• Nenhum resultado encontrado

12.5 Direitos e Deveres

12.5.2 Impedimentos e incompatibilidades

Diz Aristóteles que a igualdade é, efetivamente, a base do Direito. Porém, “muitas vezes, os homens são maus juízes no seu próprio interesse. A igualdade donde resulta a justiça existe, como o demonstra a nossa ética, nas pessoas e nas coisas. Facilmente se está de acordo sobre a igualdade das coisas”, porém é sobre a igualdade das pessoas que se levantam contestações porque os homens tendem a querer “dar aos seus direitos uma extensão ilimitada” 182. Nesta discussão entra a democracia, sistema este onde se reconhece como justo o que é decidido pela maioria das opiniões. Como já referimos atrás, e na ótica do mesmo autor, a lei é “o que agrada à pluralidade dos cidadãos. Em matéria de igualdade e de justiça, não é fácil encontrar-se uma verdade exata”183.

John Locke, como já vimos em ponto anterior, referindo-se às sociedades políticas, lembra184 que quem abandona o estado de natureza para se juntar a uma sociedade política cede todo o poder que é necessário para a prossecução dos fins que o levaram à sua adesão, ou seja, o suprimento das suas necessidades. Todas as sociedades políticas tiveram a sua

182 Aristóteles, op. cit., p. 123. 183 Idem, op. cit., p. 124. 184 Idem, op. cit., p. 297.

92

origem a partir de uma união voluntária e do acordo mútuo entre homens que agiram livremente na escolha dos seus governantes e das suas formas de governo.

Também São Tomás de Aquino discorre no mesmo sentido, devendo no seu entender dizer-se que os princípios comuns da lei da natureza não podem aplicar-se do mesmo modo a todos, por causa da múltipla variedade das coisas humanas. É necessário que cada coisa que é em vista de um fim seja determinada segundo a sua proporção a este fim185.

Concretamente no que aos impedimentos e incompatibilidades respeita, há, desde logo, que observar a Constituição da República Portuguesa. No seu artigo117º faz menção, no n.º 2, que à lei compete dispor sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, as consequências do respetivo incumprimento, bem como sobre os respetivos direitos, regalias e imunidades. Por sua vez os artigos 150º e 154º também aludem a impedimentos, desta feita de ordem das condições de elegibilidade dos cidadãos para a Assembleia da República. O artigo 216º, respeitante aos tribunais, indica as incompatibilidades inerentes, especificamente, à condição dos juízes.

O que mais interessará ao nosso trabalho encontra-se previsto nos artigos 269º e 270º da CRP, os quais remetem para o regime geral dos impedimentos e incompatibilidades, dizendo expressamente que “a lei determina as incompatibilidades entre o exercício de cargos públicos e o de outras atividades”. Não faremos aqui ulterior análise da CRP, pois será tratada com detalha mais adiante na Dissertação.

Regressando ao enunciado no ponto anterior, referente aos deveres negativos, que a lei designa de impedimentos e incompatibilidades, encontramos o artigo 26º da LVCR, que refere que “as funções públicas são, em regra, exercidas em regime de exclusividade”. Daqui

resulta que a acumulação destas funções com outras de natureza pública ou mesmo privada reveste caráter excecional, só sendo passível de ocorrência nos casos expressamente tipificados nos artigos 27º a 29º do mesmo diploma.

Continuando, encontramos que o artigo 30º da LVCR, em conjugação com os artigos 44º e ss. do CPA, consagram um enunciado de situações cujas funções acumuladas (públicas ou privadas) são suscetíveis de serem impedidas ou se tornarem incompatíveis com o exercício de funções públicas.

De acordo com o artigo 4º do Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos ou Altos Cargos Públicos, aprovado pela Lei 64/93, de 26 de Agosto, a titularidade de órgãos de soberania e de cargos políticos é incompatível com

93

quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas de fins lucrativos. A estas restrições aplica-se ainda o disposto no artigo 5º, como forma de salvaguarda de isenção, em que os mesmos titulares de órgãos de soberania ou de cargos políticos, até três anos após a cessação das suas funções, não podem exercer cargos em empresas privadas que prossigam atividades na área ou setor por eles diretamente tutelado.

Por seu lado, o regime de exclusividade em nada contraria o objeto fulcral da presente investigação. Somos a entender que, em caso de possibilidade de desempenho de funções políticas de qualquer tipo, desde que remuneradas, deverá haver uma quebra de vínculo contratual, seja por suspensão, seja pelo próprio desligamento.

O tipificado no artigo 5º do referido regime acrescenta ainda que, nos três anos subsequentes ao fim do vínculo ao cargo político, o seu anterior titular não poderá exercer funções em empresas privadas que prossigam atividades no setor diretamente por eles tutelado, quando tenha havido, no período do respetivo mandato, qualquer operação de privatização ou tenham beneficiado de qualquer benefício fiscal de natureza contratual ou incentivo financeiro.

De acordo com o artigo 6º, um Presidente de Câmara e a título de regime de permanência, sujeito a sufrágio público, pode exercer paralelamente, a tempo inteiro ou parcial, outras atividades, desde que o comunique ao tribunal Constitucional e à Assembleia Municipal. A esta cláusula obstam apenas os demais regimes de incompatibilidades e impedimentos que estejam em vigor noutras leis, relativamente ao exercício de cargos ou atividades profissionais a que se refiram.

Atenção ao registo de interesses transcrito no artigo 7º-A. O registo de interesses, aos quais estão obrigados os Deputados da Assembleia da República, e que é facultativo nas autarquias, consiste na redação em livro próprio para o efeito, de todas as atividades suscetíveis de gerar conflitos de interesses, incompatibilidades ou impedimentos e quaisquer atos que possam proporcionar proveitos próprios financeiros. Em especial, têm que ser registados os casos em que o titular do cargo político prossiga atividades públicas ou privadas, comerciais ou empresariais, bem como o exercício de função liberal, ou entidades às quais preste qualquer tipo de serviços remunerados.

Relativamente a sociedades, um titular de cargo político que detenha quota superior a 10% em qualquer sociedade, vê-a privada de poder participar em qualquer contato com o Estado ou pessoa coletiva pública.

94

Outras das limitações/restrições residem no artigo 9º, especificando que os titulares de cargos políticos estão impedidos de servir de árbitro ou de perito, a título gracioso ou remunerado, em processos cuja parte interessada seja o Estado ou pessoa coletiva pública.