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ALENCAR, Heron de Falam as relíquias do poeta A Tarde, Salvador, p.2, 14 mar 1947.

A ATUAÇÃO DE HA NA IMPRENSA E NA MÍDIA BAIANAS

2.1 O ESPAÇO DA LITERATURA NA IMPRENSA DO FINAL DA DÉCADA DE

A atuação de HA inicia-se no cenário cultural baiano em um momento singular de transformações no parque editorial e maior ênfase à divulgação no que se refere à visualização da literatura e das artes em periódicos, que não só atingem modificações na linha de orientação da crítica literária, mas também na diferenciação em página única ou em suplemento. Após a Segunda Guerra Mundial, a vida literária na imprensa começa a sofrer mudanças. Segundo Ivia Alves, em estudo sobre o crítico Eugênio Gomes121, as inquietações do período de fim de guerra não atingem apenas os setores econômico e político. As modificações na esfera cultural tecem um novo contexto, no qual o papel da imprensa assume especial relevância, principalmente no âmbito literário e nas artes. Após 1945, os periódicos concedem um maior espaço em favor da literatura estrangeira e da brasileira que, nesse momento, passa por alterações no campo teórico, ao mesmo tempo em que convivem os artigos de divulgação e notícias, quase sempre com sua crítica impressionista e judicativa, com os ensaístas e estudiosos de literatura, que já assumiam métodos de análise com menor

120 OLIVEIRA, Waldir Freitas. Destaque para Heron de Alencar. A Tarde, Salvador, 10 out. 1992. Caderno Cultural, Letras e Artes. p. 5-6.

121 ALVES, Ivia. Visões de espelhos: o percurso crítico de Eugenio Gomes. 1996. 314 f. Tese (Doutorado em Letras) - USP. São Paulo.

juízo de valor, ou até mesmo críticos que começavam a exercitar seus estudos tendo como alicerce teorias literárias da época (psicológica, sociológica, humanista, new criticism). Os jornais do Rio de Janeiro, a capital do País, estão entre os primeiros. Ainda segundo Ivia Alves, esses periódicos tentam “[...] ilustrar [seus leitores, ao abrirem] seções (páginas inteiras) ou criarem suplementos no formato de tablóides destinados à literatura e às artes[...], [e por necessidade, são] obrigados a admitir novos colaboradores, atendendo à diversificação de interesse do seu público leitor”122. Aliás, não só os jornais como também as revistas são responsáveis pelas modificações. Nesse período, também se registra o aparecimento de várias revistas especializadas a um setor ou abrangendo todos (artes, literatura e cultura) que buscam atingir um público mais especializado do que o leitor mediano de jornal123.

Essas alterações cariocas, na parte da diagramação e o isolamento em página separada de literatura e artes dos periódicos, vão repercutir em todos os Estados, que passam a manter uma página ou um suplemento literário. Salvador não fica de fora dessas alterações. O jornal A Tarde, que iria começar a tomar a dianteira dos outros, alcançando, hoje, o posto de periódico de maior circulação no norte e nordeste, promove as mesmas inovações nessa área com a edição de uma página dedicada apenas à literatura. Apesar de nem sempre ser assim designada, aliás algumas páginas nem título ou sequer uma indicação apresentam, os textos publicados permitem assim compreendê-las.

Nas páginas literárias desse jornal, em 1947 por exemplo, são publicadas crônicas, fábulas, entrevistas, artigos sobre exposições de artes plásticas, poemas, a secção “Notas musicais” de Carlota Xavier, textos sobre o papel dos intelectuais no mundo e crítica literária (que às vezes se apresenta no terço final da página, onde aparecia anteriormente a crítica de rodapé). Esta página, que no início de 1947 tem quase a metade do seu espaço tomado por propagandas, vai sofrer alterações ao longo do ano, até que passa a ter um formato definido, em 1948. Neste ano, já não há mais lugar para propagandas, uma vez que a página de literatura é toda preenchida com textos de colaboradores. Aliás, questões referentes à

