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Em meados de 1971, Heron de Alencar foi vitimado por um câncer.

Infelizmente numa destas viagens, no verão de 1971 o Heron, em Argel, começou a sentir perturbações na vista, precisando ser hospitalizado, para se submeter a alguns exames, resultando sua transferência para o hospital La Salpétrière em Paris.

Voltávamos, eu e as crianças, das férias e já o encontramos no hospital, em 4 de setembro. Ele foi operado em 7 de setembro de 1971, quando o Doutor Lhermite que o atendeu, nos deu resultado dos exames. Ele resolveu, entretanto, partir para o Brasil, 16 dias antes de falecer no Rio em 1° de janeiro de 1972.113

112 Há três versões desse texto: o rascunho intitulado simplesmente Université; uma cópia datilografada pelo autor, mas sem título e sem indicação de data; e a versão publicada na revista, em 1970. Todas as versões estão em francês, sendo que a segunda foi traduzida, e apresentam modificações no conteúdo. Esses textos não serão analisados neste trabalho.

113 ALENCAR, Wanda de. Re: Questionário sobre Heron de Alencar. Resposta enviada à pesquisadora em maio de 2003.

Chegando ao Brasil, HA ficou sob os cuidados do neurologista Paulo Niemeyer, mas não resistiu.

Na Bahia, sua morte foi registrada nos jornais em que atuou, A Tarde e Jornal da Bahia, e na Tribuna da Bahia (o único que não chegamos a pesquisar). No primeiro, além da redação do jornal, escreveram Adroaldo Ribeiro da Costa, Antônio Loureiro de Souza e Sadala Maron. Loureiro, referindo-se inicialmente à primeira diretoria da ABDE – Associação Brasileira de Escritores (secção Bahia), da qual HA fez parte, relembrou o trabalho de HA em A Tarde: “E aqui mesmo movimentou a sua página de letras, dando-lhe uma feição nova e dinâmica. Acolhia os novos que pretendiam aparecer. Estimulava-os. Com eles se reunia para o debate literário”114.Já Adroaldo Ribeiro ressalta as qualidades de amigo:

No silêncio do meu gabinete, revejo papéis, recortes de jornais, recordo os tempos agitados da ABDE da Bahia, do III Congresso Brasileiro de escritores, do “Caso Narizinho”, lembro-me que foi ele quem me apresentou a Simões Filho, e quase que vejo materializada diante de mim a figura de um dos mais bravos e leais companheiros que já tive. E tenho a impressão de que ele me põe a mão no ombro e diz, com a voz mansa que tinha em vida:

- Não fale... Eu entendo você...

- Vento, vento! Quantas folhas ainda vais arrancar, antes que o tronco ressequido desabe no chão?...115

E HA era uma das folhas da árvore que representa aquela geração. Ou até mais, porque conseguia congregar pessoas de diferentes doutrinas. Em 1947, sua casa era como um centro cultural, assim como havia sido na época de estudante quando, em 1944, transformou a casa da família em uma república de estudantes. Seu apartamento, no Edifício Lanat da Rua Junqueira Aires, era um ponto de encontro e de debates: “Faz de sua casa uma espécie de centro político-cultural-lítero-musical atípico. Por aí transitam todas as galeras, ideológicas e religiosas, literárias e filosóficas, artísticas e musicais. É um caldeirão ecumênico”116. Adalmir da Cunha Miranda, que também freqüentava a casa, relembra as reuniões que ali ocorriam:

114 SOUZA, Antônio Loureiro de. Heron de Alencar. A Tarde, Salvador, p. 3;10, 7 jan. 1972. 115 COSTA, Adroaldo Ribeiro da. O vento e as folhas. A Tarde, Salvador, p.5, 8 jan. 1972.

116 ALENCAR, Inácio de. Re: Questionário-depoimento sobre Heron de Alencar. Resposta à pesquisadora via e- mail em 16 ago. 2003.

Nas reuniões, até alta madrugada, o passar das horas não arrefecia o interesse dos presentes pela discussão do mérito dos livros cuja leitura terminaram ou de filmes vistos no Clube de Cinema [...] Também eram examinados trabalhos e projetos literários, as mostras de artes plásticas na cidade, o movimento cultural no País.117

E afirma sobre o perfil de HA:

Predominavam a afeição e o respeito recíproco entre os participantes daquelas reuniões. Maia, Motta e Silva, Darwin Brandão, Wilson Rocha, João Palma Neto, Adroaldo Ribeiro Costa e outros. Heron de Alencar não era egocêntrico. A sua liderança decorria, naturalmente, da sua afabilidade, da sua capacidade de incentivar, da sua lealdade, da sua pureza de caráter, da soma crescente de seus conhecimentos literários, da sua índole geradora de afetos e do seu carisma. Não era vaidoso e estava sempre disposto a criar espaços para que seus amigos pudessem, com seu estímulo frutífero, demonstrar seu talento e sua capacidade de trabalho intelectual.118

Enfim, HA atuou como um agente cultural, sempre engajado e em defesa de uma postura ativa da intelectualidade brasileira no sentido de pensar a realidade que constrói o homem e que é construída por suas ações. Para ele, novos símbolos seriam necessários para a construção de uma nova maneira de pensar as coisas e o mundo, para a criação de uma outra mentalidade:

A responsabilidade que, nos dias de hoje, cabe ao intelectual, seja ele escritor, pintor, músico, cientista, seja o que for, é daquelas que exigem pronunciamento imediato e nunca vacilante. Ou o intelectual participa do grande drama universal, contribuindo para que a paz no mundo e entre os homens seja cada vez mais firme, ou será ele posto à margem, como inútil, destituído de qualquer valor - voz que não se ouve, palavras que não são lidas. Não vai nisso nenhum exagero. Aliás, para ser mais exato, ninguém pode, hoje, deixar de participar da luta, seja pela paz, seja pela guerra. Ficar de cima, preso à torre-de-marfim, já não é mais possível. De tal forma se agravaram as condições do mundo, que todos os homens, por mais humildes e menores, são obrigados, mesmo sem que disso tenham consciência, de contribuir, de uma forma ou de outra. E o intelectual, mais do que qualquer outro, tem a obrigação de assim proceder,

117 MIRANDA, Adalmir da Cunha. Re: Questionário-depoimento sobre Heron de Alencar. Resposta enviada à pesquisadora via e-mail em 28 jul. 2003.

marchando à frente de seu povo e de seu tempo no caminho da paz, que não é de rosas...119

E assim agia. Sempre se colocando diante dos acontecimentos mais marcantes seja no campo das artes ou da vida política. Alguns de seus artigos e de seus textos no jornal A Tarde estão marcados por uma postura firme e consciente na defesa de suas concepções.