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3 CIDADANIA NA ERA DA UBIQUIDADE

3.2 Cidadania eletrônica

3.2.1 Dimensões da cidadania eletrônica

3.2.1.1 Pertencimento

Em relação ao pertencimento, da mesma forma que a globalização criou a necessidade de adequação dessa dimensão pela criação de cidadanias transnacionais, o advento das novas tecnologias também requer uma reflexão sobre o que vem a ser cidadão no ciberespaço.

Evidentemente a Internet se mostra como importante “lugar”, uma “arena conversacional” na qual o espaço se desdobra e novas conversações e discussões políticas podem seguir seu curso. As redes eletrônicas permitem que as pessoas interajam localmente ou transcendam as fronteiras do Estado- nação, para trocar informação e compartilhar interesses comuns em fóruns virtuais em escala global (MAIA, 2008, p. 283).

Se o ciberespaço passa a servir como local para discussões e deliberações públicas, reforça-se, então, a necessidade de garantia de acesso a esse ambiente. “Seria contra-senso um desejo de maior igualdade política se, ao mesmo tempo, nem todos têm os equipamentos e as capacidades suficientes para utilizá-los” (MARQUES, 2004, p.72).

Com a aproximação dos espaços, proporcionados pela globalização e o desenvolvimento tecnológico, o exercício da Cidadania de forma ampliada implica o acesso aos meios de informação e comunicação virtuais. O Estado deve garantir este acesso para que seja possível verificar a ocorrência de uma Cibercidadania, que transforma as características tradicionais da Cidadania e do próprio acesso a um ambiente social/virtual democrático (BASTIANI et al, 2014).

Em termos ideais, para que haja igualdade entre os cidadãos no novo espaço de discussões que se forma no ambiente virtual, não pode haver barreiras que excluam certas pessoas ou grupos do debate. “Supõe, idealmente, a inclusão de todos aqueles potencialmente concernidos ou afetados” (MAIA, 2008, p.284).

Da mesma maneira que na cidadania convencional questões de renda, raça e gênero constituíram-se como forma de diferenciação entre quem era ou não cidadão, a exclusão digital torna-se uma forma contemporânea de segregação.

Princípios fundamentais, como justiça social, igualdade de oportunidades e a própria democracia passam a ser influenciados pelo acesso a essas tecnologias. Afinal, elas são o principal meio de adquirir, interpretar, expressar, produzir e organizar o conhecimento, colocando-o a serviço de interesses e necessidades (ASSUMPÇÃO; MORI, 2007, p. 431-432).

Para Franklin Coelho (2007), a exclusão digital se soma a outras formas de desigualdades que compõem o cenário em que se desenvolve a sociedade do conhecimento e reforçam os aspectos de não pertencimento e exclusão. De acordo com o autor, a exclusão digital diminui ao acesso aos direitos básicos. “A compreensão de que o processo de inclusão digital faz parte da construção da cidadania nos coloca no campo do direito à informação, ao conhecimento e à comunicação. (COELHO, 2007 p. 463).

Assim, a inclusão digital não trata meramente de garantir acesso a dispositivos, mas sim de garantir o exercício de direitos e uma forma de apoiar os cidadãos “na perspectiva de inserção na sociedade contemporânea, buscando preferencialmente as populações que tem piores condições econômicas, ou seja, menores chances de apropriação dos benefícios trazidos pelas TIC.” (COSTA, 2011, p.110).

Trazer para o presente todas as possibilidades do futuro, mas sem esquecer das mazelas que perduram do passado. A exclusão digital traz apenas mais uma faceta às outras exclusões já vividas e conhecidas por essa faixa da população; por isso há a preocupação em tratar a inclusão digital como uma facilitadora de outras inclusões, e não apenas focada no uso técnico das novas ferramentas (COSTA, 2011, p.110).

Assumpção e Mori (2007) defendem que a inclusão digital deve ser tratada como política pública, de caráter universal, e como estratégia para a construção e afirmação de novos direitos e consolidação de outros, pela facilitação de acesso a eles.

Na busca de mecanismos para promover a inclusão digital, os dispositivos móveis têm surgido como opções para disseminar o acesso à internet e também para facilitar a interação entre estados e cidadãos.

Ao criar canais de comunicação novos e mais amplos, as tecnologias móveis oferecem acesso em áreas onde a infra-estrutura necessária para a Internet ou serviço telefônico fixo não é uma opção viável. O desenvolvimento de tecnologias de comunicação móvel não só criou uma nova forma para os governos chegarem a um número muito maior de pessoas do que nunca, mas também trouxe aos cidadãos oportunidades anteriormente inimagináveis para se comunicar uns com os outros convenientemente, e para acessar tanto informações e serviços tanto públicos quanto privados, com limites de tempo e espaço decrescentes61 (OCDE, 2011, p. 11, tradução nossa).

