• Nenhum resultado encontrado

5 O PROCESSO DE AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE

5.2 A EXPERIÊNCIA ITALIANA: DO TRABALHO PARASSUBORDINADO AO

5.2.6 O trabalhador parassubordinado no Brasil

5.2.6.2 Tutela jurídica do trabalhador parassubordinado no Brasil

A ausência de previsão legal expressa acerca da relação jurídica de trabalho parassubordinado, no Brasil, despertou, na doutrina brasileira, o mesmo

400

MARTINEZ, op. cit., p. 117.

401

sentimento de dúvida despertado na doutrina italiana quando da alteração do Código de Processo Civil italiano através da Lei n. 533 de 11 de agosto de 1973.

Àquela época, como noticia Luiz de Pinho Pedreira da Silva, instalou-se uma polêmica na doutrina italiana no sentido de tentar esclarecer se à relação de trabalho parassubordinada deveria ser aplicado todo o Direito do Trabalho, incluindo-se tanto o Direito Processual quanto o Direito Material, ou se tal relação deveria ser objeto tão somente das normas sobre o processo do trabalho e sobre renúncias e transações.402

Na Itália, acabou-se por concluir que a tutela destinada ao trabalhador parassubordinado seria restrita ao âmbito processual e, posteriormente, aos âmbitos fiscal e previdenciário, não havendo tutela trabalhista substancial por parte do legislador italiano. Adotou-se, portanto, a técnica da extensão seletiva, o que acabou por culminar com a edição do Decreto Legislativo de n. 276/2003 que, como já visto, instituiu o contrato a projeto.

No Brasil, há uma peculiaridade no sentido de que não existe sequer uma norma de natureza processual que conceitue o trabalho parassubordinado. É fato que a Emenda Constitucional de nº 45/2004, dando nova redação ao artigo 114 da Constituição Federal de 1988, ampliou a competência da justiça do trabalho brasileira que passou a ser competente para julgar lides decorrentes do gênero relação de trabalho.

A antiga redação do artigo 114 da Constituição Federal de 1988 limitava a competência da justiça do trabalho para o julgamento das lides decorrentes da espécie relação de emprego.

Desta forma, a maior parte da doutrina brasileira (por exemplo, Grijalbo Fernandes Coutinho403 e Carlos Henrique Bezerra Leite)404, seguida pela maioria

402

SILVA, op. cit., p. 344.

403

COUTINHO, Grijaldo Fernandes. O mundo que atrai a competência da Justiça do Trabalho.

In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes (Coord.); FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova Competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 132.

dos Tribunais, acabou por entender que, de fato, a competência da Justiça do Trabalho havia sido ampliada, não sendo a competência desta especializada mais restrita às lides decorrentes da espécie relação de emprego, entendida como a relação de trabalho caracterizada pela presença dos requisitos da pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica.

A título de exemplo, podem ser citados os acórdãos proferidos nos seguintes processos: Recurso de Revista n.º 2117/2007-037-12-00405; Recurso de Revista n.º 1355/2006-004-08-00406; Recurso Ordinário n.º 00922-2008-094-03-00-7407 e; Recurso Ordinário n.º 01415-2009-114-03-00-1408.

Prevalece, portanto, atualmente, no Brasil, o entendimento no sentido de que a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as lides decorrentes do gênero relação de trabalho, que envolve, portanto, tanto o trabalho subordinado quanto o trabalho autônomo, restando, todavia, excluída da competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas que envolvam o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo, por força da decisão liminar proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade de n. 3.395.409

404

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 199.

405

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n.º 2117/2007-037-12-00. Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho. Publicado no DJ, 08 ago. 2008. Disponível:

<http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-

brs?s1=4467306.nia.&u=/Brs/it01.html&p=1&l=1&d=blnk&f=g&r=1>. Acesso em 10 ago. 2010.

406

Idem. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n.º 1355/2006-004-08-00. Rel. Min. Alberto Bresciani. Publicado no DJ, 22 fev. 2008. Disponível: < http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph- brs?s1=4318385.nia.&u=/Brs/it01.html&p=1&l=1&d=blnk&f=g&r=1>. Acesso em 10 ago. 2010.

407

Idem. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso Ordinário n.º 00922-2008-094-03-

00-7. Relator Juiz Convocado Eduardo Aurelio P. Ferri. Publicado no DEJT, 23 mar. 2009.

Disponível em:

<http://as1.trt3.jus.br/consultaunificada/mostrarDetalheLupa.do?evento=Detalhar&idProcesso=RO ++09+2660&idAndamento=RO++09+2660PACO20090320+++++8455700> Acesso em 10 ago. 2010.

