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A última das dimensões do princípio da proteção abordadas neste trabalho refere- se ao princípio da condição mais benéfica. Se, inicialmente, o princípio da proteção impõe ao intérprete que, diante de uma norma passível de mais de uma interpretação, adote a interpretação que seja mais favorável ao trabalhador (princípio do in dúbio, pro operário) e que, diante de duas normas aplicáveis ao caso concreto, aplique a norma mais favorável ao trabalhador (princípio da norma mais favorável), agora, com o princípio da condição mais benéfica, o princípio “[...]

se direciona a proteger situações pessoais mais vantajosas que se incorporaram ao patrimônio do empregado [...]”.181

Se é fato que o caráter progressista do Direito do Trabalho impõe, ao menos teoricamente, a adoção de normas que visem à melhoria das condições de trabalho, não é menos verdade que o trabalhador pode se deparar com situações em que eventuais alterações legislativas ou contratuais acabam por revelar realidades prejudiciais se comparadas à realidade que o acompanhava até aquele momento.182

Diante dessa possibilidade, o princípio da condição mais benéfica busca justamente resguardar o trabalhador contra essas alterações legislativas ou contratuais que sejam menos favoráveis que a sua realidade concreta anterior.

No Brasil, Maurício Godinho Delgado183 acolhe o princípio da condição mais benéfica como um critério para solução de conflitos entre cláusulas contratuais, afastando sua aplicação nos casos de contrapontos entre normas.

180

RODRIGUEZ, op. cit., p. 131.

181

BARROS, op. cit., p. 182.

182

RODRIGUEZ, op. cit., p. 133.

183

Para o autor, o “[...] princípio da condição mais benéfica importa na garantia de

preservação, ao longo do contrato, da cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador [...]”,184 tendo, portanto, como corolário o princípio da inalterabilidade

contratual lesiva prevista no art. 468 da CLT, que impede que o contrato seja alterado em prejuízo do empregado nos termos a seguir:

Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.185

Já para Amauri Mascaro do Nascimento, o princípio da condição mais benéfica representa “[...] a aplicação, no direito do trabalho, do princípio do direito adquirido

do direito comum [...]”186, tendo “[...] a função de solucionar o problema da

aplicação da norma no tempo para resguardar as vantagens que o trabalhador tem nos casos de transformações prejudiciais que poderiam afetá-lo [...]”.187

Seja qual for o âmbito de aplicação que se queira dar ao princípio da condição mais benéfica, o fato é que o princípio em questão busca preservar uma realidade concreta conquistada pelo trabalhador contra alterações a ele desfavoráveis, motivo pelo se afirma que “[...] o princípio da condição mais benéfica resolve o

fenômeno de direito transitório ou intertemporal [...]”.188

O Tribunal Superior do Trabalho, por intermédio da Súmula de nº 51, consagrou a aplicabilidade do princípio da condição mais benéfica, afirmando, em seu inciso I, que “as cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas

anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento”.189

184

Ibidem, p. 95.

185

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/> Acesso em: 01 abr. 2010.

186

NASCIMENTO, op. cit., p. 350.

187

Ibidem. 350.

188

SILVA, op. cit., p. 99.

189

Assim, o inciso I da Súmula de nº 51 protege os trabalhadores que foram beneficiados com vantagens deferidas anteriormente contra cláusulas regulamentares que as revoguem os as alterem. As novas cláusulas, revogadoras ou alteradoras das vantagens anteriores somente incidirão sobre os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento, ou seja, trabalhadores que não haviam incorporado ao seu patrimônio as vantagens revogadas ou alteradas.

O inciso II da Súmula nº 51 do TST, por sua vez, impede a aplicação concomitante de dois regulamentos empresariais ao mesmo empregado, estabelecendo que “havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a

opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro”.

Aspecto importante acerca da aplicação da condição mais benéfica é a questão da ultratividade das normas coletivas, ou seja, a produção de efeitos jurídicos da norma coletiva (decorrente de acordo ou convenção coletiva) após o prazo máximo fixado no próprio texto normativo ou na CLT.

A CLT, nesse ponto, dispõe em seu art. 614, §3º que “não será permitido estipular duração de Convenção ou Acordo superior a 2 (dois) anos”190, limitando, assim, ao prazo máximo de 02 (dois) anos a vigência de uma determinada norma coletiva.

O questionamento acerca da aplicação ou não do princípio da condição mais benéfica surge a partir do momento em que são analisados os direitos e garantias conquistados pelos empregados através da celebração de determinado acordo ou convenção coletiva. Tais direitos aderem, em caráter definitivo, aos contratos de trabalho dos empregados? O princípio da condição mais benéfica tem o condão de fazer com que as normas coletivas garantidoras de benefícios aos empregados produzam efeitos mesmo após o prazo de duração do acordo ou convenção coletiva?