Ao empoderar62 os cidadãos, as ações de governo móvel podem aprimorar a qualidade de vida de muitos indivíduos que antes estavam digitalmente excluídos. Especificamente, as tecnologias móveis permitem o acesso de forma conveniente a informações e serviços públicos (OCDE, 2011).

61 Do original em Inglês: By creating new and expanded communication channels, mobile technologies

provide access in areas where the infrastructure required for Internet or wired phone service is not a viable option. The development of mobile communication technologies has not only created a new venue for governments to reach out to a much greater number of people than ever, but it has also brought citizens previously unimaginable opportunities to communicate with each other conveniently, and to access both public and private information and services, with diminishing time and space boundaries and limits

(OCDE, 2011, p. 11)

62 O empoderamento refere-se à “extensão da agência, da habilidade de um indivíduo ou de grupos de

indivíduos, da liberdade de decidir e fazer escolhas fundamentadas para atingir seu objetivo. O empoderamento coloca os indivíduos como parte de estruturas e normas sociais, institucionais e políticas com as quais eles devem interagir para ter escolhas. Além disso, oferece acesso total à tecnologia necessária para que as pessoas sejam alfabetizadas em mídia e informação e possam usar essas competências para interagir com os indivíduos e outras instituições sociais, políticas, culturais e econômicas” (UNESCO, 2016, p. 190).

Entretanto, a inclusão digital não se refere apenas à garantia de acesso às redes e dispositivos. “Isso quer dizer que muitos aspectos da inclusão digital não estão nas máquinas nem na relação com elas, e sim no processo global de inclusão social.” (ASSUMPÇÃO; MORI, 2007, p. 432).

A impossibilidade de acesso, por quaisquer limitações e mais comumente por fatores combinados, é a nova face das desigualdades por originar-se nelas e, mais do que isso, por acentuá-las à medida que, cada vez mais, a estratificação social e o acúmulo de riqueza ocorrem de acordo com a capacidade de acessar e processar conhecimento (ASSUMPÇÃO; MORI, 2007, p. 431).

A exclusão digital deve ser tratada então, como uma nova face das desigualdades sociais e diz respeito não apenas à ausência de infra-estrutura, mas também a outros fatores limitantes ao uso da tecnologia, como barreiras linguísticas, sociais, econômicas, políticas, sociais ou cognitivas (ASSUMPÇÃO; MORI, 2007).

A necessidade de aliar infra-estrutura de acesso a outros aspectos necessários para o uso das tecnologias para a promoção da cidadania remete ao conceito de digital

literacy, ou alfabetização digital, definida pela a Unesco (2016) como “a habilidade de

usar tecnologias digitais, ferramentas de comunicação ou redes para localizar, avaliar, usar e criar informações” (UNESCO, 2016, p. 186).

Também se refere à capacidade de entender e usar as informações em múltiplos formatos a partir de diversas fontes, apresentadas por computador, ou à capacidade de uma pessoa efetivamente desempenhar tarefas em um ambiente digital. A alfabetização digital inclui a habilidade de ler e interpretar as mídias, reproduzir dados e imagens pela manipulação digital e avaliar e aplicar novos conhecimentos obtidos a partir de ambientes digitais A alfabetização digital inclui a habilidade de ler e interpretar a mídia, reproduzir dados e imagens por meio de manipulação digital, assim como avaliar e aplicar os novos conhecimentos adquiridos no ambiente digital (UNESCO, 2016, p. 186). Paul Gilster (1997) ressalta que para estar digitalmente alfabetizada, uma pessoa deve estar apta não apenas a acessar e a utilizar informações, mas também a avaliá- las, o que adiciona a necessidade de aquisição de habilidades de pensamento crítico para utilizar a tecnologia (GILSTER, 1997).

Garantir o desenvolvimento dessas habilidades torna-se um passo necessário para que os cidadãos possam usufruir do potencial das novas tecnologias para a cidadania, como as novas formas de exercer direitos e deveres e participar da vida pública.

As constantes mudanças tecnológicas levam à necessidade não apenas de aquisição dessas habilidades, mas de uma atualização frente às novas ferramentas. Assim, dentro do conceito de alfabetização digital, insere-se o de competências digitais, ligados à natureza adaptativa das habilidades e conhecimentos necessários para se transitar entre diferentes tecnologias (BOECHLER et al, 2014).

Nesse contexto, surge também o conceito de mobile literacy, a habilidade de acessar, entender e criar informações e comunicações móveis contextuais, sociais e baseadas na localização (XU, 2014).

Dessa forma, o pertencimento na cidadania eletrônica requer não apenas o acesso às redes e dispositivos, mas também o domínio das habilidades para utilizá-los. É a partir desses requisitos que se constroem novas possibilidades para o exercício de direitos e deveres e de participação social no contexto da cidadania eletrônica.