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PARA O ENSINO E PARA A AFIRMAÇÃO DO DIREITO

DIVERSIDADE CULTURAL

Ab initio impende destacar que a ordem constitucional

brasileira, como um espaço conformativo da realidade, é con- cebida como um “sistema jurídico normativo aberto que abran- ge princípios e regras sobre poderes, direitos e deveres, que se assenta em quatro planos de ação normativa”, conforme alude Carlos André Birnfeld (2010, p. 14), vale dizer:

a) Estabelecimento de princípios, que apresentam dife- rentes funções, desde a fixação de metas para a cria-

4 O presente artigo integra uma pesquisa em andamento e em função disso, os dois últimos momentos (dentro da abordagem estabelecida) serão tratados em conjunto e não separadamente conforme se anuncia.

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ção ou cumprimento das regras, incluindo especial- mente funções hermenêuticas, assim como funções regulatórias diretas relacionadas com a necessidade de completude ao sistema;

b) Estabelecimento de regras sobre poderes, que envol- ve a atribuição de diferentes funções e prerrogativas públicas e privadas, para atuação no espaço público, inerentes aos diferentes processos que envolvem a criação ou materialização de direitos e obrigações respaldados pelo aparato coercitivo do Estado; c) Estabelecimento de regras sobre direitos, no sentido

de reconhecimento e ampliação de prerrogativas de natureza subjetiva da cidadania em face da coletivi- dade e do Estado;

d) Estabelecimento de regras sobre deveres, abrangen- do toda e qualquer obrigação, de conteúdo positi- vo ou negativo, afeita ao Estado e aos cidadãos de forma geral pela ordem constitucional (BIRNFELD, 2010, p. 15-16).

Nesse contexto, tal ordem constitucional com princípios e regras se aplica aos direitos sociais, especialmente ao direito à educação5, temática do presente artigo ao problematizar sobre o

ensino do Direito no contexto das políticas de Ação Afirmativa no âmbito das ações desenvolvidas pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande.

Ocorre que o Estado de Direito Brasileiro por ser um Estado Social de Direito tem o compromisso de promover a igualdade material, o que numa análise maior implica na própria efetividade dos direitos humanos. E embora os direitos de ci-

5 O direito à educação é também direito humano consagrado em tratados internacionais, como o Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, datado de 1966 (art. 13). Disponível em: <http://www.unfpa.org.br/Arquivos/ pacto_internacional.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2015.

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dadania vislumbrados contemporaneamente, o que se constata ante as condições históricas dos sujeitos subalternizados é que ainda não é possível a plena vivência dos direitos de igualda- de. Dessa situação e constatação nascem as ações afirmativas (BENEDETTI; LOBATO, 2012).

O direito à educação é direito fundamental social dos in- divíduos. Porquanto relevante, relembra-se que os direitos sociais são direitos fundamentais de segunda geração6 ou dimensão e ca-

racterizam-se por serem direitos de igualdade lato senso – igualda-

de na lei (igualdade material). Pressupõem a concessão de presta- ções positivas por parte do Estado para atendimento de referidos direitos, vale dizer, direito à educação, previdência, assistência, moradia, trabalho, só para citar alguns. Ao contrário dos direitos de primeira geração, que demandam apenas abstenções por parte do Estado (direitos de liberdade lato senso e igualdade formal), os

direitos sociais reclamam o alargamento da competência estatal e requerem a intervenção do poder público com políticas públicas realizáveis através dos serviços públicos.

Nesse passo, como direito fundamental é considerado cláusula pétrea (art. 60, §4º, inciso IV da CF/88)7, ou seja, não

pode ser objeto de emenda que tenda a aboli-lo; além de ser nor- ma de aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º da CF/88).8 Sua sede

constitucional se encontra nos artigos: 6º e 205 a 214.

Tal é a importância do direito à educação que a cons- trução de uma sociedade fraterna, plural, justa e sem preconcei- tos, anseios preconizados no preâmbulo da Constituição Federal Brasileira, passa, necessariamente por uma sociedade que se preocupa em efetivá-lo de modo amplo e com qualidade.

