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6 APLICATIVOS MÓVEIS E CIDADANIA NO BRASIL

6.1 Ambiente político e institucional

6.1.2 Estratégias e diretrizes

Embora não haja definições sobre os atores responsáveis pela formulação de diretrizes para os aplicativos móveis, no campo teórico, essas ferramentas fazem parte do governo eletrônico (KUSHCHU, 2007; ONU, 2011), inclusive no que diz respeito à formulação das políticas (ONU, 2014).

A política de e-gov no Brasil tem origem nas diretrizes para o governo eletrônico brasileiro publicadas pelo Ministério do Planejamento em 2002, e estabelecem como prioridade a promoção da cidadania por meio da participação, do controle social e do acesso a serviços públicos.

Além da priorização da cidadania, são elencadas como diretrizes a inclusão digital; o uso de softwares livres; a gestão do conhecimento; a racionalização de recursos; a existência de um arcabouço integrado de políticas, sistemas e padrões e a integração entre diferentes poderes e níveis de governo.

As diretrizes foram estabelecidas no início dos anos 2000, época em que o governo móvel estava no seu estágio inicial e os smartphones sequer existiam. Consequentemente, elas não consideram a mobilidade como como uma alternativa para a promoção da cidadania. Porém, com base nessas diretrizes, diversas orientações foram emitidas ao longo dos anos, quando os dispositivos móveis já tinham destaque no acesso dos brasileiros à internet.

Entretanto, esses dispositivos só foram considerados de alguma forma a partir da atualização do Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico (e-MAG), desenvolvido pelo Ministério do Planejamento. A versão do modelo lançada em 2014, estabelece padrões e recomendações para as páginas eletrônicas do Governo Federal, e entre os requisitos está a adoção de um design responsivo, cuja visualização se adapte de

forma automática à resolução da tela de diferentes dispositivos, incluindo os móveis (BRASIL, 2014).

Essa recomendação é adotada e reiterada pelo modelo de Portal Institucional Padrão, desenvolvido pela Secom/PR em 2014, no âmbito do Projeto de Identidade Digital de Governo (BRASIL, 2014).

O uso de aplicativos móveis só veio a ser citado de alguma forma em normativos também em 2014, dentro da Identidade Padrão de Comunicação Digital, que cita os aplicativos como uma das propriedades digitais de governo, que também incluem os portais na internet, ambientes funcionais e perfis em redes sociais.

Dentro da Identidade Padrão de Comunicação Digital não foram estabelecidos padrões, orientações, diretrizes ou requisitos específicos para a produção de aplicativos móveis.

Entende-se entretanto, que eles devam seguir os princípios gerais estabelecidos para as propriedades digitais, que são a economicidade, a confiabilidade, o acesso universal, a interação e a transparência ativa.

Em relação à interação, é estipulado que o contato com os cidadãos deve observar a consistência e a garantia de respostas aos interessados pela mesma propriedade digital de registro inicial de uma demanda, a classificação como informação oficial da resposta enviada ao interessado por quaisquer meios e a identificação do nome da unidade responsável pelo atendimento.

A confiabilidade e a tempestividade das informações disponibilizadas são de responsabilidade do gestor da propriedade digital e do responsável pelo domínio. Sobre a universalidade do acesso, os princípios traçados dizem que as propriedades digitais devem ser construídas com foco no acesso universal, rápido e fácil, utilizando ainda linguagem clara, consistente, sem ambiguidade e facilitando o acesso aos conteúdos (BRASIL, 2014).

Com relação à transparência ativa é estabelecido que toda informação que não seja sujeita a restrições legais justificáveis deve ser disponibilizada. Além disso, essas informações devem ser publicadas o mais prontamente possível e estar disponíveis independentemente de cadastro ou identificação de dispositivo.

Já o Guia de Aplicativos do Governo Federal deve seguir a preceitos gerais de usabilidade, utilizar linguagem simples, direta e concisa, ser acessível e responsivo e observar a economicidade de tempo e de recursos, conforme estabelecido pelo Manual para Ambientes Funcionais (BRASIL, 2015).

