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sofrem problemas de saúde mental, especialmente depressões, ansiedades, e transtornos afetivos em geral. O campo da saúde mental pode ser concebido como xmi campo montado entre o setor saúde - saúde mental e ciências sociais e humanas, já que na atualidade é impossível negar as necessidades de integrar aos conhecimentos fradicionais da psiquiatria e psicologia os conhecimentos da antropologia, sociologia, psicologia social, história e até filosofia e ética, a fim de compreender as diversas relações das forças em jogo nos problemas chamados de saúde mental. Nesta perspetiva a interdisciplinaridade é uma necessidade.

Por oufro lado, quando se fala de saúde mental das mulheres, é necessário considerar seus malestares (e modos de adoecer) no contexto da construção social do gênero feminino que expressa através de seus sintomas as condições de opressão e subordinação a que as mulheres têm sido submetidas como membros de um grupo social, na sociedade dominada pelo princípio de consciência masculina patriarcal. Portanto, o campo da saúde mental das mulheres se reconfroe considerando as características próprias de construção social do gênero feminino; que determina condições de vida e práticas sociais que incidem sobre sua saúde mental; que determina uma área de estudos que tem sua própria especificidade e que requer um cuidadoso frabalho de desconstrução e reconstrução com respeito aos critérios sobre os quais se tem baseado fradicionahnente.

A partir destes critérios, Burin (1991), e Hayde (1995), propõem feminizar as teorias e práticas vigentes na saúde mental. Neste caso, feminizar significa incluir a perspectiva das mesmas mulheres sobre suas condições de saúde e seus modos específicos de viver e adoecer, e também a experiência das mulheres profissionais e técnicas que sentem mal-estar ao desempenharem seu trabalho com mulheres segundo as práticas tradicionais em saúde. Neste caso, utihzam-se conhecimentos e recursos técnicos alheios à sensibihdade e experiência com mulheres, já que indicam uma clara perspectiva masculina tanto nos modos de perceber o mal-estar feminino, como nos de operar segimdo a percepção da doença (como acontece com a prescrição indiscriminada de psicofármacos).

Quando se fala de feminização das teorias e práticas na saúde mental está a enfatizar-se a necessidade de incluir a experiência das mulheres, como profissionais e como usuárias, nos enfoques fradicionais da psiquiatria. Isto porque esses enfoques

médicos excluem a voz das mulheres, e com isso as privam do direito da diferença e deixam sem manifestar, e tomam invisíveis, as causas mais específicas dos mal-estares das mulheres. Esta é uma das razões que fundamentam a inclusão da qualidade de vida cotidiana das mulheres como categoria de análise, quando se estuda o que se denomina "patologias do gênero feminino" como as depressões, transtomos por ansiedade ou transtornos afetivos em geral. Elas teriam que ser estudadas, também, como respostas às condições de vida que as induzem.

No Seminário Internacional sobre Mal-Estar Psíquico das Mulheres, realizado na Itália (1988), definiu-se a doença mental como "a perda da consciência de viver em condições perturbadoras, sendo sujeito de um padecimento individual, atribuído a disfimções biológicas ", enquanto o sofrimento feminino foi entendido como decorrente da "situação de subordinação social própria das mulheres" (Torres, 1996). Por sua parte Burín (1991) assinala que este sofrimento feminino expressa o "mal-estar das mulheres", entendendo-o como "uma sensação subjetiva de padecimento psíquico que não se enquadra denfro dos clássicos critérios de saúde ou doença". Nesta perspectiva, a saúde mental das mulheres caracteriza-se melhor em termos de conflito, que "são sempre situações confraditórias, incompatíveis enfre si, que podem ser regisfradas pelo sujeito tanto em forma consciente como inconsciente; neste último caso, o sujeito percebe a tensão ou a ansiedade, porém não reconhece nem discrimina os termos do conflito que as produzem. " (Burín, 1991: 39). A partir destas concepções, Burín considera a existência de frês modelos de compreensão sobre a saúde mental das mulheres: o modelo psicopatológico, o modelo emotivo-sensível e o modelo tensional-conflitivo.

A. Modelo psicopatológico. Este modelo se sustenta num pressuposto assim formulado: "as mulheres são todas um pouco loucas". Nesta afirmação se indica que um certo grau de loucura acompanha e define a saúde mental das mulheres. Baseia-se no critério de doença como desvio do “normal”. Na sua fundamentação alude a condições femininas inatas ou naturais que se formulam como “úteros migratórios”, “febre uterina”, “hipersensibihdade”, “transtomos hormonais”, situações associadas a reprodução e a menopausa. Seus princípios são biologistas, a-históricos, individualistas, a-sociais e essencialistas. Aplica uma racionahdade baseada em critérios duahstas saúde-doença, que divide “sadios-normais”.

por um lado, e os “doentes-loucos-patológicos”, por outro, e a partir daí coloca as mulheres dentro do universo “socio-simbólico” das "loucas". A partir destes critérios, os modos de intervenção ocorrem através de "experts", de "profissionais" (geralmente médicos) que confiam em ferramentas, principalmente farmacológicas ou coercitivas, para "curar".

