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Pobreza como causa ou consequência da violação dos Direitos Humanos

4 DIREITOS HUMANOS E O TRATAMENTO NORMATIVO DA

4.8 Pobreza como causa ou consequência da violação dos Direitos Humanos

A terceira forma de abordar o problema da pobreza numa perspectiva dos direitos humanos é encará-la, não como uma violação dos direitos humanos em si mesma, mas como causa da violação de diversos direitos humanos ou, ainda, como consequência dessas violações.

Nessa linha de pensamento, Sánchez (2011, p. 86, tradução nossa), afirma que

A pobreza é a causa de violação dos direitos humanos, porque as pessoas que vivem na pobreza estão em situação de vulnerabilidade, que as tornam mais suscetíveis a violações dos seus direitos. A pobreza é também um efeito da violação dos direitos humanos, porque ao se negar, limitar ou menosprezar ao ser humano direitos como o trabalho, rendimentos adequados, saúde, educação, moradia decente, está-se condenando-o à pobreza.60

60 No original: La pobreza es causa de violación de los derechos humanos, porque las personas que viven en condiciones de pobreza están en situaciones de vulnerabilidad, que las hacen aún más susceptibles a violaciones de sus derechos. La pobreza es también efecto de la violación a los derechos humanos, porque al negarle, limitarle o menoscabarle al ser humano derechos como el trabajo, un salario adecuado, salud, educación, vivienda digna, se le está condenando a la pobreza.

De acordo com Costa (2008, p. 105), a Declaração de Viena evitou definir a pobreza como violação de direitos humanos, em face da resistência dos Estados em arcar com tal ônus jurídico, optando por tratar a pobreza como um fato que obsta o pleno exercício dos direitos humanos. Nesse contexto, o combate à pobreza é entendido como necessário para criar condições favoráveis à efetivação dos direitos humanos.

Apoiando-se nas ideias de Alston, Costa (2008, p. 105) defende que para considerar a pobreza como violação de direitos humanos, nos moldes apresentados pelas outras abordagens, seria necessário que: restasse comprovado que os governos e demais agentes competentes falharam na implementação de medidas viáveis, considerando o máximo dos seus recursos; e fosse demonstrado que tais medidas seriam suficientes para evitar ou minimizar as privações de um indivíduo em situação de pobreza.

A pesquisadora afirma, ainda, que, na atual conjuntura do direito internacional dos direitos humanos, é mais produtivo entender a pobreza como causa e consequência da violação dos direitos humanos. Argumenta, em defesa de sua tese, que não existe previsão expressa de um direito de não ser pobre, de modo que só indiretamente se poderia apontar a pobreza como violação aos direitos humanos, situação desaconselhável no atual estágio, em que o sistema de proteção internacional dos direitos humanos ainda está se emancipando enquanto ordem jurídica e a efetividade de sua atuação ainda é relativa. (COSTA, 2008, p. 106).

Costa (2008, p. 93-94) adverte que se deve atentar para uma questão conceitual importante, qual seja: distinguir entre a acepção de direitos humanos como um termo jurídico e a concepção de direitos humanos como conceito moral. Para a autora, essa distinção é fundamental ao analisar as diversas teorias a respeito do tema. Suas análises, declara a autora, levam em conta o conceito jurídico dos direitos humanos, isto é, são considerados “[...] como um conjunto de normas internacionais juridicamente vinculantes com fundamento nos tratados internacionais e nas interpretações acordadas e/ou permitidas destes instrumentos.” (COSTA, 2008, p. 94).

Em razão dessa posição, Costa (2008, p. 106) toma, de modo inequívoco, posição pela abordagem da pobreza como causa de violação aos direitos humanos, obtemperando o seguinte:

Esta posição parece ser, em relação aos dois modelos conceituais anteriores, mais realista e melhor formulada do ponto de vista jurídico. As complexidades do fenômeno da pobreza, especialmente as suas várias causas que, por vezes, fogem ao controle do Estado, tornam muito difícil simplesmente pressupor que a pobreza viola os direitos humanos. Evidentemente, em uma condição de pobreza, alguns direitos civis, políticos, econômicos e sociais serão desrespeitados. Não obstante, dado o presente estágio avançado do Direito e dos parâmetros internacionais de direitos humanos, parece razoável exigir que sejam apresentadas evidências empíricas e analíticas para

que se possa afirmar que uma dada privação, claramente classificada como pobreza, possa ser concomitantemente definida como uma violação de direitos humanos. É necessário esforçar-se, analiticamente, para provar que o Estado descumpriu com uma obrigação concreta em direitos humanos considerada viável e que, se implementada, cooperaria para a redução da pobreza.