408

Idem. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso Ordinário n.º 01415-2009-114-03-

00-1. Relator Des. Anemar Pereira Amaral. Publicado no DEJT, 26 abr. 2010. Disponível em:

<http://as1.trt3.jus.br/consultaunificada/mostrarDetalheLupa.do?evento=Detalhar&idProcesso=RO ++10+3940&idAndamento=RO++10+3940PACO20100422++++17231600> Acesso em 10 ago. 2010.

409

Vale destacar ainda que também não há um consenso jurisprudencial ainda formado acerca da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar lides envolvendo cobrança de honorários por parte do advogados e corretores, por exemplo. Há, nesse sentido, decisões recentes do Tribunal Superior do Trabalho concluindo pela incompetência da Justiça do Trabalho nesse particular.410

Por fim, há de se registrar o posicionamento de alguns doutrinadores contrários a qualquer tipo de interpretação que conclua pela ampliação da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar lides outras senão aquelas decorrentes das relações de emprego típico. Acreditam esses doutrinadores (Jorge Luiz Souto Maior411, Vanessa dos Reis Pereira412 e Maria Cecília Máximo Teodoro413, por exemplo) que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho poderia fazer com que o trabalhador empregado passasse a não mais ter uma tutela efetiva e célere deste ramo especializado do direito.

Todavia, o fato é que a tese da ampliação da competência da Justiça do Trabalho, no Brasil, ganhou força e, hodiernamente, não mais se concebe a Justiça do Trabalho como uma justiça de competência limitada ao processamento e julgamento das lides decorrentes das relações de emprego, mas sim com competência para processamento e julgamento das lides decorrentes das relações de trabalho, nas quais se pode incluir o trabalhador autônomo, o trabalhador eventual, o cooperado, o trabalhador temporário, o estagiário etc.414, ressalvando-se, é claro, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal a

410

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n.º 75500-03.2002.5.04.0021. Rel.ª Min.ª Maria de Assis Calsing. Publicado no DEJT, 27 ago. 2010. Disponível em: <

http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-

brs?s1=5235000.nia.&u=/Brs/it01.html&p=1&l=1&d=blnk&f=g&r=1> Acesso em 10 nov. 2010.

411

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Justiça do trabalho: a justiça do trabalhador?. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes (Coord.); FAVA, Marcos Neves (Coord.). Nova Competência da Justiça do

Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 180-181. 412

PEREIRA, Vanessa dos Reis. O novo inciso I do art. 114 da constituição da república de

1988: Na marcha ou na contra-marcha da flexibilização?. In: DELGADO, Maurício Godinho

(Coord.); PEREIRA, Vanessa dos Reis (Coord.); TEODORO, Maria Cecília Máximo. Relação de

trabalho: Fundamentos interpretativos para a nova competência da justiça do trabalho. São Paulo:

LTr, 2005, p. 26.

413

TEODORO, Maria Cecília Máximo. Relação de trabalho x relação de emprego. In:

DELGADO, Maurício Godinho (Coord.); PEREIRA, Vanessa dos Reis (Coord.); TEODORO, Maria Cecília Máximo. Relação de trabalho: Fundamentos interpretativos para a nova competência da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 105.

414

respeito das lides envolvendo servidores estatutários, conforme citado anteriormente.

Nesse diapasão, sendo o trabalho parassubordinado um tertium genus localizado em uma zona cinzenta entre a autonomia e a subordinação ou sendo o mesmo uma espécie de trabalho autônomo, tem-se que, no Brasil, com a nova redação do artigo 114 da Constituição Federal de 1988 dada pela Emenda Constitucional de nº 45/2004, é a Justiça do Trabalho competente para processar e julgar as lides decorrentes dessa modalidade de relação de trabalho.

Portanto, no Brasil, os trabalhadores parassubordinados, assim entendidos como aqueles que prestam um serviço de natureza continuativa coordenada e prevalentemente pessoal, são, por força do inciso I do artigo 114 da Constituição Federal de 1988, objetos de tutela da Justiça do Trabalho e, portanto, das normas processuais trabalhistas.

Ocorre que, no Brasil, em razão da ausência de previsão legal, a tutela do trabalhador parassubordinado pelas normas trabalhistas propriamente ditas, ou seja, normas de direito material, não é alvo de posicionamento pacífico.

Há, de um lado, doutrinadores que, vendo na relação de trabalho parassubordinado verdadeiramente uma nova fattispecie, entendem ser necessária a criação de uma lei destinada ao tratamento destes novos trabalhadores, para os quais seriam conferidos alguns, e não todos, direitos trabalhistas. Nesse caminho segue Luiz de Pinho Pedreira da Silva415.

Por outro lado, há quem entenda que não se trata necessariamente da edição de uma lei específica para tratar dos trabalhadores parassubordinados, mas sim de conferir-lhes uma tutela diferenciada, “[...] na medida da dependência [...]”416, dentro de um processo de reformulação e ampliação do campo de aplicação do

415

SILVA, op. cit., p. 181.

