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6 APLICATIVOS MÓVEIS E CIDADANIA NO BRASIL

6.1 Ambiente político e institucional

6.1.1 Interlocução entre políticas e atores

As políticas públicas envolvem não apenas os normativos existentes, mas também as decisões e interações entre indivíduos e instituições afetadas (SUBIRATS, 1992). Essa rede de atores que se cria ao redor de uma questão, bem como as funcionalidades ou desfuncionalidades das medidas tomadas por eles em relação aos objetivos pretendidos, mostram muito sobre a influência dessas interações sobre os resultados obtidos (SUBIRATS, 1992).

A articulação entre atores e políticas envolvidos está entre as diretrizes traçadas para o governo eletrônico brasileiro (BRASIL, 2002) para as quais o sucesso do e-gov depende da integração de políticas, padrões, normas e métodos para sustentar as ações de implantação e operação do governo eletrônico e cobrir fatores críticos.

As diretrizes também estabelecem que a implantação do governo eletrônico não pode ser vista como um conjunto de iniciativas de diferentes atores governamentais que podem manter-se isoladas entre si. “Pela própria natureza do governo eletrônico, este não pode prescindir da integração de ações e de informações” (BRASIL, 2002).

Apesar dessas diretrizes, o ambiente político e institucional que envolve a produção de aplicativos móveis de interesse público é marcado pela atuação independente de diferentes atores, em especial o Ministério do Planejamento, que conduz a política de governo eletrônico, e a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, responsável pela Política de Comunicação do Governo Federal, na qual se insere a Identidade Padrão de Comunicação Digital.

O Ministério do Planejamento tem a competência legal de propor políticas e diretrizes para a modernização do Estado (BRASIL, 2016). Dentro de sua estrutura está

a Secretaria de Tecnologia da Informação (STI), que tem a atribuição de propor políticas, supervisionar e orientar normativamente as ações de governo digital em relação a padronização, disponibilização de serviços digitais, acessibilidade digital e abertura de dados (BRASIL, 2016).

Para isso, a STI conta com o departamento de Governo Digital, responsável por:

I – coordenar, disciplinar e articular a implantação de ações integradas de governança digital na administração pública federal;

II – promover e coordenar ações relacionadas à expansão da prestação de serviços públicos por meios digitais na administração pública federal; III – promover e coordenar ações de sistematização e disponibilização à sociedade de dados e informações relacionados às ações da administração pública federal;

IV – promover a transparência ativa e a participação da sociedade no ciclo de políticas públicas por meio digitais; e

V – definir, publicar e disseminar padrões e normas em governo digital e coordenar a sua implementação (BRASIL, 2016).

Em resumo, compete Ministério do Planejamento, por meio da STI e do Departamento de Governo Digital, a coordenação de ações e a proposição de políticas, padrões e normativos relativos à governança digital, o que inclui a prestação de serviços públicos digitais, a transparência ativa e a participação da sociedade no ciclo de políticas públicas por meio digitais.

No campo normativo essas atribuições têm sido exercidas por meio da publicação de manuais, padrões e recomendações direcionados principalmente para os sítios e portais do governo na internet, como o Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico (e-MAG), os Padrões WEB em Governo Eletrônico (e-PWG), e os Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico (e-PING).

Em relação aos portais de governo, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, unidade integrante da Casa Civil, desenvolveu em 2014, um modelo de portal padrão, como uma das ações decorrentes do projeto Identidade Padrão de Comunicação Digital. O projeto tinha o objetivo de qualificar a comunicação do governo “mediante a padronização da experiência de uso, de forma a permitir que o cidadão encontre e utilize, com mais facilidade, informações sobre políticas públicas, equipamentos e serviços oferecidos pelo Governo Federal” (BRASIL, 2014).

Para isso, além do modelo de portal padrão, foram desenvolvidos o Manual para Gestão de Conteúdo do Portal Institucional Padrão, o Guia de Estilo de Sítios e Portais da Identidade Padrão de Comunicação Digital, o Manual de Funcionalidades

Avançadas para Portais e o Manual de Diretrizes para Ambientes Funcionais, entre outros.

O projeto de qualificar as propriedades digitais do governo por meio de uma padronização das experiências de interação, o que inclui a identidade visual, encaixa-se nas competências legais da Secom/PR, que preveem a “coordenação e consolidação da comunicação governamental nos canais próprios de governo” (BRASIL, 2016), além da formulação e da implementação da política de comunicação e divulgação social do poder executivo federal (BRASIL, 2016).

O Guia de Aplicativos do Governo Federal nasceu do projeto de Identidade Digital do Governo como um ambiente funcional destinado a reunir os aplicativos ofertados ao cidadão.

