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5 O PROCESSO DE AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE

5.2 A EXPERIÊNCIA ITALIANA: DO TRABALHO PARASSUBORDINADO AO

5.2.4 Dos direitos conferidos ao trabalhador parassubordinado

A análise até então restrita à relação de trabalho parassubordinado demonstra que, inicialmente, destinou-se ao trabalhador parassubordinado somente uma tutela processual, nos termos da Lei n. 533 de 11 de agosto de 1973, que incluiu as controvérsias decorrentes das relações de trabalho parassubordinado na competência do processo do trabalho italiano, garantindo, assim, uma justiça especializada e mais célere.

354

PORTO, op. cit., p. 121.

355

Todavia, com a consolidação do instituto, o Direito Italiano passou a questionar qual tipo de tutela substancial deveria ser destinada ao trabalhador parassubordinado: a autonomia característica destes trabalhadores ensejaria a aplicação das regras previstas pelos arts. 2.222356 e seguintes do Código Civil italiano ou a dependência também característica dos referidos trabalhadores os atrairia para o conceito de trabalhador subordinado, ensejando a aplicação dos artigos 2.094357 e seguintes do Código Civil italiano?358

O processo de tutela jurídica dos trabalhadores parassubordinados poderia assumir dois caminhos: o primeiro caminho seria, utilizando-se da técnica da assimilação, equiparar o trabalhador parassubordinado ao trabalhador subordinado no que tange aos direitos trabalhistas (destinados); o segundo caminho, escolhido pela legislação italiana, seria utilizar-se da técnica da extensão seletiva, conferindo aos trabalhadores parassubordinados somente alguns direitos previstos para os trabalhadores subordinados.359

Assim, após conferir ao trabalhador parassubordinado a tutela das normas processuais, o que ocorreu por intermédio da Lei n. 533/73, o legislador italiano, através da mesma Lei, garantiu aos referidos trabalhadores a proteção prevista no artigo 2.113 do Código Civil italiano que protege os empregados invalidando as renúncias e transações que tenham por objeto direitos decorrentes das relações de trabalho, salvo em sede de conciliação judicial.360

Estendeu-se ao trabalhador parassubordinado, igualmente, a aplicação da taxa legal de juros e correção monetária no caso de condenação judicial ao pagamento de crédito trabalhista.361

356

“Art. 2.222. Contrato de obra. Quando uma pessoa se obriga a cumprir em troca de uma retribuição uma obra ou um serviço, com trabalho prevalentemente próprio e sem vínculo de subordinação em relação ao tomador, aplicam-se as normas deste subtítulo, salvo se a relação tenha uma disciplina particular no Livro IV”. (PORTO, op. cit., p. 118).

357

“Art. 2.094. Prestador de trabalho subordinado. – É prestador de trabalho subordinado quem se obriga mediante retribuição a colaborar na empresa, prestando o próprio trabalho intelectual ou manual na dependência e sob a direção do empresário”. (Ibidem, p. 118).

358

BULGUERONI, op. cit., p. 129.

359

Ibidem, p. 130.

360

Ibidem, p. 130.

361

Na seara tributária, o legislador italiano instituiu uma tutela diferenciada para os trabalhadores parassubordinados (co.co.co), desonerando tais contratos através da Lei n. 342/00 e dos decretos presidenciais n. 597/73 e n. 917/86.362

Já no campo previdenciário, o legislador italiano editou diversas normas sobre o tema aplicáveis às relações de co.co.co. A Lei n. 335/95 estabeleceu o regime previdenciário obrigatório para os trabalhadores parassubordinados, estendendo, assim, a tutela previdenciária aos referidos trabalhadores. As Leis n. 449/97 e n. 144/99, por sua vez, garantiram, respectivamente, o auxílio-maternidade e a cobertura contra acidentes de trabalho.363

Os direitos garantidos aos trabalhadores parassubordinados, como visto, ficavam restritos aos campos processual, fiscal e previdenciário, não havendo tutela trabalhista substancial por parte do legislador italiano.