6 Destaque-se que não há consenso na doutrina constitucional quanto ao termo “gerações”. Isso porque dita expressão poderia levar ao entendimento de que uma geração sucede outra, o que é equivocado, na medida em que, na verdade, elas coexistem e interagem. De qualquer modo, para o presente artigo ditas ex- pressões serão tratadas como equivalentes.

7 Art. 60. (...) § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV - os direitos e garantias individuais (BRASIL, 1988).

8 § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

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Interessante perceber, sobre o direito à educação, que o art. 205 da Carta da República preconiza a educação como: “di- reito de todos e dever do Estado e da família”, o qual será pro- movido e incentivado “com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exer- cício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).

A Lei 12.711 de 2012, conhecida como a Lei das Cotas, dispõe sobre a reserva de vagas para estudantes de escola públi- ca, negros e indígenas nas universidades federais e institutos fe- derais, das vagas oferecidas anualmente em seus processos sele- tivos, determinação que deverá ser cumprida até 30 de agosto de 2016, dentro da lógica de transitoriedade das Ações Afirmativas. As cotas integram o Programa de Ações Afirmativas e que por sua vez, são políticas públicas de discriminação positiva para o alcance da igualdade material e da promoção da diversi- dade, a exemplo de iniciativa semelhante vivenciada no direito norte-americano (BENEDETTI; LOBATO, 2012).

Dessa forma, a Lei 12.711/2012 aliada ao dispositivo constitucional citado, evidencia que antes de tudo, o próprio di- reito à educação possui extrema vinculação com o princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que a educação é o qualificador do desenvolvimento do ser humano. A propósi- to, conceituando dignidade da pessoa humana, o professor Ingo Sarlet, ensina:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrín- seca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegure a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano como venham a lhe garantir as condições exis- tenciais mínimas para uma vida saudável, além de propi- ciar e promover sua participação ativa e co-responsável dos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2002, p. 62).

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De outro lado, o direito fundamental à educação, pois, como direito de todos, gera de modo correlato, deveres funda- mentais, na medida em que compromete e vincula igualmente a todos: Poder Público e sociedade civil, a adotarem condutas que visem concretizá-lo. Essa efetivação passará, necessariamen- te, pela adoção de políticas públicas que ampliam seu acesso, e aqui encontra espaço as ações afirmativas, além do respeito aos princípios elencados no artigo 206 da CF.

Com efeito, o art. 206 da Constituição Federal, arrolando os princípios que regem o ensino, acaba por densificar o princí- pio da igualdade (previsto de modo amplo no caput do art. 5º),

estabelecendo que o ensino deverá ser ministrado com “igual- dade de condições para o acesso e permanência na escola, além de prever a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais” (BRASIL, 1988, grifo nosso). Veja-se que a previsão em

comento é cogente e obriga que o Poder Público tome medidas concretas de promoção da educação a todos os indivíduos, sejam eles: crianças e adolescentes9, jovens ou idosos.

Especificamente quanto aos jovens, considerados pelo Estatuto da Juventude, Lei 12.852/2013, como sendo as pessoas entre 15 e 29 anos10, a lei em referência garantiu-lhes, no art. 7º,

o direito à educação de qualidade, com a garantia de educação básica, obrigatória e gratuita, inclusive para os que a ela não ti- veram acesso na idade adequada; no art. 9º, o direito à educação profissional e tecnológica, articulada com os diferentes níveis e modalidades de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, observada a legislação vigente. Previu, outrossim, no art. 8º, o

9 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE- ECA- Lei 8.069/1990: “Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais ine- rentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e faci- lidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 1990). 10 Sendo que os adolescentes entre 15 e 18 anos aplica-se, primeiramente, o ECA.

