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Fiscalização por órgãos independentes do poder político

A fiscalização reduz a suspeita e provoca credibilidade.

O Inspetor Geral da Administração Interna, António Henrique Rodrigues Maximiano, numa das suas alocuções, em Sidney, entre 5 e 9 de Setembro de 1999, referiu que a

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Marcello Caetano, Manual de Direito de Administrativo, Vol. I, 10ª Ed. Edições Almedina, S.A., 2010, pp. 134-135.

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democracia se caracteriza pela igualdade dos cidadãos perante a lei e pela existência de um controlo de cidadania sobre as mais variadas formas de exercício de poder, o que constitui como exigência do Estado de Direito democrático o controlo externo da atividade policial. É este desiderato que contribui de forma decisiva para a defesa dos direitos do homem, social e individualmente situado, do homem concreto, com identidade e rosto. Entende que só assim se podem conceber os direitos humanos, designadamente o direito à dignidade e à liberdade196. Assim também nós entendemos, quando controlado o homem, concreto, com cara e corpo, o cidadão por detrás da farda policial envergada.

A Inspeção Geral da Administração Interna é um dos órgãos independentes do poder político que zela pela fiscalização da atuação da Polícia de Segurança Pública. Quando falamos em independência da instituição de controlo face ao poder político, não se pretender significar independência do executivo, do Governo, pois certo é que que a IGAI é diretamente tutelada pelo Ministério da Administração Interna, dotado de um corpo de inspetores nomeados ministerialmente. No entendimento de António Maximiano o que é importante é descentrar o discurso da independência do governo para o discurso de independência entre o órgão de controlo e o seu destinatário, a polícia. Desta forma permitir-se-á, no futuro, dar uma especial atenção à eficácia e aos resultados obtidos pelas instâncias formais de controlo para que os cidadãos que se pretendem acautelar possam credibilizar essas mesmas instituições. Este sistema de controlo deve sempre ser exterior às polícias, as quais deverão também ser dotadas de mecanismos de controlo internos, exercidos de forma seletiva e transparente, permitindo que a opinião pública tenha conhecimento das suas atividades.

Estas instituições de controlo têm a sua razão de ser na máxima de que onde existe autoridade, existe sempre a possibilidade do seu abuso197.

12.7.1 Ciência da Administração/Responsabilidade disciplinar

Para chegarmos à responsabilidade disciplinar temos obrigatoriamente que passar, em primeiro plano, pela deontologia. Isto porque o vocábulo grego deón significa o obrigatório, o justo e o adequado198. A partir desta raiz e do sufixo loghia Jeremias Bentham criou, em 1834, a palavra deontologia, enquanto ciências das normas, enquanto meios para alcançar certos fins, fins estes que mais não são que determinar os deveres que devem ser cumpridos

196 Cfr. António Henrique Rodrigues Maximiano, CONTROLO EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL,

Inspeção Geral da Administração Interna, 1999, p. 35.

197 Cfr. Idem, op. cit., pp. 36 e ss. 198 Cfr. Idem, op. cit., p. 110.

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em determinadas circunstâncias sociais e, de modo muito especial, dentro de uma determinada profissão199.

Desta forma temos que a deontologia é a ciência que estabelece normas diretoras das atividades profissionais sob o signo da retidão moral ou honestidade, estabelecendo o bem a fazer e o mal a evitar no exercício da profissão.

De forma a aplicar cabalmente a deontologia na Administração Pública, e garantir a efetivação do interesse público, a presidência do Conselho de Ministros aprovou a “Carta ética da Administração Pública”, onde se consagram dez princípios, a saber: Princípio do serviço público, da legalidade, da justiça e imparcialidade, da igualdade, da proporcionalidade, da colaboração e da boa fé, da informação e da qualidade, da lealdade, da integridade, da competência e da responsabilidade. Os citados princípios são específicos, e entroncam ainda outros, de caráter geral200.

Posto isto, para efeitos do nosso estudo, considera-se infração disciplinar “o ato, ainda que meramente culposo, praticado por funcionário ou agente da PSP com violação de algum dos deveres, gerais ou especiais, decorrentes da função que exerce. Quando considerada em função de determinado resultado, a falta disciplinar pode consistir na ação adequada a produzi-lo ou na omissão do dever de evitá-lo, se oura for a intenção da lei”201.