Essa realidade, conforme adverte Renata Orsi Bulgueroni, transportou para o Judiciário o processo de extensão seletiva iniciado pelo Legislativo. Assim, aponta a referida autora que muitos julgados acabaram conferindo, por exemplo, aos trabalhadores parassubordinados o direito de greve e ao tomador dos serviços a responsabilidade pela segurança do trabalho.364

Todavia, em razão da inexistência de previsão legal de tais direitos e garantias materiais, situações análogas envolvendo relações de trabalho co.co.co passaram a ser decididas de formas distintas, o que levou o Senado italiano, em fevereiro de 1999, a aprovar o Projeto de Lei Smuraglia (n. 5651) que garantia aos trabalhadores parassubordinados “[...] um patamar mínimo de direitos

trabalhistas, que poderia ser complementado por meio de negociação coletiva”.365

Vale ressaltar que um dos motivos que também levaram à elaboração e tramitação de tal Projeto de Lei foi o fato de que, àquela época, já havia, na Itália,

362

BULGUERONI, op. cit., p. 131.

363 Ibidem, p. 131. 364 Ibidem, p. 132. 365 Ibidem, p. 132.

cerca de dois milhões de trabalhadores parassubordinados, que trabalhavam sem uma disciplina legal definida.366

Propunha o referido Projeto de Lei, conforme breve lição de Luiz de Pinho Pedreira da Silva:

[...] mandar aplicar às relações de colaboração, de caráter não ocasional, coordenadas com a atividade do comitente, desenvolvidas sem vínculo de subordinação, de modo pessoal, sem o emprego de meios organizados e em troca de retribuição, entre outras normas, aquelas do Estatuto dos Trabalhadores (Lei 300, de 20.05.1970) sobre liberdade de opinião, sobre proibição de averiguações da saúde do trabalhador pelo comitente e não por órgãos públicos, sobre a proibição de indagações a respeito das opiniões políticas, religiosas ou sindicais do trabalhador, salvo se relevantes para a avaliação da sua aptidão profissional, sobre direitos de associação e de atividade sindical e sobre atos discriminatórios, assim como os preceitos relativos à matéria de segurança e higiene do trabalho contidos na legislação, enquanto compatíveis com as modalidades da prestação do trabalho. Não pode ser imposto nem previsto tipo algum de horário de trabalho, salvo os casos em que a especificidade da prestação exija a indicação de uma determinada faixa horária. Os contratos ou acordos coletivos nacionais celebrados pelas organizações sindicais mais representativas no plano nacional poderão prever a extensão, no todo ou em parte, das disposições da lei também às relações de duração mínima inferior a três meses, que é a duração mínima do contrato exceto quando se trate de relação destinada, por sua particular natureza, à conclusão em um período de tempo inferior. O trabalhador terá direitos de informação pelo empresário e de formação profissional. Os contratos deverão ser estipulados de forma escrita. Na hipótese de cessação da relação os contratos ou acordos coletivos nacionais poderão prever o direito do trabalhador a uma indenização de fim de relação. Gozarão ainda os trabalhadores compreendidos no projeto de lei de direitos previdenciários. As controvérsias relativas aos contratos de que trata o mesmo projeto entram na competência funcional do pretor do trabalho. [...].

Ocorre que, enquanto o Projeto de Lei Smuraglia367 ainda tramitava na Câmara italiana, instaurou-se, na Itália, a Reforma Biagi368, representada pela Lei n.

366

SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. Um novo critério de aplicação do direito do trabalho: a parassubordinação. In MANNRICH, Nelson (Coord.). Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ano 27, p. 173-181, julho-setembro, 2001, p. 178-179.

367

Projeto de Lei que recebeu esse nome em virtude do fato de ter sido elaborado pelos Senadores e Mestres em Direito Smuraglia e Michele de Lucca. (Ibidem, p. 178).

30/2003 e pelo decreto-legislativo n. 276/2003, que, buscando tornar mais flexíveis as relações laborais, instituiu o contrato a projeto, instituto que veio a substituir, quase que em sua totalidade, o trabalho parassubordinado, motivo pelo qual o Projeto de Lei Smuraglia não chegou a ser convertido em lei.369