416

princípio da proteção que, na visão de Murilo Carvalho Sampaio de Oliveira, impõe a tutela pelo Direito do Trabalho de todo e qualquer tipo de trabalhador.417

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Amauri Cesar Alves afirma que “[...] não

parece ser necessária mudança legislativa para ensejar nova leitura do art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho”418. Conclui o autor dizendo que se trata, em

verdade, de reconhecer a necessidade de proteção e tutela do trabalhador parassubordinado e a ele conferir uma tutela jurídica diferenciada: “[...] Assim,

deve-se pensar em um grau de proteção maior ao trabalho subordinado, seguido de uma proteção ampla porém mais restrita que a anterior ao trabalho parassubordinado [...]”.419

Por fim, há doutrinadores que não vêem no trabalhador parassubordinado necessariamente uma nova fattispecie, para a qual seria necessária uma regulamentação legal específica e diferenciada.

Essa linha de pensamento segue a técnica da assimilação, ou seja, busca, através da reformulação do requisito da subordinação jurídica, enquadrar essa nova forma de prestação de serviços como uma prestação de serviços subordinada e, portanto, objeto de tutela integral por parte do Direito do Trabalho, tanto no âmbito processual quanto no âmbito material.

Seriam, então, os ditos trabalhadores parassubordinados, trabalhadores verdadeiramente subordinados uma vez que, conforme destaca Lorena Vasconcelos Porto, [...] no fim das contas, a distinção entre as duas hipóteses –

subordinação e parassubordinação – se baseia na intensidade do poder diretivo do tomador”.420

Desta forma, segundo o posicionamento da referida autora, o fato da intensidade do exercício do poder diretivo ser menor no âmbito das relações de trabalho ditas parassubordinadas não tem o condão de retirar destes trabalhadores a condição

417

Ibidem, p. 190.

418

ALVES, op. cit., p. 132.

419

Ibidem, p. 135.

420

de trabalhadores verdadeiramente subordinados. Conclui a autora afirmando que

“[...] na ausência de previsão legal da parassubordinação –, sobretudo se adotado um conceito mais amplo de subordinação –, tais ‘colaboradores’ serão

enquadrados como empregados”.421

Outrossim, a autora ainda destaca o fato de que “[...] nos países onde a figura foi

instituída, os parassubordinados contam com uma proteção muito inferior àquela assegurada aos empregados”422 para, ao final, deixar claro que discorda “[...] totalmente da instituição da parassubordinação no Direito brasileiro.”423, devendo, conforme já demonstrado, ser ampliado o conceito de subordinação jurídica para enquadrar tais trabalhadores como verdadeiros empregados, objeto, portanto, de tutela integral pelo Direito do Trabalho.

Interessante, sobre o tema, é a análise de Jorge Luiz Souto Maior quando denomina o trabalhador parassubordinado de “trabalhador minotauro”, afirmando que:

Há, por fim, uma outra idéia que se deve refutar: a de que existe uma espécie nova de trabalhador, que seria meio explorado, meio autônomo. Este trabalhador, que a doutrina, sobretudo a italiana, chama de ‘parassubordinado’, mas que prefiro denominar de trabalhador minotauro, por ser mais próprio a uma análise mitológica que real, no fundo, é um trabalhador que ostenta outra autêntica condição de empregado e a quem se conferiu apenas uma aparência de independência.424

Fica claro, portanto, diante das palavras do autor, que, na sua visão, o trabalhador a quem se atribui o nome de parassubordinado é, em sua essência, um trabalhador que ostenta a autêntica condição de empregado, não havendo, portanto, razão para distinguir tais figuras.

Ressalta ainda Jorge Luiz Souto Maior, em outro texto, a realidade italiana narrada por Luigi Mariucci:

421 Ibidem, p. 122. 422 Ibidem, p. 198. 423 Ibidem, p. 199. 424

Em recente palestra proferida na Faculdade de Direito da USP, o professor italiano, Luigi Mariucci, destacou que após anos de desenvolvimento da tese da parassubordinação na Itália constatou-se que todos os que se anunciavam como trabalhadores parassubordinados eram autênticos empregados.425

Diante do quadro acima delineado, percebe-se que, em que pese haja divergências de posicionamentos por parte da doutrina nacional acerca da forma através da qual o trabalhador parassubordinado deve ser tutelado juridicamente, há um traço em comum em todas as posições: a razão para a referida tutela.

Em todos os casos, os doutrinadores que advogam a tese de tutela jurídica trabalhista do trabalhador parassubordinado, seja feita ela através de uma inovação legislativa, através de uma extensão seletiva ou através de uma assimilação ao trabalhador subordinado, o fazem baseados no fato de que os referidos trabalhadores necessitam de proteção estatal em razão do fato de serem trabalhadores que prestam serviços por conta alheia e, portanto, ostentam uma posição de debilidade socioeconômica. É com o objetivo de proteção, portanto, que se pretende tutelar juridicamente os referidos trabalhadores.