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Dispositivos móveis e o pertencimento na e-cidadania brasileira

6 APLICATIVOS MÓVEIS E CIDADANIA NO BRASIL

6.5 Dispositivos móveis e o pertencimento na e-cidadania brasileira

O pertencimento é definido por Bellamy (2008) como o status de ser um membro de uma comunidade política e poder participar em condições de igualdade na concepção da vida coletiva.

Entretanto, essa dimensão sempre foi marcada por uma conotação de privilégio, por limites sociais, éticos, políticos e econômicos que levam a inclusão de determinado grupo e à exclusão de outros (GORCZEVSKI E MARTIN, 2011; BELLAMY, 2008)

Na cidadania eletrônica, essa inclusão na comunidade política e o exercício da cidadania de forma ampliada implica depende do acesso aos meios de informação e comunicação virtuais (BASTIANI et al, 2014).

No Brasil, em 2015, o percentual de indivíduos que utilizam a internet no país alcançou 59% em relação ao total da população, o que representa um aumento em relação aos 57% registrados em 2014 e 51% em 2013 (ITU, 2016); mas que ainda indica alto percentual de exclusão digital no país.

A inclusão digital é desde 2002, uma das diretrizes estabelecidas para o e-gov brasileiro (BRASIL, 2002) para promover a afirmação de novos direitos e a consolidação de outros pela facilitação do acesso às ferramentas eletrônicas.

Não se trata, portanto, de contar com iniciativas de inclusão digital somente como recurso para ampliar a base de usuários (e, portanto, justificar os investimentos em governo eletrônico), nem reduzida a elemento de aumento da empregabilidade de indivíduos ou de formação de consumidores para novos tipos ou canais de distribuição de bens e serviços (BRASIL, 2002).

Dessa forma, as diretrizes estabelecem também que a inclusão digital deve ser tratada como um elemento constituinte da política de governo eletrônico, para que ela possa se configurar como uma política universal. “Esta visão funda-se no entendimento da inclusão digital como direito de cidadania e, portanto, objeto de políticas públicas para sua promoção.” (BRASIL, 2002).

As políticas públicas de inclusão digital não são tratadas de forma integrada no país. Na verdade há uma série de programas independentes e desarticulados.

O Programa de Inclusão Digital brasileiro foi instituído em 2005 (BRASIL, 2005), mas restringia-se à redução das alíquotas da contribuição para o PIS/ Pasep e da Confins sobre a venda de equipamentos de informática produzidos no país.

Em 2009 foi criado o Programa Nacional de Apoio à Inclusão Digital nas Comunidades (Telecentros.BR), coordenado pelos ministérios do Planejamento,

orçamento e gestão, das Comunicações e da Ciência e Tecnologia; com o objetivo de implantar e manter telecentros públicos e comunitários para o acesso à internet.

No ano seguinte foi lançado o Programa Nacional de Banda Larga (BRASIL, 2010), conduzido pelo Ministério das Comunicações, para promover a inclusão digital por meio da massificação do acesso a conexão à internet banda larga fixa. O programa também tinha como objetivos ampliar os serviços de governo eletrônico e facilitar aos cidadãos o uso dos serviços do Estado, além de promover a capacitação da população para o uso das tecnologias de informação.

Em 2009 foi criado o Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital (CGPID), composto por representantes de nove ministérios e da Presidência da República promover a articulação entre os diversos envolvidos com as ações de inclusão digital. Apesar de não ter sido oficialmente desativado, as ações do comitê limitaram-se à realização de duas reuniões em 2010 (BRASIL, 2015).

Em 2011, foi criada no Ministério das Comunicações a Secretaria de Inclusão Digital, que teria entre outras atribuições coordenar as políticas e promover a articulação entre órgãos e atores relacionados. A condução do Plano Nacional de Banda Larga competia a outra secretaria do MC, a Secretaria de Telecomunicações (STE). E à Secretaria Executiva do Ministério, competia cuidar da política de desenvolvimento de conteúdos, incluindo a Política Nacional de Conteúdos Digitais Criativos, da qual se originou o concurso InovApps.

