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3 POBREZA: DE QUE SE TRATA E COMO MENSURÁ-LA?

3.3 Um critério de pobreza adequado à realidade brasileira

3.3.2 O Índice de Pobreza Multidimensional – IPM

O IPM tem como desiderato identificar pessoas que sofrem privações que vão além da renda, ressaltando o caráter multidimensional da pobreza. O IPM se debruça sobre as mesmas dimensões avaliadas pelo IDH: saúde, educação e padrão de vida. No entanto, sua análise se baseia em outros indicadores. A dimensão de saúde, por exemplo, que no IDH se restringe à avaliação da expectativa de vida, é analisada, no IPM, com apoio em dados sobre nutrição e mortalidade infantil. Já para a educação, os indicadores são os anos de escolaridade e a quantidade de crianças em idade escolar matriculadas. No que concerne ao padrão de vida, que no IDH decorre meramente do nível de renda, pesam para a definição do IPM a propriedade de alguns bens e outros cinco indicadores relacionados ao acesso às seguintes utilidades: pavimentação, eletricidade, água tratada, saneamento básico e combustível de cozinha. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2010b, p. 98-104).

De um modo mais específico e objetivo, nos termos do RDH de 2010, os indicadores utilizados para o cálculo do IPM são os seguintes:

Os componentes da educação são: não ter nenhum membro da família que tenha concluído cinco anos de escolaridade e ter pelo menos uma criança em idade escolar (até ao 8º ano) que não esteja a frequentar a escola. Os componentes da saúde são: ter pelo menos um membro da família que sofra de má nutrição e ter tido uma ou mais crianças que tenham falecido. Os componentes do padrão de vida são: não ter eletricidade, não ter acesso a água potável limpa, não ter acesso a saneamento adequado, usar combustível “sujo” para cozinhar (estrume, madeira ou carvão), ter uma casa com piso de terra, não ter carro, caminhão ou veículo motorizado semelhante e possuir no máximo um dos bens seguintes: bicicleta, motocicleta, rádio, frigorífico, telefone ou televisor. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2010b, p. 230).

O cálculo do IPM é relativamente simples. O índice varia de 0 a 10. Cada dimensão avaliada corresponde a um terço do índice, isto é, aproximadamente 3,33. A nota de cada dimensão avaliada é dividida pelos indicadores que a compõem. Assim, no caso da educação, a privação em qualquer dos dois funcionamentos analisados equivale a 1,67. A mesma nota é atribuída para as privações no campo da saúde, que, do mesmo modo, é composta por dois indicadores. Quanto ao padrão de vida, a nota de 3,33 é dividida igualmente pelos seis indicadores, de modo que a privação em cada um deles equivale a 0,56. Para se chegar ao IPM de uma pessoa basta somar as notas atribuídas a cada privação. Se o resultado dessa soma for igual ou superior a 3 (três), a pessoa é considerada multidimensionalmente pobre. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2010b, p. 230-231)

Um aspecto interessante em relação ao IPM é que sua análise é feita a partir de dados relativos às famílias, e, não, às pessoas consideradas individualmente. Assim, a pessoa pode ser considerada pobre, ainda que não sofra nenhuma das privações que compõem o índice. Imagine-se, a título de exemplo, uma família com quatro filhos, em que ocorreu a morte de uma criança (soma-se 1,67) e que outras duas crianças em idade escolar estão fora da escola (soma- se 1,67). O IPM para os membros dessa família é de 3,34 e são, portanto, considerados pobres. Assim, ainda que um dos filhos não tenha sofrido de desnutrição, possua mais de cinco anos de escolaridade e não sofra nenhuma das privações relativas ao padrão de vida, será considerado pobre.

Pode-se dizer que o IPM, ao se basear em dados das famílias, tem a vantagem de captar aspectos mais subjetivos da pobreza ou de difícil mensuração, como os relacionados ao sentimento de pobreza e à exclusão social, por exemplo. Por outro lado, o IPM não alcança as diferenças entre membros dentro de uma mesma família. Isto é, ao tratar a família como uma unidade, deixa-se de contemplar as disparidades eventualmente existentes no seio da família, sendo certo que, não raramente, as consequências negativas da pobreza incidem de modo mais intenso sobre membros específicos, como pessoas com idade avançadas ou portadoras de

necessidades especiais. Essa limitação é reconhecida pelo próprio PNUD que, entre outras considerações, destaca que “[...] como é bem conhecido, as desigualdades no seio das famílias podem ser graves, mas essas não foi possível representar.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2010b, p. 104).

Apesar da limitação acima mencionada e de outras, como a ausência de dados estatísticos abrangentes em muitos países, o índice em exame desponta como o mais consistente e útil aos desideratos deste trabalho, pelas seguintes razões:

a) é mais abrangente do que o critério exclusivo da renda, cujas críticas a respeito já foram fartamente expostas e cuja inconsistência fora, inclusive, demonstrada de modo empírico ao longo dos vinte anos de utilização do IDH como medida para o desenvolvimento;

b) alberga em seu conceito elementos das concepções multidimensionais da pobreza, como a da pobreza como privação de capacidades de Amartya Sen; c) no Brasil existem dados estatísticos suficientes a embasar a utilização do IPM; d) trata-se de uma medida de pobreza oficialmente utilizada pela ONU, maior

instância internacional e guardiã dos tratados internacionais sobre direitos humanos;

e) o IPM permite, de modo objetivo e claro, a individualização das famílias e das pessoas em situação de pobreza, bem como das privações especificamente sofridas, o que pode facilitar a responsabilização do Estado, caso se conclua pela existência de um direito subjetivo de ser livre da pobreza;

f) sob o ponto de vista da pobreza multidimensional, o número de pobres no Brasil é superior ao quantitativo encontrado a partir do critério da renda, o que demonstra que a utilização do IPM se aproxima mais da pobreza real. De acordo com o RDH de 2010, 8,5% da população brasileira se encontravam em situação de pobreza multidimensional e outros 13,1% estavam em situação de risco de pobreza multidimensional, ao passo que, sob o critério exclusivo da renda, apenas 5,2% da população eram considerados pobres. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2010b, p. 169).

Em um cenário ideal, a definição de pobreza deve surgir em meio a uma ampla discussão de instituições oficiais e não-governamentais, envolvendo a sociedade civil organizada e, principalmente, aqueles que, a princípio, se identificam como pobres. Essa é a ideia que se extrai da obra de Sen (2010; 1981) e encampada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,

2006b, passim).

No Brasil, porém, não se tem conhecimento de um debate amplo nesse sentido. Desse modo, na ausência de um índice estabelecido de modo mais democrático e considerando os motivos acima expostos, acredita-se que o índice mais adequado para tratar da pobreza no Brasil, sobretudo sob a ótica dos direitos humanos, é o IPM.