota, destacam-se 42 acórdãos expondo o mesmo entendimento jurídico. Em resumo, essa remansosa jurisprudência do STF estabelece que: o direito à saúde é essencial e está diretamente relacionado com o direito à vida; em razão disso e em face das disposições constitucionais, é dever do Estado adotar as políticas necessárias à observância desse direito; todos os entes federativos são solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações relacionadas ao direito à saúde; o Poder Judiciário pode impor ao Estado a implementação das políticas públicas necessárias ao atendimento do direito à saúde, em caso de omissão; e isso não representa ofensa ao princípio da separação dos poderes.

O acórdão relevante mais antigo nesse sentido é o seguinte:

PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei

Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. (BRASIL, 2000b).

O acórdão mais recente nesse mesmo sentido segue transcrito:

AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS. DIREITO À SAÚDE. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO INDISPENSÁVEL PARA O TRATAMENTO DE DOENÇA GENÉTICA RARA. MEDICAÇÃO SEM REGISTRO NA ANVISA. NÃO COMPROVAÇÃO DO RISCO DE GRAVE LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. POSSIBILIDADE DE OCORRÊNCIA DE DANO INVERSO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - A decisão agravada não ultrapassou os limites normativos para a suspensão de segurança, isto é, circunscreveu-se à análise dos pressupostos do pedido, quais sejam, juízo mínimo de delibação sobre a natureza constitucional da matéria de fundo e existência de grave lesão à ordem, à segurança, à saúde, à segurança e à economia públicas, nos termos do disposto no art. 297 do RISTF. II – Constatação de periculum in mora inverso, ante a imprescindibilidade do fornecimento de medicamento para melhora da saúde e manutenção da vida do paciente. III – Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2015b).

Nos dois julgados supra, o que está em jogo é a observância do direito à saúde em situações individuais e excepcionais: o fornecimento de medicamentos indispensáveis à sobrevivência de um ser humano. Há decisões, porém, que determinam não apenas a solução de uma situação pontual e excepcional, mas a adoção de medidas com caráter de política pública. É o caso da ementa a seguir transcrita, em cuja decisão o STF declara o dever do Estado de ampliar e melhorar o atendimento de gestantes:

AMPLIAÇÃO E MELHORIA NO ATENDIMENTO DE GESTANTES EM MATERNIDADES ESTADUAIS – DEVER ESTATAL DE ASSISTÊNCIA MATERNO-INFANTIL RESULTANTE DE NORMA CONSTITUCIONAL – OBRIGAÇÃO JURÍDICO- -CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, INCLUSIVE AOS ESTADOS-MEMBROS – CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO ESTADO-MEMBRO – DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819) – COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA (RTJ 185/794-796) – A QUESTÃO DA RESERVA DO POSSÍVEL: RECONHECIMENTO DE SUA INAPLICABILIDADE, SEMPRE QUE A INVOCAÇÃO DESSA CLÁUSULA PUDER COMPROMETER O NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197) – O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUÍDAS PELA CONSTITUIÇÃO E NÃO EFETIVADAS PELO PODER PÚBLICO – A FÓRMULA DA RESERVA DO POSSÍVEL NA PERSPECTIVA DA TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS: IMPOSSIBILIDADE DE SUA INVOCAÇÃO PARA LEGITIMAR O INJUSTO INADIMPLEMENTO DE DEVERES ESTATAIS DE PRESTAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE IMPOSTOS AO ESTADO – A TEORIA DA “RESTRIÇÃO DAS RESTRIÇÕES” (OU DA “LIMITAÇÃO DAS LIMITAÇÕES”) – CARÁTER COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS,

INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPECIALMENTE NA ÁREA DA SAÚDE (CF, ARTS. 196, 197 E 227) – A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” – A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO – CONTROLE JURISDICIONAL DE LEGITIMIDADE DA OMISSÃO DO ESTADO: ATIVIDADE DE FISCALIZAÇÃO JUDICIAL QUE SE JUSTIFICA PELA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DE CERTOS PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS (PROIBIÇÃO DE RETROCESSO SOCIAL, PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL, VEDAÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE E PROIBIÇÃO DE EXCESSO) – DOUTRINA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213 – RTJ 199/1219-1220) – POSSIBILIDADE JURÍDICO- PROCESSUAL DE UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” (CPC, ART. 461, § 5º) COMO MEIO COERCITIVO INDIRETO – EXISTÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA: INSTRUMENTO PROCESSUAL ADEQUADO À PROTEÇÃO JURISDICIONAL DE DIREITOS REVESTIDOS DE METAINDIVIDUALIDADE – LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CF, ART. 129, III) – A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO “DEFENSOR DO POVO” (CF, ART. 129, II) – DOUTRINA – PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (BRASIL, 2013b).

A decisão acima colacionada traz à tona um aspecto bastante relevante para o debate em torno dos direitos humanos: a defesa coletiva desses direitos. A decisão em tela, proferida em sede de Recurso Extraordinário, deu-se no bojo de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público, que na ementa recebe o epíteto de “defensor do povo”.

O combate à pobreza passa, necessariamente, pelo desenvolvimento e implementação de políticas públicas e estas estão essencialmente relacionadas a interesses coletivos. Nesse contexto, ao reconhecer a ação civil pública como meio processual adequado a postular a implementação de políticas públicas, o STF abre um grande horizonte para a judicialização de demandas que têm a pobreza como causa subjacente.

A pesquisa realizada com a expressão “direito à alimentação” retornou apenas 3 acórdãos. Dois deles tratam da natureza jurídica do vale-alimentação e outro corresponde a uma das decisões já identificadas quando da pesquisa relativa ao mínimo existencial. Nessa decisão, o direito à alimentação é inserido no rol de direitos considerados essenciais e formadores do núcleo de intangibilidade do ser humano. Não consta na jurisprudência do STF, portanto, nenhum precedente significativo acerca do direito à alimentação que já não tenha sido analisado quando da pesquisa com o termo “mínimo existencial”.

5.1.2.5 Direito à moradia, direito à energia elétrica, direito à água, direito ao saneamento