Uma infração disciplinar é de natureza jurídica meramente formal ou de conduta, ou seja, não é material. Homicídio é de natureza material porque pressupõe a consumação de um ato. No caso de infrações disciplinares tal não tem que acontecer. Não é necessária a verificação do ato, a produção do resultado perturbador no serviço. Basta a circunstância do sujeito querer praticar a ação disciplinarmente punível. Desde que haja violação de um dever funcional, há infração. Só é infração disciplinar o ato cometido durante o exercício de funções.

Veiga e Moura define infração disciplinar de uma forma multifacetada, como a

“conduta externa, culposa, ilícita e prejudicial do trabalhador, traduzida na violação de deveres gerais ou especiais previstos na lei e inerentes às funções que executa e para as quais está habilitado”202

. Entende-a como uma infração claramente distinta da infração penal, não

199 Cfr. Idem, ibidem.

200 Isenção, zelo, obediência, lealdade, sigilo, correção, assiduidade, pontualidade e aprumo, conforme

Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei 7/90 de 20 de Fevereiro.

201 Cfr. António Henrique Rodrigues Maximiano, op. cit., pp. 112. 202 Idem, op. cit., p. 38.

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obstante partilharem alguns pontos comuns, na essência distinguem-se por fundamentos e objetivos diferentes e regras próprias e nem sempre condicentes.

A infração disciplinar, entendida como infração formal, cujo resultado não integra a previsão do ilícito disciplinar, constitui-se como uma infração de perigo e não de resultado. A infração ocorre, desde logo, com a simples violação culposa de qualquer dos deveres consagrados, independentemente da produção efetiva de um resultado com a lesão da norma, o qual se afirma apenas como uma agravante.

O mesmo autor defende ser inegável a dupla finalidade do poder disciplinar: por um lado confere à Administração meios para se defender das faltas dos seus trabalhadores e assegurar a ordem no interior dos serviços; por outro lado representa um imprescindível instrumento de proteção do próprio trabalhador contra o arbítrio da hierarquia administrativa, assegurando-lhe um conjunto de garantias essenciais203.

De referir também que a PSP e GNR, têm um estatuto disciplinar especial, o que impõe a existência de uma especialidade de regime de instituição. Esta legitimidade tem que recorrer da especialidade da função/instituição. Isto decorre da intensidade de disciplina das forças policiais. Mas, mesmo assim, está dependente do princípio da proporcionalidade.

Há que ver se a instituição não foi além das necessidades e exigências decorrentes da profissão. E se foi numa determinada altura, poderá ser sempre revisto e verificado numa altura posterior.

Paulo Veiga e Moura sustenta ainda que ninguém pode ser responsabilizado disciplinarmente por ações da vida particular praticadas na vida particular, a não ser que causem danos ao prestígio ou eficácia do serviço público ao qual pertencem, quando, e apenas, a causa justificativa do ato lesivo esteja justificada no serviço ou nas funções que nele o trabalhador exerce.204. Tal não deixa de significar, indireta, mas expressamente, que o agente policial tem vida para lá da sua profissão.

203

Idem, op. cit., p. 27-31 e 37.

204

Cfr. Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, 2ª Ed., Coimbra Editora, S.A., 2011, p. 53.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: A NOSSA CONTRIBUIÇÃO

O subsídio e a exposição das ideias próprias do autor de qualquer trabalho que se proponha a revestir científico, e mesmo nos casos em que não o seja, constituir-se-á invariavelmente como a sua mais-valia e o acrescento por excelência da teoria conhecida. Se se entende que a pesquisa bibliográfica é essencial para dotar um investigador de conhecimentos sustentados, não é menos importante a demonstração da integração que é feita de todos os conhecimentos adquiridos, seja ela feita de forma mais prática ou mais teórica. Conhecer as matérias em estudo, por si só não basta, é necessário fazer uso do que se aprende, e dessa forma contribuir para o caminho da descoberta, pois a sabedoria é, ela própria, adaptativa e evolutiva, não se lhe conhecendo um limite.

As linhas a seguir consignadas demonstrarão a posição do investigador face aos conteúdos apresentados, fazendo transparecer o seu entendimento e as suas intenções, sempre justificadas, afirmativa ou negativamente, por juízos e enunciados legais ou ideológicos de autores consagrados.