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A luz dos ensinamentos de Jorge Miranda, começamos por verificar que na terminologia corrente se optou pelo uso generalizado da conceção direitos fundamentais ao invés da antiga designação de direitos humanos. Tal sucedeu em virtude de se tratarem, em primeiro plano, de direitos derivados da Lei Fundamental (consagrados constitucionalmente) e, em segundo, porque todos os direitos são humanos, ou seja, não existem direitos, no plano jurídico, que não sejam da pessoa humana. O mesmo autor acrescenta ainda que a primeira terminologia é mais acertada em virtude da proeminência de regimes totalitários no passado que sacrificaram milhares de vidas humanas em nome de raças e de fins ideológicos da humanidade considerados superiores124.

Os direitos fundamentais da pessoa humana não foram uma preocupação das primeiras formas de governo instituídas e atrás assinaladas. Bem vistas as coisas, as primeiras sociedades organizadas, como atrás se viu, tiveram por objetivo satisfazer necessidades individuais que tinham repercussões coletivas, e que poderiam por em causa a estabilidade, bem estar e segurança. Não era o homem, na sua individualidade, o objeto central das preocupações comunitárias, mas antes a própria existência do coletivo.

Só a partir do século XX se começaram a abordar as temáticas relacionadas com os direitos fundamentais de cada um, enquanto cidadão, após os pactos europeus de transações comerciais. A criação do mercado comum europeu constitui o ponto de partida, pois veio estimular de sobremaneira as relações entre os países europeus, e consigo arrastou o conflito de interesses entre muitos dos envolvidos, os quais começaram a exigir proteções jurídicas contra os atos lesivos a que eram sujeitos. O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias viu-se chamado a intervir diversas vezes, sem que existisse jurisprudência que lhe pudesse servir de suporte. Neste sentido surgiram as primeiras discussões acerca dos direitos fundamentais e das modalidades possíveis para a sua defesa. O direito comunitário passou então a vê-los contemplados, no entanto, na sua primeira fase, por não estarem catalogados, escritos, não detinham uma proteção efetiva.

Sérvulo Correia foi um dos autores que dedicou o seu tempo à questão dos direitos fundamentais, e entende que no Direito Constitucional português se caracterizam pela sua dupla dimensão: objetiva (normativa) e subjetiva. Assim, temos como direitos subjetivos aqueles que representam “posições de vantagem resultantes da afetação de meios jurídicos aos fins

124

Cfr. Jorge Manuel Moura Loureiro Miranda, in Direitos Humanos e Eficácia Policial, Inspeção Geral da Administração Interna, 1999, p. 21.

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da pessoa individualmente considerada” 125

. No entanto não devem ser interpretados exclusivamente no sentido de vantagens, mas antes no equilíbrio resultante entre os poderes e as faculdades confiados e nos respetivos deveres e adstrições esperados.

O conteúdo objetivo das normas que tratam direitos fundamentais de defesa abrange o direito de proteção que incide sobre o Estado de direito democrático, concretamente um dever de proteção de direitos de liberdade em face de terceiros que os ofendam ou se aprestem para o fazer126.

10.6.1 Restrições à liberdade de exercício de certos direitos

No entendimento de Sérvulo Correia, uma restrição a um direito, liberdade ou garantia representa “toda a compressão do âmbito de proteção do direito, traduzida na desconsideração de elementos do objeto de proteção, ou na recusa da titularidade ou exercício de meios jurídicos destinados à respetiva fruição, operada por ato do poder público de natureza geral e abstrata ou individual e concreta”127

.

Gomes Canotilho, autor que se dedicou com bastante afinco ao estudo dos direitos fundamentais e das respetivas restrições ou limitações, ensina que existem três universos de direitos recortados por atos normativos com valor de lei, e que são: as restrições expressas diretamente pela Constituição, as restrições feitas por lei, mas expressamente autorizadas pela Constituição e ainda as restrições operadas através de lei mas sem autorização expressa da Constituição128.

À primeira das três modalidades atrás referidas designa-se de restrições constitucionais diretas. Ao segundo caso alude-se à reserva de lei restritiva, enquanto na última situação falamos de restrições não expressamente autorizadas pela Constituição. Este último caso é manifestamente o de mais difícil justificação (ao nível da sua admissibilidade e legitimidade), no entanto, na opinião de Gomes Canotilho são admissíveis na medida em que os direitos sem restrições ex constititione e sem reserva de lei restritiva não podem considerar- se como direitos irrestritos ou irrestringíveis. O mesmo é dizer que estão sujeitos aos limites básicos imanentes da ordem jurídico-constitucional e aos limites resultantes da necessidade de

125

cf. Sérvulo Correia, O DIREITO DE MANIFESTAÇÃO, ÂMBITO DE PROTEÇÃO E RESTRIÇÕES, Edições Almedina, S.A., 2006, pp. 48-49.

126 cf. Idem, op. cit., p. 53. 127

Idem, op. cit., p. 61.