Embora essas ações estivessem todas dentro de unidades do Ministério das Comunicações, em alguns programas, a participação do ministério se restringia “ao fornecimento de conexão à internet e, em outros, como no programa Amazônia Conectada, ao simples acompanhamento da ação, sem desempenhar seu papel de coordenador e articulador da política.” (BRASIL, 2015).

Além disso, há outras questões que dificultam a condução e mesmo a avaliação de resultados das políticas de inclusão digital.

Na maioria dos programas de inclusão existem fragilidades relevantes relacionadas às metas e aos prazos estabelecidos, aos indicadores utilizados e à definição dos responsáveis. Da mesma forma, foram pontos de crítica o horizonte temporal de planejamento, a falta de atualização periódica das ações e a ausência da necessária avaliação da efetividade dos programas (BRASIL, 2015).

Em 2016 essas políticas passaram por novas mudanças, com o lançamento do Programa Brasil Inteligente (BRASIL, 2016), descrito pelo governo como nova etapa do Programa Nacional de Banda Larga, com o objetivo de universalizar o acesso à internet

no país por meio da expansão das redes de transporte em fibra ótica nas áreas urbanas e da ampliação da cobertura de vilas e de aglomerados rurais com banda larga móvel.

Para Mariscal, Gamboa e Marín (2014) a inclusão da banda larga móvel nas políticas de expansão da internet é um passo importante para democratizar o acesso às tecnologias da informação e comunicação, principalmente em países em desenvolvimento como os latino-americanos.

O declínio constante do preço dos dispositivos, juntamente com a alfabetização digital que já existe no uso de dispositivos móveis, e sua ubiquidade, mesmo nos setores de menor renda da população, torna esta plataforma o tipo preferido de conexão à Internet na região86 (MARISCAL; GAMBOA; MARÍN, 2014,

p.104, tradução nossa).

No Brasil, os dados de crescimento da banda larga móvel são expressivos. A quantidade de assinantes das redes móveis atingiu em 2015, número compatível com 88% da população. Em 2014 esse número era de 78% e em 2013, 54%(UIT, 2016).

Além disso, os telefones celulares mostraram-se os dispositivos mais utilizados pela população brasileira para acessar a internet (CGI.BR, 2015). Segundo o Comitê Gestor da Internet no Brasil (2015), 98 milhões de brasileiros com 10 anos ou mais acessam a internet por meio de telefones móveis. O número já representa 56% da população e mostra um crescimento gradual ao longo dos anos. Em 2011, apenas 15% da população utilizava os telefones móveis para acessar a rede, em 2012 esse número subiu para 20%, seguido por 31% em 2013 e 47% em 2014.

Dados de 2015 indicam também que 35% dos usuários de internet acessaram a rede apenas pelo telefone celular, o que indica que os dispositivos móveis podem estar se tornando uma importante fonte para o acesso à internet no país (CGI.BR, 2015).

Para o CGI.BR (2016), um dos fatores que contribuiu para que os telefones celulares passassem a ser o equipamento mais utilizado para acessar a internet no Brasil foi a desoneração dos smartphones, que desde 2012 também ficaram isentos dos tributos federais PIS/PASEP e COFINS, como forma de reduzir o preço dos aparelhos ao consumidor (BRASIL, 2016).

Porém, a política de desoneração também é conturbada. A Lei 11.196 de 2005, que ficou conhecida como a Lei do Bem, instituiu a isenção fiscal de dispositivos que promovessem o acesso à internet. Em 2012 a Lei 12.715, entre outras providências,

86 Do original em Ingles: The steady decline in the price of terminal devices along with the digital literacy

that already exists in the use of mobile devices, and their ubiqiuty, even in the lower income sectors of the population, makes this platform the preferred type of Internet connection in the region (MARISCAL;

incluiu expressamente os smartphones entre esses dispositivos, que passariam então a estar isentos do PIS/COFINS até dezembro de 2018.

Em 2015, a Medida Provisória n° 690 revogou a desoneração de impostos sobre os aparelhos, que deveriam voltar a ser tributados a partir de janeiro de 2016. Entretanto, limiar concedida pela Justiça Federal manteve a desoneração.

