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ALENCAR, Heron de Falam as relíquias do poeta A Tarde, Salvador, p.2, 14 mar 1947.

A ATUAÇÃO DE HA NA IMPRENSA E NA MÍDIA BAIANAS

2.2 A DIVULGAÇÃO DA LITERATURA POR JORNAIS

É possível pensar a crítica de jornal, com seu caráter informativo, analítico e divulgador, como um instrumento de disseminação cultural, como parte do projeto democratizador da Modernidade138, que estabelece a educação e difusão da arte e a popularização da cultura que permitiriam a ampliação da compreensão do mundo, do progresso, e conduziriam a relações sociais mais justas. A questão é que essa democratização não se completa em uma sociedade em que o número de analfabetos e excluídos é alarmante. Como educar culturalmente as “massas”, se a educação básica não está acessível? Esta é uma das contradições da sociedade moderna burguesa dos países pós-coloniais como o Brasil.

HA mostrou-se preocupado com o desenvolvimento cultural do País, entendendo a educação e a cultura como questões primordiais para a emancipação política. Um exemplo pode ser visto quando comenta e reproduz um trecho da fala do escritor Jean Cassou. É

137 Massaud MOISÉS. Crítica em rodapés. O Estado de S. Paulo. 9 set. 2000. Caderno C. Disponível em <http://www.secrel.com.br/jpoesia/disseram33.html#dificil>. Acesso em: 13 abr. 2002.

138 Utilizo aqui as acepções de GARCIA CANCLINI, Nestor. em Das utopias ao mercado. IN:______ Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997, p. 31-

significativo que tenha escolhido justamente as palavras de alguém que se aproxima da sua condição marginal, enquanto brasileiro, para veicular tais idéias. Apesar do escritor ser francês, o que o coloca no centro, é descendente de mexicanos e espanhóis, como bem assinala HA. Esta é a passagem:

Um povo, antes de qualquer consideração de superioridade material, é forte e livre pela própria cultura, esta cultura que não pode ser reservada a poucos, mas, aberta a todos os filhos do povo porque é a realidade mesma do povo. É necessário, pois, dar aos homens que têm por missão a defesa e o desenvolvimento dessa cultura, todos os meios para que possam, dignamente, cumprir o seu trabalho.139

O projeto democratizador no Brasil parece questionável. A modernidade trouxe, de fato, condição, meios para que o “povo” brasileiro pudesse desenvolver sua cultura? O espaço das comunidades que não foram reconhecidas como detentoras e produtoras de cultura foi em geral a margem, aliás, um espaço em branco a ser preenchido pelos que detinham e definiam o que era cultura. Esse último trecho transcrito é revelador. Não só pelo que defende Jean Cassou, mas, principalmente pelas idéias de HA, como a defesa de ampliar o acesso à leitura. Não era à toa que anunciava quando as editoras ofereciam livros a preços mais baixos, o que, obviamente, facilitava sua aquisição: “[...] Continua a Coleção Saraiva a cumprir o seu bom programa editorial, do qual consta a divulgação mensal, a preço módico, de livros de autores nacionais e estrangeiros”140. No entanto, ressalta: “[...] não adianta baixar o preço, baixando, também a qualidade da literatura” 141. HA também incentivava a formação de clubes literários os quais proporcionavam a circulação de livros: “Uma das provas de que o movimento literário no Brasil vai ganhando mais força e crescendo de importância, atingindo, mesmo, um público maior, está no fato da multiplicação dos clubes ou círculos literários, que objetivam a difusão do livro em amplos setores das nossas populações”.142

É inegável que a crítica de jornal possibilita que a massa de leitores, os “letrados”, portanto uma parcela pequena da população brasileira, tenha acesso a nomes e títulos que estão em circulação, o que não seria possível caso o espaço para tal divulgação fosse restrito

139 ALENCAR, Heron de. Caleidoscópio - Liberdade de viver. A Tarde. Salvador, p. 9, 2 jul. 1949. 140 Idem. Caleidoscópio - Em surdina. A Tarde. Salvador, p. 9, 17 set. 1949.