122 ALVES, Ivia. Visões de espelhos: o percurso crítico de Eugenio Gomes, op. cit., p.88.

123 Na coluna Caleidoscópio, de HA, pode-se verificar mais especificamente essa situação. Diversas são as revistas de artes e literatura que circularam no País, naquele momento que mereceram registro na seção. Para maiores detalhes, poder-se-á consultar o Anexo B dessa dissertação, no qual consta o índice de todas as revistas comentadas por HA. Além disso, também há diversos trabalhos sobre os periódicos desse período, na linha de Documentos da Memória Cultural. Na Bahia, pode-se ler, a exemplo, a dissertação de Karina Nascimento sobre o Movimento e revista Caderno da Bahia, PPGLL, 2000; a dissertação de Ayeska de Paula Freitas, intitulada

Presença, revista para moças: um lugar para leitoras e escritoras do pós-guerra, PPGLL, 2000; a de Aline Paim, A Paladina do lar: escrita feminina baiana (1910-1917), PPGLL, 2000; a de Adeítalo Manuel de Pinho, Um crítico, dois caminhos: a produção de Adonias Filho e Djalma Viana, PPGLL, 1999; a de Angélica Vergne

Morais, Santana dos olhos d´água: um resgate cultural da produção escrita em periódicos de Feira de Santana (1880-1920), PPGLL, 1998; a de Itana Nogueira, sobre a atuação de David Salles, PPGLL, 1996; entre outras.

literatura não se restringem àquela página; mais tarde, na sua terceira página, o periódico baiano passou a reproduzir, de Afrânio Coutinho, as “Correntes Cruzadas”, que ele publicava no Suplemento Literário do Diário de Notícias, do Rio de Janeiro. Esta informação é especialmente importante, mais adiante, para que se possa pensar o modo de confluência de pensamento crítico que irá aproximar o novo crítico HA do experiente Afrânio Coutinho.

Mas, antes de iniciarmos qualquer consideração sobre o trabalho de HA em A Tarde, é imperativo citar o nome e comentar a atuação daquele que foi a maior figura (de crítico) do periodismo baiano entre os anos de 1928 a 1946. Carlos Chiacchio é um nome marcante que se destaca nesse cenário, pelo tempo de duração de sua coluna em um mesmo jornal de Salvador. Segundo Jorge Calmon124, Chiacchio foi, nos seus dezoito anos de atuação na cena cultural baiana - com publicação de artigos, poemas, participação em revista (foi colaborador de A Nova Cruzada e um dos fundadores de Arco e Flexa), coordenação de páginas de literatura e os rodapés semanais do jornal A Tarde -, “[...]a figura de maior presença na vida cultural da Bahia, na primeira metade deste século”. Nas palavras de Calmon, o conjunto de seus rodapés é a melhor fonte de informação e compreensão do “viver cultural baiano” em um período em que a imprensa costumava dedicar, às coisas de cultura, espaço e atenção especiais. Chiacchio não era apenas um divulgador, mas também crítico literário, como afirma e prova Dulce Mascarenhas no seu estudo sobre o intelectual baiano125. Seu trabalho foi encerrado por conta de seu falecimento em julho de 1947, mas imortalizado na memória de quem o conheceu e no livro de Mascarenhas.

Com a morte de Carlos Chiacchio, HA assume a princípio seu lugar e os rodapés literários do periódico baiano, conservando seu formato. Em novembro de 1947, dá início à coluna designada de Caleidoscópio, de publicação quinzenal, e com o subtítulo “Coluna de crítica literária e política”, indicando que não se restringia apenas à questão literária, mas suas considerações abrangiam também o contexto social, as condições de produção, abrindo até a cultura e questões referentes à Segunda Guerra. Nessa coluna, HA também comentava criticamente os posicionamentos dos escritores, tanto os europeus quanto os brasileiros, sobre questões que imperavam na conjuntura política de seu tempo; criticava a posição dos que permaneceram alienados ou se uniram ao regime de Hitler e valorizava aqueles que,

124 CALMON, Jorge. Reencontro com Chiacchio. In: MASCARENHAS, Dulce. Carlos Chiacchio: Homens e obras. Itinerário de dezoito anos de rodapés semanais em A Tarde. Salvador: Academia de Letras da Bahia,

1979. p. 7-11.

