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A teoria sobre desenvolvimento humano na meia idade, segundo Carl Gustav Jung

’ Tradução livre do inglês e para o português de Maria Soledad Rivera.

2.3 A teoria sobre desenvolvimento humano na meia idade, segundo Carl Gustav Jung

Zweigg formula a teoria sobre a evolução da consciência feminina, fimdada em alguns pressupostos da teoria de desenvolvimento humano de Carl Jung (1940. 1988), criador da psicologia analítica; por isso apresento sumariamente alguns de seus pressupostos. Como ele não publicou a teoria de desenvolvimento num texto só, recorri ao trabalho específico sobre esta teoria de John-Raphael Staude (1995), que a resgata profundamente, e aos textos onde Jung refere-se a alguns de seus conceitos principais.

Conforme o trabalho de John-Raphael Staude,(1995), a teoria de Jung constitui uma análise da psique como uma protofenomenologia da consciência baseada em Husserl, Gurwitch, Scheler, Heidegger, Schutz, Sartre e Merleau-Ponty. O self em Jung pode ser

visto como o ser (DASEIN), o campo e o horizonte da nossa experiência, o contexto para os conteúdos da consciência e do inconsciente. Junto a eles, acredita que o segredo da vida está em tomar-se consciente de si-mesmo durante o processo de desenvolvimento vital. Jung acreditava nas múltiplas categorias da realidade, cada qual com seu modo de ser. "Tudo 0 que excita o nosso interesse e o estimula é real", afirmava ele. Assim, para Jung, os objetos da vida da fantasia, dos sonhos, das visões, do mundo físico e psíquico consciente e inconsciente, tudo o que pode ser aceso, é real. Mais ainda, a psique não só é real mas objetiva: “Ao contrário do subjetivismo da mente consciente, o inconsciente é objetivo, manifestando-se principalmente sob a forma de sentimentos, fantasias, emoções, impulsos e sonhos opostos, nenhum dos quais é criado por nós mesmos, mas nos vêm de forma objetiva” (Jung, 1988: 4).

De acordo com Staude (1995: 99), a teoria do desenvolvimento adulto de Jung baseia-se no princípio de que o ser humano compartilha com os organismos vivos a tendência à auto-realização, e portanto comparte com Platão e Aristóteles a concepção de auto-realização como "tomar explícito o que, implicitamente, alguém já é. Cada pessoa é tanto a sua realidade empírica como a sua possibilidade ideal. Neste sentido, de acordo com a ética da auto-realização, é responsabilidade básica de cada pessoa descobrir primeiro, dentro de si-mesmo, o self, e depois viver de acordo com ele. A tarefa do desenvolvimento é a individuação através da realização do self esse processo através do qual nos tomamos o que realmente somos. Distingue ego para designar apenas a porção central da esfera da consciência, e self designa a "totalidade de todos os processos

psíquicos conscientes e inconscientes O self exprime a unidade da personaüdade como

um todo; portanto, compartilha partes conscientes e inconscientes, que se transformam em potencialidades e limites. O self é experimentado como um símbolo do sentido e do objetivo da existência do ser humano. (Staude,1995: 99)

Jimg achava que as verdades permanentes e profundas, das quais a humanidade precisa para sobreviver, permanecem enterradas dentro de nós (em nível individual e coletivo), e têm estado à disposição da humanidade ao longo da história humana. O verdadeiro acontecimento histórico permanece profundamente encoberto, experimentado por todos e observado por ninguém. A história constitui o trabalho sobre as polaridades

sociais e individuais. Uma interação dialética dos opostos leva à reconciliação e à transformação das diferenças em novas sínteses mais elevadas. Com isto Jimg estabelecia uma teoria sobre o desenvolvimento humano, que começava no ponto onde as outras terminavam, porque nesse tempo a maioria das teorias sobre desenvolvimento humano centraram suas hipóteses no período da infância e adolescência. Ele foi o primeiro a estudar a idade adulta.

Para Jimg (1988), na infância e na adolescência o ego, como elemento central da consciência, é trazido à existência e firmemente estabelecido. Quando se entra na primeira fase da idade adulta, deve-se criar as bases materiais e familiares para a última fase da vida. Para Jung, a personalidade que se desenvolve no decorrer da vida inteira de vuna pessoa "é um ideal adulto”, cuja realização consciente através da individuação é o objetivo do desenvolvimento humano na segunda metade da vida.

