• Nenhum resultado encontrado

Caleidoscópio A Tarde, Salvador, p 9, 28 abr 1951.

“ MANIFESTAÇÕES DE ATITUDE CRÍTICA ” DIANTE DA LITERATURA E DA CULTURA

3.3 IMPRESSÕES DA COLUNA CALEIDOSCÓPIO : OS SUBTÍTULOS MAIS FREQÜENTES

Há alguns textos da coluna que podem ser agrupados em pequenos blocos por apresentarem o mesmo título e se manterem durante certo período. São eles: “Variações”, “Biografias”, “Miniaturas”, “Flagrantes”, “Depoimento”, “O escritor e a política”, entre outros. Ainda há textos de resenha crítica que, mesmo não apresentando título comum, também podem ser agrupados, e aqui o foram, porque formam um conjunto do ponto de vista temático ou de procedimento analítico. São os que apresentam uma análise mais concentrada de obras literárias e exprimem a visão de HA sobre questões como a função da literatura e a escolha de temas para os romances. A fim de fornecer um panorama desses textos, apresenta- se aqui uma descrição e comentário dos blocos considerados mais importantes, por justamente evidenciarem procedimentos críticos e as principais idéias de HA.

3.3.1 Biografia e Miniatura: do perfil de escritores ao exercício de um procedimento de análise crítica

Sob o título de “Biografia”, e posteriormente “Miniatura”, HA traçava um perfil biobibliográfico dos escritores nacionais e realizava leituras breves da produção. A subseção “Biografia” aparece já na primeira coluna publicada, em 29 nov. 1947 e vai até 13 mar do ano seguinte, com um total de seis textos221. Há um intervalo breve de uma seção Caleidoscópio sem esse tipo de subseção, o que corresponderia a quinze dias, mas nesse caso o período foi de um mês porque, em abril daquele ano, apenas uma coluna foi publicada. O fato é que, nesse mês, HA publicou um artigo, e era costume seu não publicar Caleidoscópio quando publicava um artigo com sua assinatura. Mas, logo em seguida, retoma o mesmo formato de texto com o subtítulo de “Miniatura”, esta iniciada em 8 maio 1948 e mantida até 4 jun. do ano seguinte, num total de 14 textos222. É provável que a mudança de título tenha tido a

221 Os escritores tomados nesses textos são: José Geraldo Vieira, em 29 nov. 1947; Dyonélio Machado, em 13 dez. 1947; Érico Veríssimo, em 3 jan. 1948; Guilherme de Almeida, em 17 jan. 1948; José Lins do Rego, em 31 jan. 1948; Jorge Amado, 13 mar. 1948.

222 Os escritores tomados nesses textos são: Graciliano Ramos, em 8 maio. 1948; Manuel Bandeira, em 5 jun. 1948; Lúcia Miguel Pereira, 24 jul. 1948; Álvaro Moreyra, 4 set. 1948; João Clímaco Bezerra, 31 dez. 1948; Bueno de Mineira, 15 jan. 1949; Paulo Ronai, 29 jan. 1949; Domingos Olímpio Braga Cavalcanti, 12 fev. 1949;

intenção de dissociar aquele trabalho com a forma de crítica literária que vinha sendo exercida pelo seu antecessor Chiacchio, a biocrítica e o impressionismo crítico. Esta atitude de HA talvez tenha sido reflexo das polêmicas levantadas sobre os procedimentos da crítica, principalmente por Afrânio Coutinho recém-chegado dos EUA defendendo a nova crítica, já em vigor naquele país desde os anos 30. Percebendo a importância de se estudar as mudanças que apontavam no horizonte brasileiro, HA evitava repetir os modelos anteriores.

