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Regime de exercício/restrição de direitos do pessoal da PSP

12.5 Direitos e Deveres

12.5.4 Regime de exercício/restrição de direitos do pessoal da PSP

Neste ponto não poderíamos deixar de analisar uma lição de Aristóteles. Este autor refere, relativamente à questão de saber qual é a melhor forma de governo (monarquia,

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aristocracia ou república), que um dos mais relevantes fatores é precisamente o número de representantes de uma determinada ordem política. Para este efeito ensina que uma multidão tende a julgar melhor que uma só pessoa, na medida em que quatro olhos veem melhor que dois, seis melhor que quatro e assim sucessivamente. A este respeito acrescenta ainda que uma multidão é menos dada a ofender (tal qual a água, “que quando mais abunda menos sujeita está a corromper-se”), uma vez que quando consideramos uma sociedade composta por pessoas livres, as quais aceitamos como sendo, globalmente, respeitosas à lei, pessoas de bem e bons cidadãos, serão, certamente, mais difíceis de corromper que uma só, na medida em que têm a vantagem do número. Aristóteles vai ainda mais longe, ao considerar que várias pessoas honestas “não fazem senão uma pela unidade de espírito” 186

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O que atrás está explícito mais não demonstra que, caso se aceite uma participação cívico-política mais interventiva do elemento policial, acarretará sempre a sua respetiva supervisão, integrada na multidão dos elementos constituintes de uma força de segurança. Um cidadão enquanto polícia, por si só, não tem capacidade para moldar toda uma instituição, e apenas por ele fazer vincular uma qualquer inclinação política da instituição que representa.

A Lei 6/90, de 20 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento Disciplinar da PSP, alude expressamente ao exercício de direitos do pessoal da PSP. Logo no artigo 1º estatui que a PSP tem por funções defender a legalidade democrática e os direitos dos cidadãos. Logo, coloca-a como pilar básico na garantia do exercício de direitos de todos os cidadãos, garantindo que qualquer limitação que lhes possa ser imposta, por maior força de razão, tenha que ser sempre equitativa e proporcional, e devidamente justificada por razões inerentes ao serviço, pois não se pode perceber de maneira distinta que à entidade à qual cabe zelar por direitos dos cidadãos, eles também cidadãos visados, defendam os de outrem e não acarinhem os seus próprios. Há que ter sempre presente que quem garanta o exercício de direitos dos cidadãos, é, também o próprio, um cidadão.

No artigo 3º encontramos que o pessoal da PSP, em funções, goza dos direitos e está sujeito aos deveres previstos na lei geral para os funcionários e agentes da Administração Pública, o que vai de acordo ao antes dito, que o próprio agente que tem por missão salvaguardar os direitos de terceiros, seja ele próprio um visado nesse exercício, na sua qualidade de cidadão.

O artigo 4º da presente Lei refere-se à isenção a que deve obedecer o pessoal policial, o qual não pode, sob qualquer circunstância, servir-se da sua qualidade, do seu posto ou da

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sua função para qualquer intervenção de caráter político ou partidário. Atente-se que este artigo se refere a valer-se de circunstâncias atinentes ao serviço, o que já de si não é uma cláusula geral, mas uma cláusula concreta. Tal reforça o sentido de que, enquanto cidadão e enquanto polícia, quando intervier politica ou partidariamente, não se pode valer da sua condição policial para retirar desforço. De outra maneira, não podendo o pessoal policial participar partidária e politicamente de forma nenhuma, que sentido faria tal consagração? Deixaria de ter objeto.

Por último encontramos no artigo 6º, sob a epígrafe de restrições ao exercício de direitos que ao pessoal com funções policiais em serviço efetivo na PSP está vedado fazer declarações que afetem a subordinação da polícia à legalidade democrática e à sua isenção política e partidária. Mais uma vez só se pode interpretar a presente estatuição no sentido positivo, ou seja, que pode fazer declarações políticas e partidárias quando tal não afete a polícia enquanto instituição.

O mesmo texto aparece consagrado no Estatuto de Pessoal da PSP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 299/2009, de 14 de Outubro, no seu artigo 5º, que no número 4 veda ao pessoal policial fazer quaisquer declarações que afetem a subordinação da PSP à legalidade democrática e à sua isenção política e partidária.

No moderno Estado de direito não parece verosímil colocar-se a legalidade distante e independente da legitimidade. Queremos com isto dizer que a legalidade dependerá sempre daquilo que a população na sua maioria (subjetividade social) considera ser correto e justo187. Se a legalidade é a normalidade, o conjunto de regras segundo as quais se exerce o domínio, a legitimidade contem a razão pela qual o domínio funciona de determinada maneira. Tal relação é designada de direito positivo188.

A ordem jurídica para se legitimar não deve contrariar os princípios morais. Claro está que a moral vigente numa determinada sociedade não surge espontaneamente nem é um dado objetivo e concretamente mensurável, no entanto ressoa como um produto da vontade humana, e é variável conforme as circunstâncias de tempo, modo e lugar. Daqui resulta a principal motivação ao nosso trabalho e a toda a investigação desencadeada. A moral conduziu no passado a sociedade portuguesa a considerar conflituoso o facto de um elemento

187 Dever-se-á considerar a todo o momento que a Lei, no seu sentido lato, é feita por representação, ou seja, o

cidadão singular faz-se representar coletivamente através do poder politico democraticamente eleito. Por assim dizer, todas as diretivas emanadas pelo Estado vão no sentido de suprir necessidades comuns a todos, por aceitação tácita de todos.