125 Assim como HA, Carlos Chiacchio também não era baiano de nascimento, mas como se mudou para a Bahia desde a juventude para estudar Medicina e aqui desenvolveu suas atividades, cabe-lhe tal título. Para uma melhor compreensão de sua atuação cultural e de seu trabalho em A Tarde, pode consultar o livro de Dulce Mascarenhas sobre Carlos Chiacchio.

indignados com o que estava acontecendo no mundo, passaram suas preocupações para dentro de seus textos.

Mas HA não iniciou seu trabalho no jornal A Tarde com a coluna, substituindo Chiacchio. Em março de 1947, portanto, antes mesmo da morte de Chiacchio, já havia publicado uma reportagem sobre o centenário de Castro Alves. Em 27 de julho, dez dias após a morte de Chiacchio, publica um artigo de cunho social sobre a assistência à maternidade, uma crítica à falta de preocupação do governo com a mortalidade infantil. E em 29 de setembro surge, então, o veio poético do futuro crítico na crônica Diálogo de rua, que trata de um flagrante do cotidiano. Assim, antes de dar início à sua atividade de crítico, HA publicou três textos em diferentes linguagens e gêneros: uma reportagem jornalística, um artigo e uma crônica, textos que serão retomados no final deste capítulo.

2.1.1 Polêmicas críticas do período: crítica de rodapé e crítica acadêmica

A crítica de rodapé, geralmente de cunho impressionista, começou no Rio de Janeiro, centro cultural do País, e com a entrada de uma nova geração de críticos passou a sofrer ataques contundentes do crítico baiano, radicado no Rio de Janeiro e recém-chegado dos EUA, Afrânio Coutinho. Este passa a divulgar, através de sua coluna “Correntes cruzadas”, novos procedimentos de análise literária, combatendo a prática de avaliação através de juízo de valor subjetivo. Assim, ao mesmo tempo em que o período, que vai do final da década de 40 ao início de 50, é marcado pela crítica de rodapé na Bahia, também se configura como um tempo de fronteira entre os procedimentos de análise literária. Esse é, por conseguinte, um momento cultural importante, com a entrada de modelos não franceses na crítica literária brasileira. Segundo Flora Sussekind126, é esse período que vai fornecer as bases para a constituição do perfil do crítico moderno em nosso País, tais como Antônio Cândido, José Aderaldo Castello, Eduardo Portella e outros. Percebe-se, nas páginas dos periódicos da década de 40, o que a estudiosa vai denominar de:

[...] tensão cada vez mais evidente entre um modelo de crítico pautado na imagem do “homem de letras”, do bacharel, e cuja reflexão, sob a forma de resenhas, tinha como veículo privilegiado o jornal; e um outro modelo,

126 SUSSEKIND, Flora. Rodapés, tratados e ensaios: a formação da crítica brasileira moderna. In:______. Papéis colados. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993. p.13.

ligado à “especialização acadêmica”, o crítico universitário, cujas formas de expressão dominantes seriam o livro e a cátedra.127

Nessa tensão é que se estabelece a questão do poder do discurso. O pano de fundo dessa disputa entre os tipos de crítica é a entrada da academia na cena literária. A questão é: quem estava autorizado a falar de literatura? Eram aqueles jornalistas que “gostavam” de ler e seguiam uma tradição opiniática, que possuíam formação universitária, mas não especializada, ou aqueles que se detinham na especialização, saídos de Faculdade de Filosofia ou de Letras? Os primeiros não eram críticos especialistas com formação acadêmica na área. Esta é uma das questões colocadas por Afrânio Coutinho, o árduo defensor de uma crítica especializada e da introdução de Teoria Literária nos cursos de Letras, a partir da década de 60. Segundo Coutinho: “[...] formação tão ampla e complicada só pode ser adquirida no lugar adequado que são as universidades e Faculdades de Letras”128. Ali é que deveria ser formado e forjado o porta-voz, assim caracterizado, nas palavras de Bourdieu, no contexto contemporâneo:

O porta-voz autorizado só pode agir pela palavra sobre outros agentes e, por intermédio e trabalho deles, sobre as próprias coisas, porque a sua palavra concentra o capital simbólico acumulado pelo grupo que o mandatou e do qual ele é o fundado de poder.129

