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3 A (NÃO) VALIDADE DOS DIPLOMAS LATINO AMERICANOS NO BRASIL

O ENSINO JURÍDICO COM OS “PÉS” E O “OLHAR” NA AMÉRICA LATINA

3 A (NÃO) VALIDADE DOS DIPLOMAS LATINO AMERICANOS NO BRASIL

Outra questão fundamental é analisar como os diplo- mas das Faculdades de Direito, seja em nível de graduação ou pós-graduação, são recebidos no Brasil, ou seja, se são validados com facilidade ou não. Para tanto, impõe-se uma rápida análise da legislação quanto à validação de diplomas estrangeiros no Brasil.

A Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional regula a matéria no seu artigo 48:

Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular.

§ 1º Os diplomas expedidos pelas universidades serão por elas próprias registrados, e aqueles conferidos por instituições não universitárias serão registrados em universidades indicadas pelo Conselho Nacional de Educação.

§ 2º Os diplomas de graduação expedidos por universidades estrangeiras serão revalidados por universidades públicas que tenham curso do mesmo nível e área ou equivalente, respeitando-se os acordos internacionais de reciprocidade ou equiparação.

§ 3º Os diplomas de Mestrado e de Doutorado expedidos por universidades estrangeiras só poderão ser reconhecidos por universidades que possuam cursos de pós-graduação reconhecidos e avaliados, na mesma área de conhecimento e em nível equivalente ou superior.

Portanto, verifica-se de acordo com os § 2º e 3º caberá às Universidades revalidar os diplomas que aqui tenham equipa- ração de curso, respeitando-se os acordos internacionais de re- ciprocidade ou equiparação. A leitura desse artigo em conjunto com os princípios estipulados no art. 4º da Constituição Federal

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permitem uma interpretação no sentido de cooperação, ou seja, de facilidade de validação dos diplomas, ainda mais no caso da América Latina.

Há ainda um outo ingrediente para essa questão que se refere ao Acordo de Admissão de Títulos e Graus Universitários para o Exercício de Atividades Acadêmicas nos Estados Partes do Mercosul, assinado na cidade de Assunção em 14 de junho de19994. O referido acordo reconheceu que “a educação tem pa-

pel central para que o processo de integração regional se conso- lide” e estabeleceu já no seu art. 1º:

Artigo Primeiro

Os Estados Partes, por meio de seus organismos compe- tentes, admitirão, unicamente para o exercício de ativida- des de docência e pesquisa nas instituições de ensino su- perior no Brasil, nas universidades e institutos superiores no Paraguai, nas instituições universitárias na Argentina e no Uruguai, os títulos de graduação e de pós-graduação reconhecidos e credenciados nos Estados Partes, segundo procedimentos e critérios a serem estabelecidos para a im- plementação deste Acordo.

Logo, todo arcabouço legal, bem como a explícita dispo- sição para a cooperação, o que resta potencializado no caso do Mercosul, corroboram a conclusão da facilidade na validação dos diplomas.

Porém, a prática tem mostrado uma realidade muito di- versa, uma vez que muitos são os casos de judicialização por pessoas que se sentem prejudicadas por não conseguirem vali- dar seus diplomas estrangeiros, principalmente, os obtidos na América Latina. E isso tem ocorrido porque as Universidades dificultam e negam a validação dos diplomas em larga escala, apegando-se ao argumento da qualidade.5

4 O qual foi aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 800, de 23 de Outubro de 2003 e promulgado pelo Decreto Presidencial nº 5.518, de 23 de Agosto de 2005.

5 Segundo a interpretação comumente realizada, os títulos tem a validação

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Portanto, ainda que o legislador tenha adotado me- didas para facilitar a validação dos diplomas, na realidade as Universidades dificultam muito este procedimento. Nesse sen- tido, cita-se a conclusão do Procurador Federal Marcos Augusto Maliska (2009, p. 324):

A disposição para a cooperação, resultado tanto da auto- rização constitucional, quanto dos elementos intrínsecos ao Acordo, autoriza se falar que o Acordo dispõe sobre procedimento diferenciado, consistente em “validação” de Diplomas, sem análise propriamente individual de mérito dos trabalhos, para o exercício das atividades de docência e pesquisa.

Por outro lado, a imposição quanto à salvaguarda dos pa- drões de qualidade vigentes em cada País, exige condições materiais de nivelamento para a plena eficácia do Acordo, visto que o processo de integração deve ser um instru- mento de aperfeiçoamento das instituições, de modo que os níveis mais elevados de desenvolvimento prevaleçam. Aqui há que se contrapor à disposição para a cooperação o interesse nacional, sob pena de o processo integracionista implicar em um retrocesso dos níveis de exigência já alcan- çados no plano nacional.

E o Poder Judiciário tem corroborado esse posiciona- mento em diversos julgados. Exemplificativamente, cita-se par- cialmente a decisão do Superior Tribunal de Justiça referente ao Recurso Especial nº 1349445/SP6, o qual foi julgado em 08 de maio de 2013, sendo considerado um “recurso repetitivo”, ou seja, a sua decisão tem aplicação aos demais casos análogos:

possuem as mesmas exigências dos cursos realizados dentro da institui- ção a que se pede a validação. No caso do Mercosul, por exemplo, essa justificativa pode ser realizada com base no artigo quarto do Acordo de

admissão de Títulos: “Artigo Quarto. Para os fins previstos no Artigo

Primeiro, os postulantes dos Estados Partes do Mercosul deverão sub- meter-se às mesmas exigências previstas para os nacionais do Estado Parte em que pretendem exercer atividades acadêmicas.”