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policial exercer duas funções em paralelo ou em complemento, de segurança e de ênfase político, pelas razões já atrás referidas. No entanto, num novo panorama social e num sistema político já amadurecido, passado que vai já mais de um quarto de século desde a última grande convulsão social que culminou na Revolução dos cravos, e fruto da globalização, a sociedade está mais aberta à mudança e mais ciente da crescente necessidade, imperatividade até, de participação de todos na construção e desenvolvimento do Estado democrático. O elemento policial, enquanto civil, integrado na função pública, embora dotado de poderes coercivos, não pode ainda ser visto como o elemento policial do Estado polícia. A sua capacidade de cidadania deve ser plena enquanto cidadão, e ajustada enquanto profissional, sempre vinculado àqueles que são os limites da sua atuação.

As restrições ao exercício de direitos encontram-se legitimadas no artigo 270º da CRP, tratado em ponto próprio. Este ponto, pretendemos apenas enunciar que as restrições, de acordo com o estipulado no texto constitucional, tratando-se, então, dos direitos de manifestação, reunião, associação, petição coletiva e capacidade eleitoral passiva. Ora, desde logo ficamos cientes que poderão haver restrições ao exercício destes direitos. Restrições são entendidas enquanto limitações, não enquanto proibições absolutas. Tal entendimento é-nos dado pelo mesmo artigo, onde lemos que poderão os direitos estar sujeitos a restrições quando na estrita medida das suas funções. Se se tratasse de uma cláusula geral de exclusão dos direitos, a menção à estrita medida das funções estaria desprovida de qualquer significado.

O Estatuto do Pessoal da PSP, consagra no seu artigo 10º que o pessoal policial está sujeito ao regime geral de incompatibilidades, impedimentos e acumulações de funções públicas e privadas aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas, sem prejuízo do regime de impedimentos, recusas e escusas do Código de Processo Penal. O mesmo resulta do artigo 3º n.º 1 do Regulamento Disciplinar da PSP.

Eurico João Silva admite que, por vezes, mesmo com a melhor das preparações, a realidade e os problemas do dia-a-dia colocam o elemento policial perante situações para as quais pode não ter uma resposta imediata, podendo mesmo chegar ao ponto de inibir a sua atuação, precisamente pelo facto de se lhe depararem situações incomuns, invulgares e extraordinárias. Mais, admite que em muitas dessas situações, dado o seu contorno, o quadro normativo que as representa pode não ser inteiramente claro e suscitar dúvidas no momento do confronto e da necessidade de estar e de atuar do policia189.

189 Cfr. Eurico João Silva, op. cit., p. 37.

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Ora, dizemos, nós, se o quadro normativo que as representa não está devidamente claro, e a política visa, como já tratado no capítulo respeitante à Política, aprimorar as lacunas que eventualmente surjam nas previsões legais e na gestão da sociedade, não poderia o polícia intervir neste equilíbrio ao nível político com as suas propostas, com a sua experiência? Aristóteles reforça esta intenção, quando diz que “se a discussão da teoria tem a sua liberdade, a prática também tem a sua necessidade” 190. Também no pensamento de Montesquieu, “há leis que o legislador compreende tão mal que são até contrárias ao objetivo a que foram propostas”191. Por este motivo, e para preservar a ordem jurídica no seu âmbito mais perfeito e idóneo possível, o mesmo autor argui que não se devem separar as leis do objeto para o qual foram feitas, nem das circunstâncias em que foram feitas. Caso se verifiquem lacunas ou dificuldade na interpretação, antes de serem erradamente interpretadas e aplicadas, devem existir novas leis que corrijam as anteriores. É de tal forma relevante este seguimento, que Montesquieu confiou subcapítulos separados ao tratamento dos conceitos de interpretação espacial, temporal e casuístico das leis.

É de todo conveniente salvaguardar que Montesquieu refere, concretamente, que a ideia de uniformidade das leis é enganadora, e deve ser bem atentada. Não considera sempre e sem exceção apropriado que a polícia tenha sempre os mesmos pesos, o comércio as mesmas medidas, o Estado as mesmas leis. Cada caso é um caso, e o mal de mudar é sempre menor que o mal de suportar, daqui que entendendo a uniformidade como necessária e útil, não menos relevante considera que a grandeza do génio baseia-se em saber quando é de privilegiar a diferença192.

Gomes Canotilho e Vital Moreira realçam que apenas os elementos integrantes dos quadros permanentes estão sujeitos às restrições de direitos, sendo que para os militares, por exemplo, desde logo exclui aqueles que, quando obrigatório, se encontravam a cumprir o serviço militar 193 , e atualmente os voluntários, por não pertencerem aos quadros, acrescentamos nós.

190 Aristóteles, op. cit., p. 25. 191

Montesquieu, op. cit., p. 773 e ss.

192 Idem, ibidem. 193

Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, Coimbra Editora, 2010, pp. 847 e ss.

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