O novo título sugeria um resumo da vida e produção do escritor, além disso, seu significado dicionarizado de uma pintura, desenho ou fotografia, aproxima-se do que Bueno Rivera afirma sobre o conceito de perfil em periódicos. Para ele, essa denominação está relacionada com a nomenclatura das artes plásticas, significando um esboço, um contorno da figura, no caso, de um escritor. Essas colocações ainda são reforçadas pelos desenhos e reprodução de fotografias que acompanham os textos na coluna de HA. Privilegiando uma descrição da história de vida intelectual de alguns romancistas, pouco aprofunda, nesses textos, suas análises, ou seja, nos seus comentários restringe-se à visão geral do escritor. É, de fato, um perfil de escritores que é esboçado naqueles textos. Ainda de acordo Rivera,

El perfil, abundantemente utilizado en el periodismo cultural, no es otra cosa que la presentación rápida, esquemática e informativa, de una figura literaria, artística o intelectual sobre la que se desea informar a un público no especializado. El motivo de un perfil puede ser el otorgamiento de un premio, la llegada al país en calidad de visitante, el crecimiento de su notoriedad o algún hecho circunstancial que ponga a la figura en cuestión en un plano de expectativa pública. La aparición de un libro o la muerte de un personaje pueden ser ocasión para el perfil, aunque por lo general se reservan para dos géneros más específicos: la nota crítica y el obituario o nota necrológica. 223

Esse tipo de perfil não se restringia a esses blocos de textos aqui destacados, ao contrário, eram elaborados em muitos outros textos da coluna. O fato de serem aqui ressaltados justifica-se por formarem um conjunto que permite perceber, também, entre outras, questões importantes que servem à compreensão dos procedimentos utilizados por HA. Essa afirmação será comprovada mais adiante.

São diversas as notas sobre acontecimentos políticos que envolveram romancistas e poetas, sobre as visitas de escritores nacionais em Estados diferentes daqueles de sua origem Roberto Alvim Corrêa, 11 mar. 1949; Afonso Schimidt, 21 maio 1949; Orígenes Lessa, 4 jun. 1949; Walter Spalding, 16 jul. 1949; Otávio Tarquínio de Souza, 10 dez. 1949; Anibal Machado, 25 fev. 1950.

e atuação literária, e de escritores estrangeiros no Brasil, ou sobre falecimentos; enfim, todas as situações descritas acima podem ser encontradas em Caleidoscópio. E esse não era um trabalho de menor importância, a sua realização exigia mais do que simples habilidades de escrita e síntese, é o que afirma Rivera sobre esse tipo de atividade.

El perfil requiere cierto grado de información puntual sobre las características del personaje (no más, en definitiva, que la asimilable por un lector general o con intereses sólo marginales), pero exige en cambio una considerable capacidad para intuir sus facetas de color y para presentarlo de manera atractiva e interesante en sus aspectos humano e intelectual. El perfil periodístico será talvez el único punto de contacto entre los lectores y la figura elegida, y en este sentido se trata de obtener el máximo partido posible de esa oportunidad privilegiada y seguramente exclusiva.224

Aquele que desenhava o perfil deveria possuir conhecimento sobre a matéria, no caso, sobre a vida e a produção do escritor. Também deveria ser capaz de selecionar trechos dos principais livros e personagens, fatos ou acontecimentos da vida que pudessem atingir e envolver de forma positiva seus leitores, fornecendo a visão de mundo do escritor. Finalmente, deveria ainda demonstrar uma habilidade ímpar no manejo das palavras. HA, se ainda era, aos 26 anos, um iniciante nas letras, não o era com a palavra escrita, e já apresentava essas qualidades e a inclinação para a pesquisa. Algumas vezes, chegava a indicar a fonte de consulta bibliográfica, o que servia como argumento de que o novo tipo de crítico que emergia era diferente do “crítico de ouvido” (expressão usada por Coutinho em Crítica e críticos), revelando assim que tinha uma preocupação maior com a literatura, a cultura e o contexto social. Seu trabalho era realizado de forma séria e profissional, havia um compromisso com a promoção da literatura, sem modismos ou grupinhos de apoio ou de indiferença ou detratores ideológicos.

Dos vinte textos que se enquadram nesse bloco, treze não apresentam análise da obra, mantendo-se no campo da biografia, ou seja, das atividades exercidas pelo autor na área do jornalismo, título e ano de publicação dos livros, e, algumas vezes, da importância do escritor no cenário nacional da literatura brasileira. Para ressaltar essa importância, HA recorria a citações de terceiros, tanto de outros críticos quanto de escritores que não eram críticos profissionais.