6 Disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/

jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=%28 revalida%E7%E3o+de+diploma%29+e+REPETITIVOS.

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ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. REVALIDAÇÃO DE DIPLOMA ESTRANGEIRO. EXIGÊNCIA DE PROCESSO SELETIVO. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. ARTIGOS 48, §2º, E 53, INCISO V, DA LEI Nº 9394/96 E 207 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEGALIDADE.

(...)

7. A autonomia universitária (art. 53 da Lei 9.394/98) é uma das conquistas científico-jurídico-políticas da sociedade atual, devendo ser prestigiada pelo Judiciário. Dessa forma, desde que preenchidos os requisitos legais - Lei 9.394/98 - e os princípios constitucionais, garante-se às universidades públicas a liberdade para dispor acerca da revalidação de diplomas expedidos por universidades estrangeiras.

8. O art. 53, inciso V, da Lei 9394/96 permite à universida- de fixar normas específicas a fim de disciplinar o referido processo de revalidação de diplomas de graduação expe- didos por estabelecimentos estrangeiros de ensino supe- rior, não havendo qualquer ilegalidade na determinação do processo seletivo para a revalidação do diploma, porquanto decorre da necessidade de adequação dos procedimentos da instituição de ensino para o cumprimento da norma, uma vez que de outro modo não teria a universidade con- dições para verificar a capacidade técnica do profissional e sua formação, sem prejuízo da responsabilidade social que envolve o ato.

Desta forma, percebe-se que em nome da “autonomia universitária” é permitida às Universidades criarem as exigências que entendem necessárias para que se mantenha um patamar mí- nimo de “qualidade” ou “segurança”. Ainda que a decisão acima se refira a um diploma de Medicina, essa solução tem sido adota- da em todos os cursos universitários e no Direito, por exemplo, considerando as centenas de milhares de graduados, muitos são os que fazem cursos de mestrado e doutorado no exterior e de- pois não conseguem validação no país.

Além disso, percebe-se que a rejeição maior se dá justa- mente com diplomas latino-americanos, os quais deveriam ter mais facilidade em face dos preceitos constitucionais e acordos

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de integração, já que grande parte dos casos judicializados refere- -se a diplomas latinos, não se identificando rejeição considerável a diplomas americanos, ingleses, franceses, italianos e alemães, centros considerados como de “excelência”.

Apenas a título ilustrativo quanto à rejeição aos diplomas latino-americanos, cita-se artigo constante no site do IELSA – Instituto de Educação Superior Latinoamericano intitulado de “O ‘jeitinho’ para não revalidação dos diplomas”7, o qual denún-

cia motivos fúteis para a não revalidação do diploma (como, por exemplo, o fato de que a Universidade emissora do título não era “famosa”) e preconceito com títulos da América Latina, em especial da Argentina. Ao final do mencionado artigo de autoria do Promotor de Justiça Joaquim Miranda8 consta a seguinte con-

clusão:

Não somos a favor de reconhecimentos indiscriminados. A instituição há que ser séria, credenciada por órgão simi- lar à CAPES, as exigências mínimas dos cursos brasileiros devem ser observadas – número de horas, qualificação do corpo docente, substância da tese, etc. e os diplomas – por óbvio, devem ter plena validade no país de origem. Não po- demos é, em nome de um discurso puritano de reserva de mercado, dizermos que queremos o aperfeiçoamento cultu- ral da nossa gente e dar um tiro no pé, incentivando as uni- versidades brasileiras a negar revalidação a valiosos títulos de universidades estrangeiras, em franco descumprimento da lei. Isto é ilegal. Seguramente, não é isso que o Brasil quer. Atitudes mesquinhas e egoísticas não são um exem- plo recomendável para os jovens estudantes. Respeitemos o MEC, a Capes e, acima de tudo, a soberania da vontade popular representada pela Lei.

O fato é que uma diplomação no exterior gera uma in- certeza de revalidação no Brasil. Entretanto, sendo este título

7 MIRANDA, Joaquim. O “jeitinho” para a não revalidação dos diplomas. Disponível

em http://iesla.com.br/artigos/o-jeitinho-para-nao-revalidacao-de-diplomas. Acesso em 27 de julho de 2015.

8 Promotor de Justiça em Minas Gerais, sendo mestre, doutor e pós-doutorando em Direito.

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obtido na América Latina essa incerteza se torna quase uma cer- teza quanto a não validação, pois, por mais que toda a legisla- ção permita e incentive a cooperação universitária, na prática as Universidades dificultam ao máximo a validação destes diplomas, sendo que o Poder Judiciário costuma legitimar e validar este entendimento.

E tudo isso se faz em nome da “qualidade” da educação superior, a qual ainda está muito ligada às elites brancas, ainda continua sendo pouco democrática e alheia à realidade social. No ensino jurídico o quadro não é diferente, pelo contrário, agrava- -se.

4 OS GRANDES REFERENCIAIS NA ÁREA DO