A autora não olvida dos desafios que essa concepção deve enfrentar, destacando que se deve, ainda,

“[...] definir claramente as obrigações dos sujeitos de deveres dela decorrentes; além disso, este terceiro modelo representa uma oportunidade para que sejam formulados indicadores, parâmetros e demais instrumentos analíticos necessários a fim de mensurar o cumprimento das obrigações decorrentes dos direitos econômicos e sociais.” (COSTA, 2008, p. 108).

Sengupta (2004, p. 306, tradução nossa) também conclui que há dificuldades na qualificação da pobreza como violação de direitos humanos, ao afirmar que “Seria difícil argumentar de modo plausível e lógico que pobreza extrema é equivalente a violação de direitos humanos.”61 Não obstante, o autor também obtempera que:

A linguagem dos direitos humanos é, obviamente, atraente, pois, considerando-se a pobreza como violação de direitos humanos, seria possível mobilizar os meios públicos de ação o que, por si só, contribuiria de modo significativo para a adoção de políticas apropriadas, especialmente por Governos em países democráticos. (SENGUPTA, 2004, p. 293, tradução nossa).62

Se, por um lado, não é simples enquadrar a pobreza como violação de direitos humanos, entendê-la como mero fato social, cujo elo com os direitos humanos acontece de modo indireto, numa relação de causa e efeito, não parece constituir a melhor contribuição para que o direito internacional dos direitos humanos possa ser utilizado efetivamente no combate à pobreza.

De todo modo, destaca Costa (2008, p. 107), as três abordagens mencionadas apresentam como ponto comum a certeza de que a melhor maneira de enfrentar o problema da pobreza é a partir de uma perspectiva baseada nos direitos humanos, sendo esta crença o fundamento para os esforços empreendidos pela ONU no sentido de integrar os direitos humanos em todas as suas atividades e, em particular, às atividades desempenhadas pelas agências de desenvolvimento. Nessa esteira, afirma o seguinte:

No atual contexto mundial, o movimento de direitos humanos corre o risco de perder a sua credibilidade e seu apelo moral, se não for capaz de levar em consideração o sofrimento de milhões de pessoas que vivem na miséria e caso relute em qualificar este sofrimento como uma violação de direitos humanos. Empecilhos teóricos não podem mais servir de escusa. O poderoso sistema de direitos precisa ser colocado a serviço daqueles que ainda esperam para serem convidados a participar do banquete

61 No original: It may be difficult to argue plausibly and logically that extreme poverty is equivalent to a violation of human rights.

62 No original: The human rights language is obviously appealing, for if poverty is considered as a violation of human rights, it could mobilize public action which itself may significantly contribute to the adoption of appropriate policies, especially by Governments in democratic countries

oferecido por este mundo farto. Costa (2008, p. 108).

Gárate (2007, passim), sem se filiar a uma das correntes até aqui estudadas, também enxerga a abordagem dos diretos como a mais adequada para o enfrentamento da pobreza, pois

O esquema que vem sendo utilizado tradicionalmente como ferramenta na luta contra a pobreza, tanto em contextos de “paz” como em contextos pós-conflito, não resultou eficaz. Nesse sentido, é necessário ter uma visão muito mais ampla que tenha estreita relação com os direitos humanos de tal forma que adquira uma dimensão jurídica de primeira ordem. (GÁRATE, 2007, 162).

Independentemente de se adotar uma postura específica, portanto, o que se revela inequívoco, na análise até aqui empreendida, é a enorme contribuição que a abordagem dos direitos humanos pode oferecer para o combate à pobreza. Além disso, nada obsta, a princípio, que as diversas posturas teóricas estudadas possam ser utilizadas de modo conjunto ou complementar. Nada impede, afinal, que a advocacia de direitos humanos mescle diversos argumentos com vistas a convencer as instâncias internacionais acerca dos direitos e obrigações concernentes ao problema da pobreza. Veja-se, nesse sentido, que algumas das posturas mostram-se complementares em alguns aspectos, como as abordagens defendidas pelo ACNUDH e por Sengupta, ambas voltadas para a elaboração de políticas públicas.

Diante disso, resta saber como todas essas ideias vem influenciando a prática e a advocacia dos direitos humanos, seja no âmbito administrativo das organizações internacionais, seja na esfera contenciosa doméstica ou internacional. No próximo capítulo será analisada a efetividade do direito internacional dos direitos humanos como instrumento para a redução da pobreza no Brasil. A análise irá abranger tanto o âmbito doméstico, como as instâncias internacionais. Com isso, poder-se-á examinar se e em que medida as teorias acima expostas encontram ressonância na aplicação concreta das normas de direitos humanos no contexto de redução da pobreza no Brasil.

5 O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E O