B. Modelo “emotivo-sensível”. Sua formulação seria a seguinte: “As mulheres são

saudáveis quando elas podem manter seu equilíbrio emocional e harmonizar os afetos entre aqueles que as rodeiam”. Baseia-se no critério da saúde como equilíbrio e harmonia. Seu fundamento consiste na ação de harmonizar os problemas da vida afetiva que põem em tensão as relações familiares e domésticas, assim como na atitude de cuidados (caring) e preservação das necessidades emocionais de cada um dos membros da família. Seus princípios baseiam-se na capacidade de manter, preservar e equilibrar os conflitos familiares. Fundamentam-se numa racionalidade sustentada na sensibihdade feminina (como equiparada à saúde mental) para detectar as necessidades emocionais de quem as rodeia, e na capacidade para dar uma resposta apropriada a tais necessidades. Este modelo admite a existência de conflitos, porém seu destino será “integrá-los”, “harmonizá-los”, isto é, neutralizá-los mediante implementações técnicas utilizadas por “técnicos” especiahnente treinados para isto. Nas suas versões mais modemas, admite-se que as situações de conflito e/ou de crise podem apresentar-se durante o “tratamento” que se realiza nos “pacientes”, mas com a condição de que não cheguem a transtomar a vida das mulheres. Seu modo de intervenção, para conseguir o controle disto, ocorre através de recursos humanos com conhecimentos técnicos apropriados para controlar as situações de desequilíbrio (através de psicoterapias, assessoramentos tipo counseling). Ocasionahnente, podem combinar-se com recursos farmacológicos.

C. Modelo “te«s/o/ia/-conflitivo” . Sua formulação seria: “as mulheres padecem estados de

mal- estar, que expressam através de sentimentos de tensão e de conflito; a agudização dos estados de conflito, denominados crise, constituem situações ótimas para abordar as problemáticas das mulheres” (Burím, 1991: 70). Neste modelo reconhece-se que as mulheres, como grupo social, têm padecido de condições opressivas de existência, especialmente em suas vidas cotidianas. O modelo define dois espaços de realização para as mulheres: espaço doméstico e espaço extra-doméstico (as vezes superpostos a âmbito

privado e âmbito público), e caracteriza diversos modos da mulher adoecer, e a interação entre ambos os espaços. Associa a saúde mental das mulheres ao enfrentamento dos conflitos e destaca os estados de crise, especiahnente as crises vitais evolutivas (como na adolescência, meia idade) e as crise acidentais (associadas a gravidez indesejada, aborto, divórcio), como propiciadoras de fransformações para as mulheres.

Este modelo desenvolve uma racionalidade afirmada sobre a noção de conflito, de crise e fransição. Seus modos de operar neste campo baseiam-se na noção de gênero feminino socialmente construído, portanto sujeito a desconstrução e reconstmção, e para aumentar a consciência das mulheres aplica metodologias grupais do tipo “grupos de consciência” ou “consciencious-raising". Quando aplica reciirsos individuais, para compreender o mal-estar das mulheres, o faz visando a consciência da subjetividade feminina como construção social.

Um aspecto importante a ressaltar nestas propostas de Mabel Burim é que ela define as mulheres não como elas são, mas como sujeitos que vão-se construindo e que vão se fransformando afravés da experiência de vida. Esta concepção privilegia as mulheres como sujeitos e não só como o “oufro” do masculino; quer dizer, pretende-se fazer visível aquilo que nelas é, aquilo que existe, aquilo que aparece como o singular e particular.

A nova racionalidade para pensar as mulheres inclui oufras lógicas como a paradoxal, a noção de fransição, a vivência da ambigüidade, a articulação e desarticulação constante entre “razão-emoção-paixão”, as vivências das crise e mobilidade. A consciência do múltiplo, do diverso, a diferença dos tradicionais conceitos de saúde mental que enfatizam o completo, o imitário e o cenfrado. O resgate e valorização do invisível, do cotidiano, do rotineiro, do pequeno, a diferença do visível, do geral, do exfraordinário, do todo, na saúde mental das mulheres.

Nestas formulações, é possível perceber uma posição ética que a própria Burín assim formula:

“Trata-se de assumir nossa responsabilidade