A palavra do crítico literário no início da Modernidade sempre foi um exercício de poder capaz de classificar, incluir ou excluir obras, de decidir o que é ou não literatura, de buscar ser a palavra única e absoluta. A posição de Coutinho, já depois da Segunda Guerra, quando se começa, timidamente, a contestar certas verdades absolutas e universais, não é a única, e foi também contestada por Antônio Cândido na época, segundo Flora Sussekind130. De acordo com a estudiosa, para Cândido a especialização do crítico estava ligada a uma maior “[...] complexidade e diferenciação do trabalho cultural de uma sociedade”131, uma vez que as mudanças que ocorrem na cultura de determinada sociedade vão interferir no pensamento e na produção de seus indivíduos. Assim é que o surgimento dos cursos de Letras

127 SUSSEKIND, Flora. Rodapés, tratados e ensaios..., op. cit., loc. cit.

128 COUTINHO, Afrânio. Jornal de Letras, ago. 1957. Apud. SUSSEKIND, Flora. Rodapés, tratados e ensaios..., op. cit.,19.

129 BOURDIEU, Pierre. Linguagem e poder simbólico. In: ______. O que falar quer dizer: a economia das trocas lingüísticas. Tradução Wanda Anastácio. Algés: DIFEL, 1998. p. 97. (grifo do autor)

130 SUSSEKIND, Flora. Rodapés, tratados e ensaios... op. cit., loc. cit.

no País provocou mudanças culturais. Percebe-se que, para Coutinho, como resultado da formação em uma Faculdade de Letras, deveriam sair as falas autorizadas para culturas e livros e ir desaparecendo os divulgadores de uma tradição que vinha sendo seguida desde o final do século XIX. Mas não se pode esquecer que ele, assim como muitos outros críticos até aquele momento, iniciou sua carreira com a crítica de jornal, seja como dono de uma coluna ou como colaborador de uma página literária, mas sempre se diferenciando pelo discurso, pelas metodologias e introduzindo análises, sem julgamentos de valor, isto é, se a obra era boa ou má, se a obra valia ou não a pena. O grupo acadêmico tinha uma visão mais abrangente, sabia o que tinha que ser escrito no Brasil, inclusive aceitando desregramentos “gramaticais” na língua portuguesa, como também podia aquilatar a obra em função do que estava ocorrendo no mundo das letras de línguas latinas e/ou línguas teuto-inglesas. Este tipo de crítica possuía algumas particularidades que são destacadas por Flora Sussekind ao tratar de rodapés, tratados e ensaios:

(...) uma crítica ligada à não-especialização da maior parte dos que se dedicam a ela, na sua quase totalidade ‘bacharéis’; ao meio em que é exercida, isto é, o jornal – o que lhe traz, quando nada, três características formais bem nítidas: a oscilação entre a crônica e o noticiário puro e simples, o cultivo à eloqüência, já que se tratava de convencer rápido leitores e antagonistas, e a adaptação às exigências (entretenimento, redundância e leitura fácil) e ao ritmo industrial da imprensa; a uma

publicidade, uma difusão bastante grande (o que explica, de um lado, a

quantidade de polêmicas e, de outro, o fato de alguns críticos se julgarem verdadeiros ‘diretores de consciência’ de seu público, como costumava dizer Álvaro Lins); e, por fim, a um diálogo estreito com o mercado, com o movimento editorial seu contemporâneo.132

Sussekind utiliza a palavra-chave que está no centro da discussão colocada por Afrânio Coutinho133 nos seus embates contra a crítica de rodapé: especialização. A maior parte dos críticos possuía formação em humanidades (Direito e Medicina), por isso tinha um conhecimento amplo no campo das artes e literatura, o que lhes conferia, até a década de 40 do século XX, certa legalidade para realizar estudos críticos, influenciar o público e ganhar um salário extra com sua coluna no jornal, caso não fosse contratado como jornalista- divulgador de livros novos publicados por editoras brasileiras. No entanto não havia passado

132 SUSSEKIND, Flora. Rodapés, tratados e ensaios ensaios..., op. cit., p.14-15. Grifos da autora

133 Apud. SUSSEKIND, Flora. Rodapés, tratados e ensaios..., op. cit., passim. Essa citação não será explorada o suficiente aqui porque levanta algumas questões, a exemplo da indústria cultural, que exigem maior aprofundamento que não poderia ser realizado sem a inclusão de textos nos quais HA coloca a questão, mas que não fazem parte do objeto deste trabalho, que se constitui dos textos publicados em A Tarde.