No documento são traçadas diversas especificações para as páginas de serviços e sistemas, que visam estabelecer padrões para a disponibilização de conteúdos, funcionamento de mecanismos de busca, disponibilização de informações adicionais sobre sistemas, identificação de usuários, entre outros. Porém, para o Guia de Aplicativos, a única especificação disponível é para que as ferramentas também sejam cadastradas nos portais dos órgãos responsáveis. Para o conteúdo dos aplicativos, não constam diretrizes, especificações ou orientações específicas.

Em toda a documentação analisada referente à Identidade Digital de Governo, as únicas considerações específicas para os aplicativos governamentais constam nas regras para sua inserção no Guia, que exige autorização do desenvolvedor para a publicação, ausência de material agressivo, discriminatório ou pornográfico, conformidade com as leis brasileiras, pertencer a algum ente de governo, ser gratuito e útil à sociedade.

Outras especificações relativas aos aplicativos foram identificadas apenas na Política Nacional de Conteúdos Digitais Criativos, na qual se inserem os aplicativos cívicos disponíveis no Guia, produzidos por meio dos editais de 2014 e 2015 do concurso InovApps. Esses editais estabelecem que os projetos de aplicativos inscritos serão avaliados com base na qualidade de uso, na inovação e na criatividade.

Ressalte-se que esses requisitos estão direcionados unicamente aos aplicativos do concurso, que busca fomentar a produção e a promoção de novos aplicativos e jogos eletrônicos, fortalecer as políticas públicas do Governo Federal de incentivo a conteúdos digitais criativos, promover e elevar a qualidade da produção científica e tecnológica relacionadas com aplicativos e jogos digitais voltados para cenários pedagógicos e potencializar a criação de novas empresas de aplicativos e de jogos eletrônicos no país (BRASIL, 2014).

A Política Nacional de Conteúdos Digitais Criativos é desenvolvida de forma independente das políticas de governo eletrônico e de comunicação, com o objetivo de

criar condições para aproveitar, de maneira sustentável, a oportunidade econômica gerada pelo investimento nas cadeias produtivas e em arranjos produtivos locais das áreas de cinema, televisão, computadores, smartphones,

tablets, jogos eletrônicos e outras mídias eletrônicas, buscando desenvolver e

fortalecer os segmentos produtores de conteúdos digitais criativos no Brasil (BRASIL, 2014).

Segundo Wanessa Oliveira (2016), Coordenadora de Projetos Especiais da Secretaria Executiva do Ministério das Comunicações (MC) até maio de 2016, essa política surgiu da percepção de que o país não poderia apenas se preocupar em ampliar o

acesso à banda larga, precisava também investir na melhoria da qualidade do conteúdo que trafegaria nessa rede.

E desde então, nós passamos a fazer algumas ações para fomentar a produção de conteúdo digital criativo no Brasil. E isso também tinha como princípio o fato de que em termos de produção o Brasil estava muito aquém nos rankings mundiais de produção de conteúdo. (...) Em termos de consumo das mídias digitais nós sempre estamos lá em cima, porque o brasileiro é um consumidor muito grande. Só que em termos de produção não. A gente está lá no finalzinho da fila. Então, se pensou também que poderia ser aproveitado esse potencial criativo do brasileiro para se contribuir economicamente por essa exploração. Então, o objetivo era fomentar a produção, se investir nesse mercado de software, de eletrônico, de aplicativos e desenvolvimento de startups79

(OLIVEIRA, 2016, informação verbal).

Embora os aplicativos produzidos pelo concurso estejam inseridos no Guia e possam contribuir com as ações de e-gov por serem fomentados pelo Estado e deverem se encaixar em temas de utilidade pública, esse não é essencialmente o objetivo do InovApps e o concurso não faz parte da estratégia de e-gov brasileira.

Nos documentos analisados relativos à política de governo eletrônico não há orientações específicas para os aplicativos governamentais. De fato, a verificação realizada durante a análise documental, com base na adaptação dos elementos de análise propostos por Subirats (1992) não identificou a existência de diretrizes próprias, programas, ou metas específicas para o m-gov ou para aplicativos de interesse público em nenhuma das políticas analisadas.

As ações resultantes dessas políticas restringem-se à realização do InovApps para fomentar a produção de conteúdos criativos; e à disponibilização no Guia de Aplicativos do Governo Federal, que visa unicamente reunir as ferramentas existentes.

