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4 DIREITOS HUMANOS E O TRATAMENTO NORMATIVO DA

4.5 Thomas Pogge e a pobreza como violação dos Direitos Humanos

4.5.2 Omissões como causa da pobreza

No que concerne a omissões como causas da pobreza, Pogge (2007, p. 18-25) tenta elucidar em que circunstâncias se pode falar em responsabilidade, sem que se tenha praticado qualquer ação no sentido de agravar as condições socioeconômicas de um grupo específico de pessoas.

Inicialmente, apela-se para um suposto dever moral de ajudar quem se encontra em situação de extrema miséria. A princípio, pois, poder-se-ia argumentar que as pessoas em melhores condições, especialmente as mais próximas, como familiares, vizinhos, concidadãos, etc., teriam a obrigação moral de prover algum tipo de assistência para auxiliar pessoas em situação de extrema miséria. Porém, ainda que existisse um consenso quanto a tal obrigação moral, a maior parte das pessoas influentes, como pontua Pogge (2007, p. 19), acredita que o simples fato de falhar ou se omitir em ajudar quem se encontra em estado de pobreza não constitui uma violação aos direitos humanos dos pobres.

Alguns estudiosos, por outro lado, a exemplo de Shue (1996a apud POGGE 2007, p. 19) e Luban (1985 apud POGGE 2007, p. 19), defendem que os direitos humanos impõem, sim, deveres de proteção e de auxílio. Nas palavras de Luban (1985, p. 209 apud POGGE 2007, p. 19, tradução nossa), “Um direito humano, então, será um direito cujos beneficiários são todos

30 No original: It is impossible to know which of our decisions have such effects on people in the poor countries, and what their effects are exactly.

31 No original: Insofar as we understand it, and feel it, the reflection remains disturbing and gives us moral reason to work for a world in which there are not hundreds of millions living on the brink of an early death from starvation or easily curable diseases.

os humanos e que obriga todos os humanos em condição de efetivá-lo.”32

Pogge (2007, p. 19) adota uma posição intermediária. Para ele, pode-se distinguir dois modos de um direito envolver um dever. O primeiro é direto ou por correlação. Tomando- se, mais uma vez, o exemplo da tortura, pode-se afirmar que o dever de uma pessoa “A” não participar da tortura de outra pessoa “B” é correlativo ao direito de “B” de não sofrer tortura. Assim, toda vez que “A” descumprir o seu dever estará violando o direito de “B”.

O segundo modo de relacionar um dever a um direito é indiretamente ou por presunção: se a tortura é algo tão terrível e constitui uma grande violência contra os valores da humanidade, é difícil de negar que as pessoas, além de estarem obrigadas a se abster de praticar a tortura, devem agir no sentido de evitá-la, quando isso se mostrar possível a um custo insignificante ou modesto. Isto é, não pareceria razoável exigir que alguém colocasse a própria vida em risco a fim de evitar a tortura de outra pessoa; porém, se o objetivo puder ser alcançado com uma atitude simples, sem qualquer risco significativo, como uma ligação telefônica denunciando a prática de tortura em uma residência vizinha, v.g., é bastante razoável entender que, nesses casos, existe um dever de agir e que a omissão quanto a tal dever constitui violação de um direito.

Pogge (2007 p. 20) aplica o mesmo raciocínio ao direito de ser livre da pobreza. Ninguém nega que a morte por causas relacionadas à pobreza consubstancia uma repugnante violência contra a dignidade humana. Todos os seres humanos, portanto, têm a obrigação, o dever de se absterem de praticar atos que contribuam para a pobreza de outras pessoas. Do mesmo modo, há um dever moral de agir para evitar ou minimizar a pobreza, quando isso se mostrar possível a um custo pequeno. O grande objetivo de Pogge (2007) com essa linha argumentativa é construir uma fundamentação para justificar o dever dos países ricos de agirem para reduzir o quadro de pobreza nos países pobres, o que, segundo o mencionado autor, pode ser feito a um baixo custo relativo. Nesse sentido, Pogge (2007, p. 23, tradução nossa) faz a seguinte provocação:

Direitos humanos, como são, de fato, largamente compreendidos, dão às pessoas uma postulação moral para ação protetiva dos seus governos; e eu, certamente, não quero comprometer esse entendimento. Mas porque essa postulação moral é pensada como limitada ao respectivo Estado de cada pessoa?33

Para Pogge (2007, p. 22-24), muitas vezes, o Estado não tem condições de

32 No original: A human right, then, will be a right whose beneficiaries are all humans and whose obligors are all humans in a position to effect the right.

33 No original: Human rights are indeed widely understood as giving persons a moral claim to protective action by their own government; and I certainly do not want compromise this understanding. But why is the moral claim thought to be limited to each person’s own state?

proporcionar soluções efetivas para o próprio quadro de pobreza, mas outros países, especialmente os mais abastados, estariam em melhores condições de auxiliar no combate à pobreza de um modo mais eficaz. O autor fornece, ainda, inúmeros outros argumentos para fundamentar a possibilidade de se exigir dos países ricos a solução para a pobreza nos países em desenvolvimento.

Um desses argumentos é o de que são os países ricos que há muito tempo têm imposto as injustas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), nitidamente desvantajosas para os países em desenvolvimento, o que afeta o crescimento econômico desses estados, com forte repercussão no quadro de pobreza. Outro argumento consiste no fato de que a maior parte dos países pobres foram, durante dezenas e até centenas de anos, colônias de exploração dos países ricos. Ou seja, durantes incontáveis anos, os países ricos construíram parte significativa de sua riqueza às custas da exploração dos recursos existentes nos Estados pobres, até então, suas colônias. Historicamente, portanto, as nações mais desenvolvidas contribuíram de modo direto para o empobrecimento de muitos povos. (POGGE, 2007, passim). Esses e outros argumentos serão retomados com maior minúcia mais à frente. Por enquanto, basta o seu registro, como reforço argumentativo à tese da responsabilização por omissões enquanto causa para o empobrecimento.