Em simia, Jung afirmava que um novo processo de desenvolvimento interno começa na meia-idade, dando à segunda metade da vida um caráter diferente daquele que havia caracterizado a primeira metade. Em condições favoráveis, é possível chegar, na meia-idade, a um conhecimento mais profundo do self do que antes, e começar a dar mais atenção às estruturas arquetípicas, que Jung via como a fonte interior do desenvolvimento da personalidade, da autodefinição, da sabedoria e da criatividade pessoal. A transição da meia-idade implica essencialmente uma avahação da própria vida entre o já experienciado na primeira metade da vida e o que se quer "realmente". E esta leitura só se pode fazer quando se tem experiência suficiente para valorizar a própria vida e decidir os rumos da outra metade que se tem pela frente. "O que quero viver agora, neste tempo de vida que me resta?" é a pergunta desta etapa. Esta questão leva, muitas vezes, a imia experiência de renascimento ou renovação da vida. É uma oportunidade de mudança real, para alcançar uma evolução até a plenitude. Mas como esse processo impüca deixar muitas coisas intemas e extemas para dar lugar ao novo, as lutas consigo mesmo podem apresentar-se críticas e cheias de perigos, como se pode verificar em pessoas que não conseguiram transpassá-las, como é o caso de Nietzsche, Thomas, Fitzgerald e Vincent Van Gogh, entre muitos.

No decorrer do processo da meia-idade, a pessoa começa a lidar com as grandes polaridades que tantas vezes ocasionam uma divisão do selfrvà nossa vida, na primeira fase da idade adulta, e pode pelo menos superá-las parcialmente. Deve entrar em acordo com a

sizígia do animus e anima que representam os arquétipos ou princípios feminino e

masculino da psique. Pode tomar-se mais consciente da sombra, figura arquetípica que contém as qualidades pessoais que foram reprimidas pela influência das nossas crenças e valores, conscientemente assumidos e socialmente programados. Podem-se confi-ontar mais diretamente os arquétipos gêmeos de puer e senex. Puer representa o nascimento, o potencial de juventude, a energia, a possibilidade ilimitada, sem peso, estmtura ou constrangimento, o vôo, a ascensão, a aventura e, muitas vezes, uma morte heróica trágica. No outro extremo, o senex representa o envelhecimento, a morte, a paralisia, a estmtura sem a energia, a razão sem o prazer, a deliberação sem a ação. Nas sucessivas eras da vida, deve haver uma integração variável desses arquétipos de duas faces, e na meia-idade os conflitos aparecem com mais força: "o problema dos opostos costuma aparecer na segunda metade da vida, quando todas as ilusões que projetamos sobre o mundo voltam gradualmente a nos perseguir... a energia que flui dessas relações múltiplas entra no inconsciente e ativa tudo o que deixamos de desenvolver" (Jung 1966b: 59). Para Staude(1995), na segunda metade da vida, o desenvolvimento da função dos opostos, que permanece adormecida no inconsciente, significa xuna renovação.

Segundo Jung (1998), a tarefa de desenvolvimento na segunda fase da vida adulta é a individuação, processo através do qual nos tomamos o que reahnente somos. A individuação leva à progressiva integração do inconsciente na vida do indivíduo dentro dos limites de tempo e espaço. Assim, a meta da individuação é despojar o se lf áos falsos invólucros da persona ou máscara social, (identificação do quem-eu-sou com o-que-eu- faço nos papéis sociais). A dissolução da persona é necessária para o desenvolvimento porque ela não passa de um segmento da psique coletiva. Segundop Staude, (1995: 106- 107) “A dissolução da pessoa pode ser terrível, quando leva a uma liberação de inquietantes fantasias selvagens ou a temerosos sentimentos de extrema vulnerabilidade. A pessoa pode tentar fugir do encontro com o inconsciente, refugiando-se na segurança familiar de sua pessoa e repudiando seu inconsciente como imia loucura, ou um erro. Por outro lado, ela pode identificar-se completamente com o inconsciente, no qual o ego esta

mergulhado, e a identidade individual desaparece (abrindo experiências até psicóticas).” Embora o processo seja difícil, Jung, baseado na sua própria experiência, sentiu-o como a expressão simbólica necessária da transição de vida e como um pré-requisito para alcançar níveis mais elevados de existência e consciência.

Jung interessou-se mais pela transição da meia-idade e pela sua conseqüência e potencialidades no que diz respeito à criatividade e à integridade na última fase da vida. O gênio de Jung foi a integração que ele fez dos arquétipos do inconsciente coletivo, os universais arquétipos do desenvolvimento humano, complementando e suplementando a ênfase pessoal da psicanálise, da psicologia do desenvolvimento do ego e da psicologia humanístico-existencial. “ O reconhecimento de que cada vida é completamente singular e peculiar, e de que cada um de nós, em nossa experiência, também está realizando o padrão da vida humana - um padrão realizado um número infinito de vezes antes que nós - é algo imensamente libertador ”(Staude, 1995; 120).

"Minha vida é o que realizei, o meu trabalho

científico; ambos são inseparáveis. O trabalho é

a expressão do meu desenvolvimento interior;

porque o compromisso com o conteúdo do

inconsciente forma o homem e produz suas

transformações. Meus trabalhos podem ser

vistos como pontos de parada ao longo do

caminho da minha vida.

Todos os meus escritos podem ser considerados