Verifica-se que mesmo com o crescimento gradual do acesso aos dispositivos móveis e da produção de aplicativos pelo governo, ainda não existe uma estratégia para direcionar essas ferramentas à promoção da cidadania. E uma vez que não existe uma estratégia de atuação para o governo móvel, também não há indicadores ou outras formas de avaliação relacionados.

Assim, o desenvolvimento ocorre sem que existam orientações aos órgãos desenvolvedores sobre, por exemplo, o tipo de conteúdo mais propício às plataformas móveis, as formas de interação desejáveis, requisitos de acessibilidade ou recomendações sobre especificidades de arquitetura de informação para telas reduzida e sensíveis ao toque; ou ainda sobre como aproveitar a mobilidade e a pervasividade dos dispositivos

para oferecer soluções que atendam às necessidades dos cidadãos no contexto da comunicação ubíqua.

Para Wagner Araújo (2016), diretor do Departamento de Governo Digital da Secretaria de Tecnologia da Informação (STI/MP), a ausência de diretrizes e padrões específicos para a produção de aplicativos ou outras ferramentas de governo móvel justifica-se pelo fato de que o Brasil ainda está em um estágio anterior, que é a disponibilização de serviços públicos digitais.

Hoje a gente tem pouquíssimos serviços públicos de fato digitais. Na verdade, a gente não tem sequer um censo de serviços públicos oferecidos pelo governo para termos uma ideia do percentual que são oferecidos em formato digital. Então há passos aí que precisam ser dados80 (ARAÚJO, 2016, informação

verbal).

Dessa forma, somente a partir da digitalização dos serviços é que o governo brasileiro começaria a pensar no desenvolvimento de ferramentas específicas.

Entretanto, é de considerar o fato de que os telefones celulares já são os dispositivos mais utilizados para acessar a internet no país (CGI.BR, 2015). E que independentemente de o governo estar emitindo orientações, os aplicativos estão sendo desenvolvidos em um ritmo crescente, conforme ilustrado no gráfico abaixo.

Gráfico 1 - Número de aplicativos disponíveis no guia

Fonte: elaborado pelo autor (2016)

Esses números mostram apenas o crescimento da quantidade de aplicativos publicados no Guia. Entretanto, há dezenas de outros81 que são produzidos por órgãos

80 Entrevista concedida por Wagner Araújo à pesquisadora no dia 15 de julho de 2016.

81 Um mapeamento exaustivo dos aplicativos produzidos por órgãos públicos federais, mas que não

estivessem publicados no Guia não fez parte do escopo da pesquisa. Entretanto, um breve levantamento na App Store encontrou uma série de apps disponibilizados por órgãos do poder executivo federal e que não constam no Guia, como: MedSus, OncoSus, o Cartão Sus Digital, o Turismo Acessível, o Viva Bem, SNE,

MEI, Normas, Expresso Drive, Participa.br, Game Livre, Telmi!, Prouni. Ainda na esfera federal, mas fora

do poder executivo há o SAC MPF, Resultados, Eleições 2016, Candidaturas, Onde votar e justificar,

Pardal, Boletim na mão, JE Processos, Agenda JE, Mesários, Super jogo da saúde, #EuFiscalizo, Vista Processual, STJ e outros. 23 51 97 120 2013 2014 2015 2016

federais e não são cadastrados no guia oficial, mas estão disponíveis aos cidadãos por meio dos sites dos órgãos desenvolvedores e das lojas de aplicativos (App Store e Play

Store).

Então, uma efetiva integração dos aplicativos às políticas de governo eletrônico não teria o mero objetivo de ampliar a oferta, pois esta já é crescente. Seria uma forma de garantir padrões mínimos de qualidade e de direcionamento do potencial interativo das ferramentas aos interesses do cidadão.

Considerando que essa integração não ocorre e que o nível de articulação entre os atores também não cria suporte político para o desenvolvimento de uma estratégia consistente de utilização dessas ferramentas, conforme orienta Subirats (1992), procede- se a uma contrastação entre o cenário político identificado e os resultados presentes no ambiente operacional do objeto de estudo.