190

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/> Acesso em: 01 abr. 2010.

Na tentativa de responder essas questões, surgem três teorias, apontadas por Maurício Godinho Delgado191. A primeira delas – teoria da aderência irrestrita – equipara as cláusulas coletivas às cláusulas individuais, sustentando que as normas oriundas de negociação coletiva aderem, em caráter definitivo, aos contratos de trabalho dos empregados, não podendo ser suprimidas por qualquer norma individual ou coletiva posterior.

A segunda teoria, diametralmente oposta à primeira, apresenta a tese da aderência limitada pelo prazo, estabelecendo que as normas decorrentes de negociação coletiva somente vigoram no prazo de vigência do instrumento coletivo.

A terceira teoria, assumindo um papel intermediário entre as duas anteriores, sustenta a tese da aderência limitada por revogação, concluindo que “[...] os

dispositivos dos diplomas negociados vigorariam até que novo diploma negocial os revogasse [...]”192, surgindo, nas lições de Maurício Godinho Delgado, como a teoria “[...] que melhor se harmoniza aos princípios constitucionais favorecedores

da negociação coletiva trabalhista [...]”.193

O Tribunal Superior do Trabalho, entretanto, já pacificou o entendimento no sentido de que as condições de trabalho decorrentes de acordo ou convenção coletiva vigoram somente no prazo assinalado, não integrando em definitivo os contratos de trabalho. Eis o teor da Súmula nº 277 do TST:

SUM-277 SENTENÇA NORMATIVA. CONVENÇÃO OU ACORDO COLETIVOS. VIGÊNCIA. REPERCUSSÃO NOS CONTRATOS DE TRABALHO (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno em 16.11.2009) - Res. 161/2009, DEJT divulgado em 23, 24 e 25.11.2009 - I - As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho. II – Ressalva-se da regra enunciada no item I o período compreendido entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em

191

DELGADO, op. cit., p. 228.

192

Ibidem, p. 228.

193

que vigorou a Lei nº 8.542, revogada pela Medida Provisória nº 1.709, convertida na Lei nº 10.192, de 14.02.2001.194

Fica evidente, portanto, que o TST consolidou a adoção da teoria da aderência limitada pelo prazo quanto às condições de trabalho alcançadas tanto por força de sentença normativa quanto por força de convenção ou acordos coletivos de trabalho.

O TST, entretanto, vem afastando a aplicação da regra contida no inciso I da Súmula nº 277 tanto na hipótese prevista no inciso II da referida Súmula quanto nos casos em que o próprio instrumento normativo (convenção ou acordo coletivos) prevê que determinado direito integrará em definitivo os contratos de trabalho dos empregados.

A decisão a seguir aborda justamente a hipótese acima destacada, oportunidade em que o TST afastou a incidência da Súmula nº 277:

TST - E-RR - 783296-70.2001.5.24.5555 - DEJT - 28/05/2010 - RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO EMBARGADO SOB A ÉGIDE DA LEI 11.496/2007. INDENIZAÇÃO POR TEMPO DE SERVIÇO. PREVISÃO EM ACORDO COLETIVO. INCORP ORAÇÃO AO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO. Nos termos de cláusula inserta no acordo coletivo de trabalho firmado em 1990, entre a Enersul e o sindicato obreiro, incorporou-se definitivamente, aos contratos individuais de trabalho então vigentes, a indenização por dispensa sem justa causa, calculada na base na maior remuneração dos últimos doze meses anteriores à ruptura contratual e multiplicada pelo número de anos de serviço. No caso, admitido o empregado em 1984 e dispensado em 1999, impõe-se o reconhecimento do direito à citada indenização. Precedentes desta Subseção Especializada. Recurso de embargos conhecido e provido.195

Como se vê, o TST, ao mesmo tempo em que consolidou o entendimento no sentido de que as condições de trabalho conquistadas por força de convenção ou acordo coletivos não aderem, em caráter definitivo, aos contratos de trabalho dos

194

MARTINS, op. cit., p.1145.

195

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. E-RR – 783296-70.2001.5.24.5555. Rel.ª Min.ª Rosa Maria Weber Candiota da Rosa. Publicado no DEJT, 28 mai. 2010. Disponível em:

<http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-

empregados, vigorando, em contrapartida, somente durante o prazo assinalado pelos instrumentos normativos, vem flexibilizando tal entendimento nos casos em que o próprio instrumento normativo garante integração definitiva aos contratos de trabalho de uma determinada garantia, como ocorreu no caso acima destacado.

3 A RELAÇÃO DE EMPREGO COMO OBJETO DO DIREITO DO