Em alguns casos, principalmente nos primeiros textos, é provável que HA se utilizasse desse recurso quando não havia lido a obra - ressalte-se que estava começando, aos 26 anos, sua atividade de crítico - por isso não podia dar conta de todas as obras citadas naquele subitem. A inclusão de comentários ou análises pontuais de terceiros servia para legitimar o autor, assim como para evidenciar que era partidário da construção de um diálogo entre os intelectuais que pensavam a literatura. Mesmo quando não indicava as fontes, o que acontecia algumas vezes, deixava evidente, através das citações, que algumas das opiniões e juízos veiculadas eram de terceiros, geralmente de estudiosos e/ou escritores conceituados junto ao público leitor de sua coluna. Entre os críticos, Álvaro Lins era nome constante. HA também recorria a opiniões de prefaciadores de livros, entre os quais podem ser citados: o comentário de Fernando Diniz sobre o livro de Flávio Jarbas, Goteira do coração; o de Graciliano Ramos sobre o segundo romance de Alina Paim, Simão Dias; e o de Roger Bastide sobre Chamado do mar, de James Amado.

Algumas das obras citadas nesse momento poderiam ser, e em alguns casos foram, retomadas posteriormente, como foi o caso do livro de José Geraldo Vieira, A túnica e os dados. Com este escritor inaugurou-se a primeira biografia:

José Geraldo Vieira é, atualmente, um dos maiores romancistas brasileiros. Nasceu no Rio de Janeiro, a 16 de abril de 1897 e é filho de pais portugueses, de Açores. Formado em medicina pela Universidade do Rio de Janeiro, estudou, também, na França e na Alemanha, onde se demorou algum tempo. Escreve desde os tempos de ginasiano e, quando ainda estudante, publicou O triste epigrama, que mereceu elogios dos maiores críticos brasileiros da época. Depois, lançou um livro de contos

A ronda dos deslumbramentos, em 1936 publicou o romance Território humano, consagrado pelas críticas brasileira e portuguesa. Apareceu,

posteriormente, A mulher que fugiu de Sodoma, considerado uma das melhores realizações da nossa literatura e, talvez, a sua melhor obra. Vieram, em seguida A quadragésima porta e A Túnica e os Dados.

José Geraldo Vieira vive, hoje em dia, em Marília, no interior de São Paulo, onde exerce a medicina. Fala-se que dentre em pouco, publicará um novo romance, enriquecendo, assim, a nossa literatura para a qual tem contribuído de maneira decisiva.225

Neste primeiro texto, há a introdução de um autor claramente desconhecido a um público leitor mediano, limitando-se a fornecer informações superficiais: onde nasceu o autor, sua filiação, formação, livros publicados e situação no cenário literário. Cinco meses depois, a 10 de abril do ano seguinte, apresenta aos leitores o resultado de sua leitura de um dos livros

daquele escritor. Apesar de considerar José Geraldo Vieira um bom romancista, HA afirma que seu último livro - A túnica e os dados - não correspondeu à sua altura no que se refere à técnica: “[...] ele nos dá a impressão de um artista cansado de sua arte, desesperadamente à procura de novas formas de composição e de técnica, oprimido por sua terrível ânsia de criação, mas, desgraçadamente, impotente para satisfazer essa ânsia” 226. Mesmo assim, o livro foi elogiado e premiado como um dos melhores romances da moderna literatura brasileira, fato que surpreendeu o crítico, para o qual seu único mérito foi o de ter sido escrito por um autor consagrado. HA inclui trechos do livro que, para ele, evidenciam a confusão do escritor e faz uma crítica negativa dos procedimentos utilizados pelo romancista, principalmente no que se refere à técnica. Para exemplificar, reproduz o trecho do livro de Vieira que é idêntico a uma passagem de um dos livros de Dostoievski, com o seguinte comentário do próprio romancista: “Ora, todo o período, acima descrito é literalmente, exceto o nome da localidade da baldeação, e da cidade de destino, o começo traduzido do livro O Idiota, de Dostoievski. Mas, em vez de plagio, é mera coincidência!”. Para HA, o “desejo de novidade” na renovação da técnica produziu um romance inferior227.