Para esses ambientes, que também incluem os guias de serviços, foi desenvolvido um Manual de Diretrizes para Ambiente Funcionais, que em relação ao guia de aplicativos, orienta apenas que as ferramentas também sejam disponibilizadas nas páginas oficiais dos órgãos.

As ações da Secom/PR em relação ao uso de aplicativos pelo Governo Federal limitam-se a reuní-los no Guia, como parte de sua atuação de coordenar a comunicação do Governo Federal. Entende-se que, em termos normativos, a criação de uma estratégia para a utilização desses aplicativos como ferramenta de governo eletrônico já seria uma competência do Ministério do Planejamento, aplicando, no que coubesse, os princípios de comunicação digital traçados para qualificar as experiências de interação.

Porém, uma utilização estratégica dos aplicativos ainda não é considerada nem na política de governo eletrônico nem na de comunicação digital. Mesmo a gestão do guia de aplicativos é cercada por indefinições.

Ainda em 2015, no contexto desta pesquisa, o Departamento de Governo Eletrônico do Ministério do Planejamento foi consultado por e-mail sobre a gestão do Guia de Aplicativos e sua integração com as políticas de governo eletrônico. O ministério respondeu que a página não se relacionava à atuação do departamento de e-gov e que era gerenciada pela Secretaria da Administração da Presidência da República (atual Secretaria de Governo). Essa secretaria também foi consultada por e-mail sobre suas responsabilidades sobre o Guia, mas não respondeu.

Em 2016, obteve-se, durante as entrevistas, a informação de que a gestão do Guia teria sido enviada à Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Uma vez que a transição governamental de 2016 inviabilizou a entrevista com gestores da

Secom/PR, foi realizada consulta por meio do sistema eletrônico de acesso à informação (eSIC)77 sobre o gerenciamento do Guia de Aplicativos.

O histórico de tramitação do pedido de acesso à informação já indica falta de clareza dentro do governo sobre as responsabilidades em relação ao Guia. O pedido foi direcionado à Secom/PR no dia 18/8/2016. Cinco dias depois a Secom encaminhou a demanda ao Ministério do Planejamento. No mesmo dia, o Serviço de Informações ao Cidadão do Ministério reencaminhou à Secom justificando que se tratava de atribuições da secretaria.

Somente vinte dias depois a Secom/PR respondeu, informando que era responsável “apenas” pela autorização de novos aplicativos no Portal, e que isso era realizado por seu Departamento de Internet e Eventos.

Percebe-se então que nenhum dos dois atores assume uma real responsabilidade para a utilização estratégica do guia ou das ferramentas nele catalogadas.

Chama atenção também o fato de a unidade da Secom/PR responsável pela publicação dos novos aplicativos ser o Departamento de Eventos e Internet e não o Departamento de Comunicação Digital, responsável pela Identidade Digital de Governo, projeto que originou a página.

Isso se soma a uma evidência identificada nas entrevistas de que já não existiria tanto interesse da Secom/PR em manter o Guia sob sua responsabilidade, o que se relacionaria também com as variações dos interesses políticos a que a secretaria está sujeita e que impacta também sua interação com outros órgãos. O diretor do Departamento de Governo Digital do Ministério do Planejamento resume a situação.

As ações desenvolvidas lá no Planalto vêm com peso político muito forte, o que por certo ponto é interessante. Entretanto elas são muito sucintas à sazonalidade do governo e vamos combinar que os últimos anos foram muito turbulentos ali no Planalto. Então isso foi perdendo muita força, tanto é que o aplicativos.gov.br eles tentam exportar para nós “porque não, isso não é assunto nosso”. É interessante porque naquela ocasião certamente houve uma discussão e ganharam uma briga até porque é o Palácio do Planalto, enfim. Essa interação ela existe, mas ela está sujeita a essa sazonalidade de governo78

(ARAÚJO, 2016, informação verbal).

Enquanto nenhum órgão assume verdadeiramente a responsabilidade sobre o Guia, a página se restringe a ser meramente uma plataforma agregadora de ferramentas,

77 Solicitação de acesso à informação protocolada sob o número 00077000937201667 78 Entrevista concedida por Wagner Araújo à pesquisadora no dia 15 de julho de 2016.

sem que haja uma verdadeira preocupação em garantir a qualidade do que está ali disposto ou em direcionar o conteúdo e as funcionalidades dos aplicativos para o atendimento das necessidades do cidadão ou do próprio governo.

Assim, constatando-se um quadro de baixa articulação institucional entre as políticas e os atores relacionados à produção de aplicativos móveis de interesse público, parte-se para os passos seguintes propostos por Subirats (1992) que compreendem a verificação de existência de regras próprias para o tema e do estabelecimento de objetivos e prioridades.