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direito à educação superior, em instituições públicas ou priva- das, sendo que o § 1º assegurou “aos jovens negros, indígenas

e alunos oriundos da escola pública o acesso ao ensino superior nas instituições públicas por meio de políticas afirmativas, nos termos da lei” (BRASIL, 1988).

Abordando sobre educação superior, a Constituição Federal, artigo 207, previu que “as universidades gozam de au- tonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 1988). Sua pro- moção ficou a cargo da União11, conforme previsão do art. 211

da Constituição, o qual estabelece que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de cola- boração seus sistemas de ensino.

Então, com supedâneo na autonomia administrativa con- sagrada às universidades que se observam as primeiras políticas de ações afirmativas efetivadas no Brasil, antes mesmo da pu- blicação da Lei 12.711/2012, como, por exemplo, a previsão de reserva de vagas para negros e pardos efetuada pela Universidade de Brasília (UnB) desde 2004.

Considerando a manifesta polêmica sobre o imple- mento de ações afirmativas nas universidades federais, o Partido Democratas (DEM) ajuizou em 2009 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF, a qual tomou o nº 186. A época o DEM impugnou a política de co- tas praticadas pela UnB, por entender que afrontava o princípio da igualdade, a meritocracia, além de ferir preceitos fundamen- tais da Constituição Federal, como os princípios da dignidade da pessoa humana, de repúdio ao racismo, entre outros. Contudo,

11 Assim, conforme §1º: a União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equa- lização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (§1º); os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil (§ 2º); e Os Estados e o Distrito Federal atuarão priorita- riamente no ensino fundamental e médio (§ 3º), (BRASIL, 1988).

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em 26 de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF), em voto de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, entendeu constitucional o sistema de cotas e as ações afirmativas, sob fun- damento de que a instituição de cotas raciais daria cumprimento ao dever constitucional que atribui ao Estado a responsabilidade com a educação. Disse, ainda, o Ministro Lewandowski:

No caso da Universidade de Brasília, a reserva de 20% de suas vagas para estudantes negros e ‘de um pequeno núme- ro delas’ para índios de todos os Estados brasileiros pelo prazo de 10 anos constitui, a meu ver, providência adequada e proporcional ao atingimento dos mencionados desidera- tos. A política de ação afirmativa adotada pela Universidade de Brasília não se mostra desproporcional ou irrazoável, afigurando-se também sob esse ângulo compatível com os valores e princípios da Constituição (STF, 2012).

Assim, por unanimidade, os ministros julgaram improce- dente a ADPF. Em outra oportunidade, o STF, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.330-1, relatoria do então Ministro Carlos Ayres Britto, igualmente reconheceu a constitucionalida- de da reserva de cotas – ações afirmativas. De seu Voto se extrai:

41. Nessa vertente de idéias, anoto que a desigualação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que ha- jam sido contemplados com bolsa integral não ofende a Constituição pátria, porquanto se trata de uma descrímen que acompanha a toada da compensação de uma anterior e factual inferioridade. Isso, lógico, debaixo do primacial juí- zo de que a desejada igualdade entre partes é quase sempre obtida pelo gerenciamento do entrechoque de desigualda- des (uma factual e outra jurídica, esta última a contrabalan- çar o peso da primeira), (STF, 2013).

Com o exposto, resta evidenciado que o acesso à educa- ção deve ser amplo e efetivo, razão porque as ações afirmativas encontram especial esteio do direito fundamental social à edu- cação. Além disso, conjugando os preceitos constitucionais aos princípios idealizados no ordenamento jurídico brasileiro é fun-

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damental reconhecer que toda essa proteção social assegurada no plano formal está longe de ser plenamente verificada no âmbito social, eis que grupos historicamente e socialmente vulneráveis continuam subalternizados. Então, reitera-se assim, a importân- cia das ações afirmativas, visto sua contribuição para a realização dos direitos e princípios constitucionais, pois que além de realizar a igualdade material promovem a diversidade.

2 A FACULDADE DE DIREITO NO CONTEXTO DAS