Esse texto (que poderá ser consultado no Anexo A-3) prova que o crítico não se esquivava de realizar uma análise com julgamento dos livros que selecionava para comentário em sua coluna. Esse episódio sobre José Geraldo Vieira serve também para evidenciar a diferença no método de análise crítica exercida por HA na coluna Caleidoscópio, já que não recorre à biografia para justificar a construção dos personagens e tema da obra. Na realidade, ele começa, aos poucos, a iniciar o estudo e a análise do texto, pela sua estrutura, aproximando-se cada vez mais dos procedimentos metodológicos que privilegiam análise interna da obra.

No entanto HA não apresenta um único procedimento analítico naquela coluna, ao contrário, durante os cinco anos apresenta mudanças na maneira de ler a produção de centenas de escritores brasileiros e estrangeiros; assim, não se poderá aprisionar seu trabalho em uma única corrente da teoria crítica. Apesar disso, percebe-se que durante algum tempo HA deu continuidade ao trabalho de Chiacchio, empregando, mais ou menos, o mesmo formato, que era aquele que o público estava mais em contato até então. Talvez fosse a maneira mais fácil de iniciar tal atividade.

A mudança se faz de forma gradual, sem criar animosidade com o público e sem destratar seu antecessor. As leituras de livros de literatura ou de crítica literária que

226 Id., Essas nossas sociedades!... A Tarde, Salvador, p.5, 10 abr. 1948.

encomendava nos EUA, França, Portugal, Argélia e México228, possibilitaram o contato com outras maneiras de ler a obra literária229.

São em número de sete os textos desse bloco nos quais HA inclui, de forma mais contundente, seu conceito sobre a obra e o escritor selecionado. Os romancistas escolhidos são: Dyonélio Machado, Érico Veríssimo, José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos e João Clímaco Bezerra, sendo que é do segundo ao penúltimo que concede especial atenção, razão pela qual são tomados para exemplo de como HA procedia na leitura e análise. Há um único poeta nesse bloco: Manuel Bandeira, texto este que será comentado mais adiante.

Nesses textos, os dados históricos e biográficos, que informam as condições da produção, por isso também chamados de contextuais, são fundamentais para a análise da obra do escritor. Geralmente faz a apresentação do percurso de vida, para em seguida iluminar certos pontos da obra. Este é o procedimento utilizado, por exemplo, no texto sobre a obra de Érico Veríssimo (o mais longo texto escrito para Caleidoscópio). Na primeira parte, que trata da vida, informa o sonho do ficcionista em cursar uma escola de pintura, do seu trabalho em um armazém, e inclui trechos de depoimentos do próprio escritor sobre esse período e sobre as dificuldades que encontrou na vida. HA não apenas apresenta esses dados, mas interpreta-os e articula-os com uma linguagem particular, o que evidencia a vocação literária daquele jovem que principiava nesse campo de estudo.

E, em lugar das paisagens escocesas, ficou a pintar letreiros nos sacos de feijões e batatas, no balcão de um armazén de secos e molhados. Com essa reviravolta brusca na existência, lançado repentinamente em contato com o claro-escuro da realidade cotidiana, vendo o desfilar de tipos vulgares e brutais e o drama os simples e humildes, convivendo com um ‘sujeito de olhar frio que mascava alho’ e que lhe chamava à vida sempre que procurava fugir e mergulhar nos livros, Érico começou a derivar. Ia descobrindo pinturas, autores, músicas, e isso o impedia de se deixar levar.230

228 Em depoimento, por telefone, sobre HA, Adalmir da Cunha Miranda afirmou que tanto ele, como os amigos Heron de Alencar, Pedro Moacir Maia e Vasconcelos Maia costumavam encomendar livros a editoras daqueles países, livros estes que não eram encontrados no Brasil, muito menos na Bahia. Mas ainda não foi possível saber os títulos.

229 Não se dará ênfase aqui aos suportes teóricos que fundamentam os procedimentos utilizados por HA na interpretação dos seus textos. Mais uma vez, a opção de fornecer uma idéia geral daquele seu trabalho em A

Tarde impossibilita um maior aprofundamento dessas questões, que ficam para um trabalho posterior. 230 ALENCAR, Heron de. Caleidoscópio – Biografia. A Tarde, Salvador, p.5, 3 jan. 194.