O tema ainda é objeto de discussões entre o governo, o Congresso Nacional e a indústria de informática e não há definições claras sobre como será conduzido nos próximos anos.

Dessa forma, apesar da possível contribuição dos smartphones para a democratização do acesso à internet, não há nas políticas de inclusão digital uma estratégia sustentável para garantir sua utilização de forma efetiva para a inclusão digital. Até mesmo porque essa estratégia não envolveria somente a redução dos custos dos aparelhos. Envolve também a redução dos custos de acesso à banda larga móvel e a oferta de redes wifi gratuitas, que hoje estão disponíveis para apenas 26% dos municípios brasileiros (IBGE, 2014).

Além disso, é necessário considerar também a questão da alfabetização digital, algo que era inicialmente previsto no Programa Nacional de Banda Larga, mas que não foi expressamente considerado em sua atualização, o Programa Brasil Inteligente. A alfabetização digital inclui aspectos relacionados à formação e competência dos indivíduos para utilização das TIC, mas abrange também sua confiança na competência de utilizar as tecnologias.

De acordo com a OCDE (2011), a falta de confiança do cidadão na sua própria capacidade de utilizar as tecnologias móveis é um dos fatores que pode levar a resistências ao uso de soluções de governo móvel. Essa falta de confiança decorre de um baixo nível de alfabetização digital entre os usuários dos novos serviços

Ainda há segmentos da população que não possuem um nível adequado de alfabetização digital necessário para utilizar as tecnologias móveis em toda a sua extensão, o que pode causar sua exclusão das novas oportunidades de interagir mais facilmente e convenientemente com o setor público trazido pelo m-governo87 (OCDE, 2011, p. 67, tradução nossa).

Esse aspecto deve então ser considerado pelos governos no desenvolvimento de políticas que auxiliem na criação de habilidades entre os cidadãos para o uso dessas

87 Do original em Inglês: There are still segments of the population that do not have the right level of digital

literacy required to use mobile technologies to their full extent, which may cause their exclusion from the new opportunities to interact more easily and conveniently with the public sector brought about by m- government (OCDE, 2011, p. 67).

tecnologias. Isso será “de fato essencial para evitar a criação de novas formas de exclusão digital e para obter os benefícios dos investimentos e governo móvel.88” (OCDE, 2011,

p. 67, tradução nossa).

A adoção de dispositivos móveis para a prestação de serviços eletrônicos tem sido apontada como uma vantagem na medida em que os indivíduos já estão adaptados ao uso dessas ferramentas em suas vidas diárias, o que diminuiria a necessidade de alfabetização digital (KUSHCHU, 2007; GOGGIN; MARISCAL; GAMBOA; MARÍN, 2014; HJORTH, 2014).

Para o diretor do Departamento de Governo Digital, a integração desses dispositivos ao cotidiano das pessoas, em especial das mais jovens, auxilia também no processo de transmissão de conhecimentos aos que ainda não estão se adaptado às novas ferramentas. “Acredito que essa capacitação também virá das gerações familiares. Ela não virá de uma sala de aula, ou um telecentro. Ela virá do filho, do neto, e se não vir, a capacitação virá do ‘faz pra mim? Faço’. Então haverá um consumo nessa linha.”89

(ARAÚJO, 2016, informação verbal).

Apesar das facilidades que a utilização dos dispositivos móveis pode trazer para a alfabetização digital, ainda é de se considerar que os níveis educacionais da população, algo que também influencia o acesso às informações, serviços e ferramentas de participação não serão resolvidos sem uma atuação do Estado nessa direção.

Da mesma forma, também depende da atuação do Estado o acesso a dispositivos e conexões de qualidade por preços compatíveis com a renda nacional. Tudo isso leva à necessidade de uma política de governo eletrônico desenvolvida e implementada de forma sinérgica com as demais políticas relacionadas. O que requer grandes mudanças na forma de pensar dos gestores e nas estruturas de governança (OCDE, 2011).