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6 APLICATIVOS MÓVEIS E CIDADANIA NO BRASIL

6.6 O desafio da governança

A governança pode ser compreendida como um processo “por meio do qual as sociedades ou as organizações tomam decisões importantes, determinam quem deve ser envolvido e como devem prestar contas” (SANTOS et al, 2005, p. 288). Esse processo baseia-se tipicamente em um sistema ou em uma estrutura que envolve elementos

88 Do original em Inglês: indeed be essential to avoid the creation of new forms of digital divide and to reap

the benefits of investments in m-government (OCDE, 2011, p. 67).

formais, como políticas públicas, que definem como o processo deve funcionar (SANTOS et al, 2005).

Porém, a governança não diz respeito apenas à capacidade do estado em implementar políticas públicas. Seu conceito engloba as estruturas, funções, processos, e tradições organizacionais que buscam garantir que as políticas e ações delas decorrentes sejam executadas de maneira eficiente e transparente (BANCO MUNDIAL, 2006).

É dessa busca por eficiência e transparência que o conceito de governança passa a incluir também a necessidade de participação da sociedade civil, para possibilitar que os processos institucionais e as políticas públicas implementadas possam realmente responder de forma equilibrada ao que a sociedade espera do governo (TOMASSINI, 2001).

Dessa forma, o conceito de governança passa a compreender “a ação conjunta de Estado e sociedade na busca de soluções e resultados para problemas comuns” (GONÇALVES, 2005).

Uma boa governança compreende então

um processo decisório político previsível, aberto e esclarecido, por uma burocracia imbuída de um sentido ético profissional, trabalhando em prol do bem comum, do Estado de Direito, de processos transparentes e de uma sociedade civil forte, que participa ativamente das questões públicas (GONÇALVES, 2005).

Dessa forma, falar em uma melhoria da governança compreende ao menos dois aspectos. O primeiro diz respeito a aprimorar as estruturas, processos e interações necessárias para a execução eficiente e transparente das políticas públicas. O segundo se remete à necessidade de manter esse processo aberto à participação da sociedade civil para garantir que essas políticas sejam condizentes com as expectativas sociais.

Em relação ao primeiro aspecto, uma das questões apontadas durante as entrevistas para o aperfeiçoamento dos mecanismos de gerenciamento, formulação de estratégias e controle do governo eletrônico brasileiro foi a criação de uma liderança supra-ministerial, que tenha legitimidade para coordenar, a partir de um nível hierárquico superior, o desenvolvimento de ações de governo digital.

Uma liderança para evitar as discussões tradicionais em qualquer governo: quem é o dono do problema; ciúmes; quem é o dono do orçamento. Ter alguém para bater o martelo: “olha, é ele”. Mas, enquanto você vai reclamar, ele vai fazer. Não podemos perder esse tempo; não há país do mundo perdendo tempo em governo digital. Uma secretaria especial que seja, algo que tivesse abaixo dele as empresas públicas e as agências de governo que tratam do tema e acima

dele o Presidente da República ou o ministro da casa civil, aí é o caminho90

(ARAÚJO, 2016, informação verbal).

Para o diretor do Departamento de Governo Digital do Ministério do Planejamento, a formação dessa liderança auxiliaria também na questão da priorização de ações e alocação orçamentária.

Se a gente perguntar lá na Esplanada quem é o líder do governo digital dirão: é o Planejamento. Porém, quem é o líder de verdade é quem tem o recurso para transformar o governo em digital. Aí, enquanto a STI tem um orçamento de 7 milhões de reais/ano, a gente tem área de TI da Saúde que tem um orçamento que chega a quase 1 bilhão. Quem manda no governo digital na Saúde? É lógico que é o Mistério da Saúde; não é o Planejamento. Então essa liderança que falei há pouco ela deve em algum momento, e com o cuidado de respeitar as instituições formadas, isso tem que estar muito claro, começar a namorar esse orçamento91 (ARAÚJO, 2016, informação verbal).

A condução das políticas e ações de governo eletrônico na esfera federal competem hoje ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por meio da Secretaria de Tecnologia da Informação, na qual se insere o Departamento de Governo Digital.

