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O processo de desenvolvimento em relações interpessoais: “Ser-com outros”

Estas mulheres nasceram na década de 50 Nesse tempo a valorização do estudo nas mulheres era quase inexistente.

4.3.2 O processo de desenvolvimento em relações interpessoais: “Ser-com outros”

O processo de desenvolvimento pessoal ocorre numa rede de relações interpessoais que vão proporcionando a terra onde a pessoa cresce, desde a infância. Como já foi exposto, nestas mulheres o “ser-com-os-oufros” é a matriz mais importante de suas vidas: elas cresceram em famílias estendidas, casaram para sair delas e criar a própria família que agora é o lugar onde franscorre sua vida.

De maneira geral, pode-se dizer que, assim como no processo de individualização, a família de origem estendida agrícola as marcará definitivamente com respeito as relações que estabelecerá na sua vida. Nestas grandes famílias havia mais oprtimidades de estabelecer relações diferentes e flexíveis pela possibilidades de estar num espaço que mistura as relações domésticas às relações de frabalho produtivo. Desta forma, ainda quando elas foram educadas para ser obedientes e submissas ao pai e a mãe, era possível estabelecer relações de colaboração e parcería com eles quando frabalhavam jvmtos na roça,

no cuidado do quintal ou dos animais. Na esfera do doméstico, elas eram cuidadas pelas irmãs mais velhas, mas depois foram elas que cuidaram das crianças; tendo a oportunidade de experimentar um novo relacionamento. Esta situação de origem as privilegiou com diversas opções de relacionamentos e diversos tipos e dinâmicas de relação. Por exemplo: elas viram a dependência e submissão da mãe ao pai mas também a observaram trabalhando com eficiência, qualidade e delicadeza nas colheitas, ou realizando com segurança as atividades da cozinha, da roupa, da limpeza todos os dias.

Esta experiência de socialização pode estar relacionada ao fato de que as mulheres entrevistadas desenvolvem relacionamentos que entrelaçam dimensões do estágio de consciência matriarcal, do estágio de consciência masculina patriarcal e do estágio do feminino emergente. Pode-se identificar relacionamentos no estágio de consciência matriarcal quando precisam relações de fiisão e dependência afetiva e material do marido, ou filhos, o que aconteceu numa mulher que passava por um momento crítico de alcoohsmo do marido. Pode-se identificar relacionamentos no estágio de consciência masculina, quando estabelecem relações de interdependência para atingir metas como casar-se para ter independência da família de origem e formar sua própria família; ou quando separam do esposo para colocar limites a um relacionamento destmtivo, e possibilitar recomeçar outro projeto de vida com seu filhos, e ainda quando saem da casa para trabalhar para obter benefícios financeiros. O estágio do feminino emergente percebe- se mais sutilmente quando estas mulheres, conscientes de suas necessidades e opção pela famíha, procuram estabelecer relações de parceria, de colaboração mútua, de troca e reciprocidade com os filhos e parceiros.

Se anahsarmos as maneiras em que algumas delas têm organizado sua vida familiar se compreende melhor esta matriz relacional e se percebem dimensões dos três estágios evolutivos de consciência integrados. Estas mulheres construíram, junto a seus esposos, um tipo de vida similar ao de suas famílias de origem: vivem em famílias estendidas que habitam em casas individuais num mesmo terreno, compartilham e trocam atividades de cuidado de crianças e anciãos; alguns trabalham jxmtos (pedreiros ou roça), compartem os bens matérias, organizam a vida com a colaboração de todos para a satisfação das necessidades de cada um e do grupo. Os relacionamentos nestas famíhas são

variados e flexíveis, porque ora se tem relações de trabalho (quando fiUio e pai trabalham juntos na roça ou como pedreiros); ora se tem relações de cuidado (os adultos e adolescentes se intercambiam para cuidar das crianças, anciãos e doentes), ou de colaboração para compartilhar os afazeres domésticos, como fazer a comida dominical, as compras, ou para organizar os traslados à cidade, etc. Inclusive, quando se apresentam problemas de doenças, acidentes ou gravidez inesperada, se enfrentam com a ajuda de todos. Ou seja, este sistema é solidário.

Existe imi padrão geral de relações de interdependência entre estas famílias porque eles sobrevivem no grupo assim estruturado, se têm uma identidade construída como "nós" grupai. As entrevistadas são as “mães-avós” destas famílias e elas têm consciência de que este sistema de vida é o melhor para todos, e que são elas que formam o coração deste sistema que pode ser percebido como uma forma estratégica e criativa de lidar com a situação, porque têm benefícios para todos os membros: econômicos, afetivos e sociais. Esta característica de relacionar-se para atingir metas que beneficiem ao indivíduo e para atingir ganhos é própria do estágio de consciência masculina. Mas se vive jimto por opção e o desejo consciente de compartilhar a vida porque também se percebe que é prazeroso, e se deseja cultivar as relações porque o fruto é bom para todos. Estes elementos correspondem as dimensões do estágio de consciência feminina emergente.

Contudo, esta situação não é passível de generaUzação para todas as mulheres entrevistadas. Uma, no entanto, estava mantendo relações dramáticas de intenso conflito, submetida a opressão e ao medo de um marido alcoólatra que a maltratava com violência. Sentia intensa ambivalência e conflito por desejar separar-se do companheiro, mas ao mesmo tempo temia que ele bebesse até morrer. Esta única mulher apresentava padrões de dependência e submissão. Ela havia dedicado sua vida á matemidade (seis filhos) e às tarefas domésticas, e se enconfrava perdida nesta situação.

Os padrões mais específicos de relacionamento com o marido se desenvolvem desde a dependência e submissão a eles na juventude, passam pelo confronto e conflito depois de ims anos, tentam mudar e reconstruir a relação e se não dá certo, aparece a rejeição e se separam. Depois da separação, criam relações mais de iguais, de colaboração.

de troca e parceria, com os mesmos maridos ou com outros. Porém, também uma mulher mantém uma relação de casal insatisfatória, só pela necessidade da subsistência da família.

Refletindo sobre as experiências no transcurso da vida destas mulheres, quando a relação de casal tomou-se destmtiva para elas e foi impossível modificá-la, tiveram força para separar-se, partiram a desenvolver sua vida através do trabaUio, conseguiram auto- sustentar-se, colocaram-se metas para obter sua casa, dar estudos aos filhos e conseguiram. Esta é ação e fiiitos do princípio de consciência masculina, que segundo Colegrave (1994), que vai à luta pela autonomia e independência e fornece a força da discriminação dos meios para obter as metas a atingir. Neste sentido, o princípio de consciência masculina é objetivo e eficaz.

Quando tiveram que perdoar ao esposo porque retomou mudado, ou se deram outra oportimidade para si mesmas, casando de novo, e arriscaram acreditando na possibilidade de criar um relacionamento prazeroso para os dois, acreditaram na possibilidade de reparação, de transformação. Isto é próprio do estágio de consciência do feminino que emerge novo, inédito, que se cria no risco de viver.

Segundo Zweigg (1994), quando a pessoa consciente de sua necessidade do outro no seu processo de desenvolvimento procura estabelecer relações de parceria, de troca e de reciprocidade entre iguais, seja em relações familiares, de amizade, ou de trabalho, se relaciona segundo o estágio de consciência feminina emergente. Neste estágio a pessoa tem um desejo consciente de compartilhar a vida, valorizando ao outro na sua originalidade. Dá prioridade ao processo de reciprocidade, compromisso e cuidado pela relação e dedica tempo para cultiva-las, mantendo-as enquanto sejam constmtivas.

4.3.3 Processo de percepção da consciência do princípio feminino e