141 Idem. Caleidoscópio - As edições Saraiva. A Tarde. Salvador, p. 9, 30 out. 1948. 142 Id., loc. cit.

às revistas especializadas, que não atingem o leitor comum. Percebendo que era preciso mais do que divulgação, difusão para que o acesso à cultura fosse possível a amplos setores da população, HA teve uma atuação política no que se refere à educação. Propôs, como já foi visto no Capítulo 1, alteração nos currículos dos cursos de Letras da Universidade brasileira e incentivou a materialização de projetos como “A hora da criança”, uma realização local de Adroaldo Ribeiro Costa, que promovia o desenvolvimento de habilidades como leitura, desenhos, realização de peças teatrais pelas crianças através da literatura de Monteiro Lobato. Além disso, defendia a idéia de que o ensino deveria servir para desenvolver uma postura crítica e reflexiva nos estudantes diante dos fatos sociais.

Mas não se pode ter a ilusão de que o projeto da Modernidade, dentro da posição de Garcia Canclini143, tinha apenas o objetivo “ilustre” de promover a divulgação para educar “as massas”. Atender às demandas do mercado é também uma questão importante, se não uma das fundamentais, na sociedade moderna. HA criticava, porém, o que chamava de “indústria literária”144 que promovia livros por encomenda, os quais, segundo ele, careciam de qualidade e levavam à morte do escritor. Valorizava os escritores que se dedicavam ao estudo e pesquisa, ao amadurecimento de idéias e não ao “corre-corre” das editoras. Isso não quer dizer que considerasse de todo ruim a relação entre o mercado e a literatura, apontava para a necessidade de reflexão sobre as mudanças que este proporcionava à literatura, inclusive sobre o conceito do que é ou não literatura, do que faz parte ou não da cultura de um uma sociedade, dos discursos sobre literatura e cultura145. Quando levantava essas questões, não era em um tom judicativo, mas sim no sentido de estimular os debates acerca do problema. Mas, como já foi dito, estas questões extrapolam o corpus deste trabalho e, portanto, serão aprofundadas em outro momento.

Outras características, além das já citadas, também devem ser assinaladas. Sendo o jornal o espaço, por excelência, da divulgação ou crítica ligeira, enquanto nas revistas e nos livros caberia a crítica mais especializada, deve-se considerar mais estas particularidades: o tipo de leitores a quem se direciona o texto, a linguagem que deve ser utilizada e o tipo de abordagem do texto. Segundo Bourdieu:

A especificidade do discurso de autoridade [...] reside no fato de que não basta que ele seja compreendido (pode até, em certos casos, sê-lo, sem

143 GARCIA CANCLINI, Nestor. Das utopias ao mercado... op. cit., passim.

144 Termo usado em: Literatura – um conceito em crise. Tese (Concurso para livre docência) - Universidade da Bahia. Salvador, 1953.

perder o seu poder), e de que ele só exerce o seu efeito próprio na condição de ser reconhecido como tal. Este reconhecimento – acompanhado ou não da compreensão – só é concedido, no modo evidente, sob certas condições, que são aquelas que definem o uso legítimo: deve ser pronunciado pela pessoa legitimada para o pronunciar, pelo detentor do Skeptron, conhecido reconhecido como habilitado e capacitado para produzir essa classe particular de discurso [...] deve ser pronunciado numa situação legítima, ou seja, perante receptores legítimos [...] deve, por fim, ser enunciado nas formas legítimas. 146

A crítica acadêmica, por assumir o lugar dos “diletantes”, vai-se ater a uma linguagem mais fechada (linhas teóricas, procedimentos, etc.) e vai dividindo o público-leitor. Entre estes, estão aqueles que querem saber das novidades e comprar, e aqueles que querem, evidentemente, analisar ou ter uma compreensão do livro ou do autor (dentro ou fora do contexto). Por isso que o elemento das “formas legítimas”, colocado por Bourdieu, ou seja, a linguagem é tão importante. Pode-se encontrar uma divisão de registros de fala (do discurso) no mesmo crítico: um registro mais livre, mais coloquial para o jornal, e um discurso mais fechado, com jargão específico, para as revistas especializadas e para os livros. Assim, ele atende a dois públicos distintos: o leitor médio e o leitor especializado.