Nesse trecho, o crítico já indica que a experiência de vida poderá servir como fonte de inspiração e/ou pesquisa para a construção da obra. Particularmente a passagem: “[...] lançado repentinamente em contato com o claro-escuro da realidade cotidiana, vendo o desfilar de tipos vulgares e brutais e o drama dos simples e humildes” serve para sugerir que apenas um homem que entrou em contato com essa realidade poderia escrever “com sinceridade” sobre essa mesma realidade. Esta afirmativa pode ser reiterada com um trecho da segunda parte, que trata da obra: “É um autor honesto. Pinta retratos à carvão das gentes simples, movimentando com maestria os elementos romanescos, dentro de uma técnica literária muito pessoal” 231.

Outro exemplo é o texto sobre Graciliano Ramos. HA inicia situando o escritor na cena literária e anunciando o julgamento da crítica corrente. Aqui também aborda as experiências de vida do autor que serão retomadas nas suas obras. Interessante observar como, tanto no texto anterior como neste, o crítico constrói sua escrita de modo a conduzir o leitor a perceber os efeitos daquelas experiências na produção do romancista. Vejamos um trecho dessa “Miniatura”:

Nenhum outro escritor disputa com Graciliano Ramos a preferência do público. A crítica é unânime em reconhecer nele o maior romancista nacional e as constantes reedições de seus livros traduzem a franca aceitação que a sua obra tem merecido. Nascido em Quebrângulo, Alagoas, a 27 de Outubro de 1892, Graciliano, antes de se transformar no grande escritor que hoje é, foi comerciante, poeta fracassado, revisor de jornal e até prefeito do interior!... vem daí, talvez, seu grande conhecimento da vida, sua experiência longa e amarga das coisas e dos homens, fatos que se revelam a toda hora e todo instante em seus livros densos e bem trabalhados.

Sua existência tem sido acidentada desde a infância. [...] Aí viveu durante algum tempo Graciliano Ramos, passando depois a Viçosa, Maceió e Palmeira dos Índios, em cujas cidades seus olhos de criança e de rapaz viram a vida passar, feia, horrível, cheia de incoerências e absurdos, um sucessivo espetáculo de dramas e angústias que marcou definitivamente o espírito do escritor.[...]232

O que ficou retido no olhar do rapaz - as angústias, os absurdos da vida - tudo isso será ressignificado pelo romancista. Para exemplificar como essas experiências pessoais estão refletidas na obra, HA continua seu texto fazendo uma análise dos personagens a partir

231 Id., loc. cit.

dessa visão. Para ele, são criaturas construídas por quem experimentou ou vivenciou amarguras e passou por dificuldades para sobreviver, por isso “[...] arruinados por sensações pouco comuns”, personagens que “[...] se movimentam em ambientes vulgares da vida ordinária”. Conclui afirmando que Graciliano Ramos exibe o ser humano de maneira crua, “[...] sem subterfúgios nem rodeios, com todos os seus defeitos, vícios, erros, virtudes, temores e receios. E, embora se afigure paradoxal, o juízo que faz dos homens é o pior e o mais frio possível, chegando mesmo ao ódio, ao desprezo, ou à indiferença”233. Neste curto texto destaca pontos que considera importantes no procedimento utilizado pelo ficcionista: a pesquisa e a reflexão sobre a condição e contradições humanas, embora faça uma restrição, qual seja: a pouca atenção dada aos condicionantes externos enquanto privilegia em demasia o interior. Diz HA que o mergulho realizado pelo romancista no interior dos personagens, de maneira “fria” corresponderia às suas características pessoais, um homem “grosseiro e esquivo”. Enfim, segundo HA, a condição de vida do escritor justificaria sua literatura.

É com esse mesmo olhar que continua discorrendo sobre outros romancistas. Destacando as vivências mais marcantes e o modo como cada escritor observa os fatos do cotidiano, e como eles os representam nos seus textos. O crítico articula vivência com criação literária. Não defende a idéia de que a criação seja fruto da “inspiração”, mas, ao contrário, o texto literário é resultante tanto da observação e/ou da vivência dos dramas que afligem os mais pobres, quanto de um compromisso com uma questão social. HA comenta autores que,