128

Cf. Gomes Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª Ed., Edições Almedina S.A., 2010, p. 450.

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proteção do conteúdo juridicamente garantido dos direitos dos outros. Assim sendo, entende- se que todos estes direitos podem e devem ser conformados, sempre obedecendo aos princípios e procedimentos metódicos das leis restritivas129.

10.6.1.1

Limites dos limites

As leis restritivas estão sujeitas, elas próprias, a uma vasta série de requisitos restritivos. Daí aqui falarmos de restrições às próprias restrições. Em primeiro plano haverá sempre que determinar o âmbito de proteção e averiguar a existência de uma verdadeira restrição através de lei. Posteriormente há que verificar se a lei restritiva, caso exista, preenche os requisitos constitucionais tipificados. Neste sentido encontramos seis questões essenciais, todas elas retiradas do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa:

1- Trata-se de uma lei formal e organicamente constitucional (estamos perante uma Lei da Assembleia da República ou de um Decreto-Lei do Governo?

2- Existe autorização expressa da Constituição para a imposição de limites) 3- A lei restritiva é de caráter geral e abstrato?

4- A lei restritiva tem efeitos retroativos?

5- A lei restritiva cumpre o princípio da proibição do excesso, prevendo apenas as restrições necessárias para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos?

6- A lei restritiva diminui a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais?130

11 POLÍCIA

Numa ótica de clara explanação e entendimento da investigação realizada, explicadas que foram já as motivações que precederam e incentivaram a produção deste trabalho, e terminado que está o primeiro capítulo referente à Política, vemo-nos na iminência de abordar por ora a Polícia, lato senso, procurando circunscrever até à essência o seu objeto, a sua necessidade e a sua missão, a sua organização, para terminar com as específicas e especiais características dos seus agentes.

129 Cf. Idem, op. cit., p. 451. 130 Cf. Idem, op. cit., p. 451 e ss.

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Óbvio nos parece que tenhamos de iniciar a exposição percorrendo sucintamente a história da Polícia, em Portugal e no mundo, através da sua inevitável ligação às primeiras formas de Política, da génese da Polis e organização primária das comunidades.

Não nos encontramos a realizar uma investigação subordinada a qualquer área académica relacionada com História, mas sim direcionada para as Ciências Jurídico-Políticas. Desta forma, o presente capítulo traduz-se apenas numa enunciação curta, mas rigorosa, dos momentos que ao longo do tempo e do espaço conduziram ao estado atual da Polícia em Portugal, pois este é o âmago do nosso estudo, e é à volta dele que toda a investigação e produção escrita terá, invariavelmente, que se centrar e desenvolver.

No entanto não podemos descurar que é crucial fazer tal correlação entre os diferentes momentos no tempo e a realidade atual, uma vez que as nossas propostas só são entendíveis se soubermos o que se passou até aqui, quais as alterações que ocorreram e com que origens e motivações. Daqui retirar-se-ão as consequências e os resultados que surtiram.

Incalculável em número e em mérito é a bibliografia existente em torno da matéria histórica que mais interessa ao nosso estudo. Porque não podemos socorrer-nos de toda ela, vimo-nos na iminência de selecionar aquela que melhor parece servir os nossos fins. Não por qualquer interesse discriminatório ou de maior valorização de umas obras perante outras, mas, tão só e apenas, porque nos encontramos a abordar um tema diretamente ligado à Polícia de Segurança Pública, escolhemos como bibliografia principal para este acervo histórico uma obra produzida por um quadro (elemento policial) desta força de segurança. - História da Polícia em Portugal, de Domingos Vaz Chaves.

De forma a não trazer-mos aqui uma visão simplista e redutora personificada por ideias de um só autor, socorrer-nos-emos de outras obras e pensadores que a nosso ver melhor contribuem para dar vida e corpo àquela que pretendemos ser a nossa visão, a nossa imagem da investigação. Inevitavelmente, toda esta achega será, em cada palavra e em cada linha, produzida e animada com as convicções próprias do investigador, com a sua forma natural de expressão, sem qualquer colagem aos autores retratados.

Antes de nos podermos fixar no termo concreto de Polícia, teremos que contextualizar a sua integração na sociedade (no Estado). Pedro José Lopes Clemente ensina que o exercício das funções governativa e legislativa é tarefa da direção do aparelho de Estado, denominando- se funções políticas, enquanto que as funções administrativa e jurisdicional pertencem ao corpo do aparelho de estado, integrando-se na categoria das funções técnicas131.

131 Cfr. Pedro Clemente, in A Polícia em Portugal, Coleção de Cadernos INA, Instituto Nacional de

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Socorrendo-nos de Marcello Caetano, que em nosso entender, explana organizada e concretamente que a Polícia se encontra na esfera de ação da Administração do Estado, aprendemos também que a função administrativa “engloba o conjunto de atividades que o Estado desenvolve para proporcionar aos indivíduos os benefícios concretos que determinaram a constituição da sociedade política”132 . A função policial está integrada nesta função administrativa.