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DO DESENHO METODOLÓGICO DA PESQUISA

3.1 Do fenômeno em estudo

O fenômeno que se constitui no foco desta pesquisa é o processo de evolução da

consciência de gênero em mulheres de meia idade, através de sua experiência de vida (ser-no-mundo), com respeito ao seu processo de individuação (ser-si-mesma), seu processo de relacionamentos (“ser-com-outros”) e sua percepção do feminino e

masculino, na expressão, realização ou frustração dos seus desejos e aspirações.

A pergunta que guia o percurso da pesquisa é: Como é que se desenvolve o

processo de evolução da consciência de gênero na experiência de vida de mulheres de meia idade, com respeito e seus desejos, aspirações realizações e frustrações durante sua infância, adolescência e idade adulta?

Esta pergunta de pesquisa contém duas dimensões a explorar :

- Como é que se desenvolve a experiência de tornar-se mulher durante a

infância, adolescência, e idade adulta, na realização de seus desejos,aspirações ou suas frustrações?

- Como é que vai-se desenvolvendo sua consciência de gênero nessa

experiência de vida?

Para trabalhar esta pergunta, definiu-se duas dimensões: a experiência de tomar-se mulher desde a infância, adolescência até a vida adulta, e logo a evolução da consciência de gênero, nessa experiência de tomar-se mulher.

Para isto, o critério da escolha da abordagem teórico-metodológica fundamenta-se na natureza do fenômeno a estudar e no propósito desta pesquisa. Neste caso trata-se de

compreender o fenômeno da experiência de tomar-se mulher e da evolução da consciência

feminina, não como um conceito abstrato, mas tal como ele se revela na experiência de

vida das mulheres usuárias dos serviços de saúde de Florianópolis-SC, e de meia idade.

Para aproximar-nos disto, interrogamos o fenômeno na experiência vivida das mulheres, procurando que essa consciência feminina e masculina se nos revele na sua essenciahdade.

Pressupomos, apoiando-nos em Gomes (1997), que a consciência é possível de ser descoberta, descrita e compreendida, porque ela é concebida como situada num corpo, ou seja, uma consciência encarnada numa pessoa real que pode comunicar-se. Além disso, pressupomos que a consciência de gênero (feminina e masculina) está potencialmente presente mas nem sempre vista, e que, como potencialidade, pode ser revelada. Para isso percorre-se uma trajetória em direção ao desvelamento deste fenômeno tal como ele pode aparecer na experiência de vida destas mulheres.

Entre os aspectos essenciais que nos levam a indagar sobre o método está a

compreensão do fenômeno "evolução da consciência de gênero na experiência consciente

de tomar-se mulher em usuárias de meia idade”. Compreender, como objetivo da pesquisa, situa-nos no campo da hermenêutica como caminho de descrição, análise e interpretação do fenômeno que interessa. Compreender diz respeito a uma forma de cognição que diverge da explicação como tradicionalmente se entende nas ciências naturais experimentais. Para Machado (1994) "compreender é tomar o objeto a ser investigado na sua intenção total, é ver o modo peculiar, específico, do objeto existir”.

Nas ciências experimentais, o que se estuda é um problema fundamentado e justificado dentro de uma perspectiva teórica, para demonstrar os componentes do fenômeno, suas relações causais, e com o conhecimento preexistente. Isto, para refutar.

validar ou construir teorias gerais ou leis sobre eles. Para alcançar este propósito de descrever, explicar ou predizer a realidade, o trajeto de pesquisa a seguir é o método científico, próprio das ciências naturais, que garante a construção de um conhecimento objetivo (válido e confiável), demonstrável, geral (leis) e sujeito à réplica e ao controle intersubjetivo dos pares; é, portanto, temporal e perfectível. Nele o interesse é a construção de conhecimento objetivo (descritivo, explicativo, preditivo e prescritivo) acerca dos fenômenos (leis), fundados em teorias verificadas, que sustentam a proposição das hipótese que guiam o percurso metodológico. Nesta abordagem das ciências naturais, todo conhecimento é sustentado no conhecimento prévio, porque seu propósito é acrescentar, é avançar nesse conhecimento, ou criar um novo. Este modelo foi aplicado pelas ciências humanas, criando o conhecimento "científico" do estudo do homem. Contudo, ele se mostra ineficaz quando o que se pretende estudar é a experiência humana na sua especificidade de ser, na sua integralidade, na sua essencialidade e complexidade. Porque é complexa no seu devir, a experiência humana só se nos revela segundo o modo pelo qual nos aproximamos dela.

Nesta pesquisa, interessa compreender as experiências vividas pelas mulheres como "experiência consciente" ou seja, focalizar o relacionamento do sujeito com seu mundo-vida, onde o ser que conhece está voltado para algo (consciência intencional). O foco de interesse é desvelar o fenômeno da evolução da consciência feminina tal como ele se apresenta encarnado nas experiências de vida de mulheres usuárias de meia idade.