Apesar das limitações apontadas pelo gestor do departamento, a secretaria conduziu em 2015 as discussões para a elaboração da Estratégia de Governança Digital (EGD), lançada em 2016, com o propósito de

orientar e integrar as iniciativas relativas à governança digital na administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo Federal, contribuindo para aumentar a efetividade da geração de benefícios para a sociedade brasileira por meio da expansão do acesso às informações governamentais, da melhoria dos serviços públicos digitais e da ampliação da participação social (BRASIL, 2016).

A EGD justifica a transição de uma perspectiva de governo eletrônico para a de governança digital justamente pela necessidade de não apenas promover a sinergia entre as ações já existentes, mas também para “ampliar as possibilidades de participação social e de construção colaborativa de políticas e iniciativas inovadoras de governo digital” (BRASIL, 2016, p.7).

Assim, o conceito de governo eletrônico, que se refere à ideia de informatizar os serviços prestados pelo governo para a sociedade, é expandido para o de governança digital, segundo o qual o cidadão deixa de ser passivo e se torna partícipe da construção de políticas públicas que já nascem em plataformas digitais (...) (BRASIL, 2016, p.10).

Ainda é cedo para avaliar resultados dessa nova formatação proposta pela EGD. Entretanto, no que diz respeito às ações de governo móvel, há pouco a se esperar.

90 Entrevista concedida por Wagner Araújo à pesquisadora no dia 15 de julho de 2016. 91 Entrevista concedida por Wagner Araújo à pesquisadora no dia 15 de julho de 2016.

Entre os dez objetivos estratégicos relacionados a participação social, acesso à informação e oferta de serviços eletrônicos, não há iniciativas estratégicas, metas ou indicadores para as ferramentas móveis.

A única menção encontra-se no objetivo estratégico de fomentar a disponibilização e o uso de dados abertos. Dentro de um dos quatro níveis que compõem os indicadores para aferir o índice de disponibilização e uso de dados abertos para o cidadão, consta a possibilidade, entre outros itens, de que os órgãos públicos promovam o engajamento da sociedade civil com os dados publicados por meio de concursos, eventos e/ou hackatons.

Apesar disso, algumas iniciativas estratégicas podem ser vistas como espaços para o crescimento de serviços móveis. Isso porque a EGD traz ações para os planos estratégicos e táticos. No plano operacional, os órgãos federais podem adotar ferramentas móveis para cumprir ampliar e qualificar a oferta de serviços.

Entretanto, para isso, é necessário anteriormente, que haja uma alteração de percepção dos gestores públicos em relação às possibilidades de ferramentas de governo móvel. O que diz respeito não apenas a sua produção, mas principalmente ao direcionamento de seu potencial tecnológico para a oferta de serviços e ferramentas centradas nas necessidades e expectativas dos cidadãos.

A percepção das lideranças responsáveis sobre as vantagens ou potencialidades de uma nova ferramenta é um dos fatores apontados por Rogers (1971) que impactam o processo de adoção de novas tecnologias. Isso inclui a percepção sobre vantagens que essa nova tecnologia traz em relação às anteriores e também sobre o grau em que uma inovação é percebida como consistente com os valores existentes, experiências passadas e necessidades dos adotantes potenciais.

Embora essas características influenciem a adoção de inovações tanto na esfera privada quanto na pública, no setor governamental elas assumem proporções ainda maiores, o que leva os governos a se tornarem adotantes tardios de soluções inovadoras (RANNU, 2010).

Assim, no que diz respeito ao objeto da pesquisa, a expectativa pelo uso de aplicativos móveis que possam contribuir de forma efetiva para a cidadania, depende ainda de uma alteração na percepção do governo. É a partir dessa percepção que poderá se pensar em sua inclusão como elemento integrante do ciclo das políticas públicas de governo eletrônico, e aí sim pensar em um estabelecimento de objetivos e prioridades,

que levem à definição de estratégias de ação, criação de suportes políticos e orçamentários e implantação de sistemas de avaliação para essas ações (SUBIRATS, 1992).