por uma Faculdade de Letras. Este é o caso, por exemplo, de Carlos Chiacchio, mas não de seu sucessor, HA, que apesar de formado em Medicina, a qual nunca exerceu, deslizou para o jornalismo e, por causa de sua formação socialista, fincou pé e se especializou em literatura. Chiacchio e HA tinham a mesma formação, mas eram de gerações distintas. HA, não sendo da mesma geração de Afrânio Coutinho, pendeu como este para o lado humanístico (holístico, atualmente), atuando nos campos da Cultura, Educação e, especialmente, na área da Literatura, tomando como fundamento para as suas leituras críticas a teoria da literatura, vinculada, principalmente, ao veio anglo-americano.

Se a “tensão” do período 1940/60 forneceu as bases para a formação do perfil do crítico moderno no Brasil, no olhar de Sussekind134, devem ser, aqui, discutidos alguns aspectos da Modernidade para entender o porquê dessa polêmica entre os modelos de crítico. É evidente que o texto de jornal, a crítica de rodapé ou “diletante”, está inserida no que a modernidade, a partir da emergência de várias teorias para a literatura, vai chamar de “baixa cultura”, já que é a crítica judicativa produzida para um espaço midiático que é o jornal, e para um público indiscriminado.

O resultado foi que a crítica de rodapé foi perdendo espaço e a crítica universitária foi assumindo o espaço de crítica especializada, formatada em suplementos. A crítica de rodapé desempenhou o papel de legitimar obras e autores. É, portanto, uma vertente da crítica literária, é “o outro do cabo”, a outra ponta que por um determinado período ocupou um papel de destaque, sendo inclusive, a que originou a outra, já que a palavra cabo, no dizer de Derrida135, pode indicar tanto o início como o fim. Isso mostra o quanto as extremidades do cabo podem-se alternar no papel de direção, alternarem-se no papel da “exemplaridade”, do modelo construído por agentes intelectuais, a ser seguido. Por isso, a articulação entre os dois modelos é necessária e eles se complementam na atividade crítica literária. A exclusão de um dos modelos não é frutífera aos estudos literários. Segundo Massaud Moises136, com a perda de espaço da crítica de rodapé e a posição de destaque da crítica acadêmica, o que equivaleria, na terminologia usada por Derrida, a mudança de extremidade do cabo, ganhou-se na profundidade das análises, mas os leitores perderam com o dogmatismo da nova crítica. Ressalta a importância da crítica de rodapé, que possuía uma função:

134 SUSSEKIND, Flora. Rodapés, tratados e ensaios: a formação da crítica brasileira moderna. In: ______. Papéis colados. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993. p.15.

135 DERRIDA, Jacques. O outro cabo. Coimbra: Reitoria da Universidade; A Mar Arte, 1995.

136 Massaud MOISÉS. Crítica em rodapés. O Estado de S. Paulo. 9 set. 2000. Caderno C. Disponível em <http://www.secrel.com.br/jpoesia/disseram33.html#dificil>. Acesso em: 13 abr. 2002.

Em conseqüência, os suplementos literários foram desaparecendo ou mudando de figurino, talvez cônscios de que deixavam um espaço que nada preencheria. É que a crítica de jornal, ainda que efêmera e tudo o mais que se possa dizer, cumpria, e ainda cumpre, um papel singular, que não pode ser desempenhado por nenhum órgão universitário. Por isso, à maneira das crônicas, os rodapés críticos, ou equivalentes, resistem mal ao teste do livro: o brilho da novidade não é o mesmo, embora o leitor possa desentranhar ali material abundante de reflexão e informação, justamente por se reunirem impressões da hora, que se perderiam caso fosse necessário esperar o transcurso do tempo para que o crítico se debruçasse sobre as obras. Embora permaneça a sua utilidade como testemunho direto dos acontecimentos, não tem como evitar que se dissipe a possível força de impacto ou de polêmica.137

O resgate de textos produzidos em jornais torna possível o conhecimento de momentos da nossa história, do que se passava simultaneamente à historia literária oficial. Além disso, permite saber da recepção de obras, de idéias que circularam e que formaram uma nova geração de literatos e artistas. Possui, portanto, um papel importante no entendimento das mudanças culturais de determinada sociedade.