Estas características do fenômeno a estudar e a forma de interrogá-lo (que é coerente com a forma de ver e ser no mundo da pesquisadora), satisfazem os critérios da

fenomenologia como método de pesquisa. Entretanto, não é nossa intenção fazer uma

fenomenologia da evolução da consciência feminina, porém descrever esse fenômeno seguindo o caminho metodológico mais pertinente para desvelar e responder à interrogante desta pesquisa. ®

Como a trajetória da pesquisadora para contextualizar o tema deste estudo começou faz muitos anos (ver cap. 1), ela havia lido muita literatura e, no percurso recorrido para selecionar a perspectiva teórica desta tese, encontrou-se uma vasta literatura

a respeito do tema de tomar-se mulher e, ainda mais, uma enorme variedade de perspectivas teóricas possíveis de percorrer. É asssim que, para chegar à pergunta da pesquisa, percorri imia longa e profunda trajetória teórica, a qual me invalidava para fazer um estudo fenomenológico tradicional. Porém, atendendo ao propósito deste estudo, como método resultou mais coerente a minha consciência.

Por outra parte, o critério assinalado pela literatura sobre a seleção do método, em qualquer trabalho de pesquisa, deve corresponder à natureza da pergimta que se deseja responder, e, portanto, deve ser feito após formulado aquilo que se deseja pesquisar (Hili,1997; Kirk &. Miller, 1996; Marques, 1989; Miles & Huberman, 1994; Minayo, 1993). Como este estudo pretende compreender como é que se desenvolve a consciência de gênero em mulheres usuárias, durante sua experiência consciente de vida, o único método que respondia essa pergunta era o de aproximação fenomenológica. Especificamente, aquele trabalhado por Gomes (1997), pesquisador do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Rio Grande do Sul, sobre “experiência consciente”, e sociólogos como Forghieri (1989); Marques (1989); e Kude (1997, 1997a), e nas enfermeiras norte- americanas como Streubert e Carpenter (1992). Estes pesquisadores apresentam rigor metodológico com respeito à seleção do método de pesquisa segundo a natureza do fenômeno a estudar, e interesse do pesquisador, e também apresentam maior clareza com respeito aos passos da análise fenomenológica.

Consciente de estar adentrando-me numa transgressão, procurei desenvolver outras alternativas de métodos qualitativos, mas suas formas de análise não satisfaziam a minha pergimta. Por exemplo, a análise de conteúdo, segundo meu entendimento, não se interessa pelas essências nem significados das experiências, porque trabalha baseada na contagem quantitativa de repetição de temas nas falas das pessoas. Quer dizer, a análise de conteúdo é uma análise quantitativa de dados qualitativos. As histórias de vida tinham como contexto estudos históricos, o que não se ajustava ao caso, e as análises de discurso e etnográficas baseiam-se em referências da antropologia como disciplina, a qual não era a minha, e pelas limitações de tempo não se poderia fazer um estudo etnográfico.

Por estas razões, persisti na minha busca de estudos feitos em condições similares a este, e encontrei que só na psicologia esta situação vai repetir-se, provavelmente porque nesse campo de estudos muitos teóricos importantes nasceram da fenomenologia para criar suas teorias, como acontece com Jung. Porém, pode ser que as limitações deles tenham sido justamente o fato de terem deixado muito pouco claro os métodos que aplicaram para fazerem seus estudos e chegarem a suas teorias, como acontece com a crítica principal da psicanáhse e das psicologias chamadas dinâmicas. Entretanto, ao fazer-se uma leitura de suas teorias, dos conceitos principais, da concepção de homem e da vida, pode-se perceber os principais conceitos de fenomenólogos como Hegel, Husserl, Heidegger e Merleau- Ponty. Foi esta descoberta que me levou a procurar de novo a fenomenologia como suporte do caminho da procura de compreender este fenômeno em estudo.

Pelo já exposto, este estudo fará xmia transgressão que só pode ser compreendida no contexto da natureza e complexidade do fenômeno que interessa estudar, e da consciência da pesquisadora com respeito ao fenômeno a desvelar. Este tem duas dimensões diferentes a explorar e analisar: o processo de tomar-se mulher durante a experiência consciente de vida da mulher, (infância, adolescência e vida adulta), e o processo de evolução da consciência de gênero nessa experiência de vida. Correspondem a dois aspectos do fenômeno a compreender e a duas anáhses diferentes, porém integradas. No primeiro momento de anáhse, para estudar como é que aparece o fenômeno de tomar-se mulher durante a experiência de vida, precisamos de um método que nos permita mostrá-lo tal como ele aparece segundo as experiências compartilhadas pelas mulheres nas entrevistas. Portanto, segue-se o método de análise proposto por Georgi, segundo Streubert (1992). No segundo momento, interessa compreender como é que se dá o processo de evolução da consciência de gênero nas mulheres entrevistadas durante essa sua experiência de vida desvelada no primeiro momento; para esta anáUse, aplicamos o referencial teórico- fílosófico que sustenta este estudo nas categorias criadas na operacionalização das teorias de Zweigg (1994) e Jimg (1988) desenvolvidas no capítulo II desta Tese.

3.2 Recurso metodológico para compreender a experiência de tornar-se