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3 A RELAÇÃO DE EMPREGO COMO OBJETO DO DIREITO DO

3.1 A TRAJETÓRIA EM BUSCA DO OBJETO DO DIREITO DO TRABALHO

A definição do objeto de uma disciplina jurídica não só já garante a esta certo grau de autonomia, como também delimita objetivamente e subjetivamente o seu rol de aplicação.

No caso do Direito do Trabalho, a definição do seu objeto acaba por delimitar, igualmente, o alcance do princípio da proteção, analisado minuciosamente no capítulo anterior.

Nesse sentido, não se pode olvidar que, historicamente, toda a construção teórica do Direito do Trabalho se voltou para uma espécie qualificada de trabalhador: o empregado. Reside, portanto, na relação de emprego o objeto histórico do Direito do Trabalho.

É importante destacar, desde já, que quando se fala aqui em Direito do Trabalho fala-se em Direito Material do Trabalho. Essa referência é importante, sobretudo no âmbito do Direito brasileiro, uma vez que, na esfera processual, o Direito do Trabalho não tem como objeto somente a relação de emprego.

Nesse sentido, merece destaque o texto do inciso I do art. 114 da C.F/88, com redação dada pela Emenda Constitucional de nº 45/2004, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho brasileira para processar e julgar “[...] as

ações oriundas da relação de trabalho [...]”.196

Antes da ampliação da competência da Justiça do Trabalho conferida pela Emenda Constitucional de nº 45/2004, tanto o Direito Material quanto o Direito

196

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 01 abr. 2010.

Processual do Trabalho tinham como objeto a relação de emprego, espécie do gênero relação de trabalho.

Atualmente, portanto, o objeto do Direito do Direito Processual do Trabalho é o gênero relação de trabalho, enquanto o objeto do Direito Material do Trabalho permanece limitado à relação de emprego.

A limitação do objeto do Direito do Trabalho à relação de emprego impõe a exclusão de inúmeros trabalhadores não empregatícios do objeto do Direito do Trabalho, afastando-os, assim, a priori, da tutela das normas trabalhistas. É o caso, por exemplo, dos trabalhadores autônomos, eventuais, estagiários, servidores públicos sujeitos ao regime administrativo, voluntário, etc.197

Ressalva-se, desde já, a hipótese, no Brasil, do trabalhador avulso. A Constituição Federal de 1988, no inciso XXXIV do art. 7º, previu a “igualdade de

direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso”.198

Assim, além do empregado, o constituinte incluiu no rol do objeto do Direito do Trabalho brasileiro o trabalhador avulso, definido pelo inciso VI do artigo 12 da lei n.º 8.212/91 como o trabalhador que “[...] presta, a diversas empresas, sem

vínculo empregatício, serviços de natureza urbana ou rural definidos no regulamento”.199

É fato que, atualmente, surgem defensores da ampliação do objeto do Direito do Trabalho, o que faria com que esse ramo especializado da ciência jurídica fosse aplicado não somente a uma espécie de trabalhador, o empregado, mas sim a todo e qualquer trabalhador.

197

DELGADO, op. cit., p. 53.

198

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 01 abr. 2010.

199

Idem. Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispões sobre a organização da Seguridade Social, institui o Plano de Custeio, e dá outras providências. Disponível em:

Nesse sentido, categórica é a passagem de Evaristo de Moraes Filho:

[...] a tendência maior é no sentido de abranger, de maneira indistinta, toda e qualquer espécie de trabalho que se realize na sociedade, público ou privado, dependente ou autônomo. Dia virá em que o Direito do Trabalho será o Direito Comum do próprio trabalho humano, como seu organizador e regulador.200

Murilo Sampaio Carvalho de Oliveira, ao “(re)pensar o princípio da proteção na

contemporaneidade”201, conclui sua obra afirmando que:

Em termos conclusivos, defende-se que a manutenção da tutela do empregado e a invenção de novas tutelas para os trabalhadores heterogêneos e diferenciados representam um caminho de saída da crise do Direito do Trabalho, que reafirma a proteção e coaduna com a dignidade. A ontologia juslaborista – que inspira a expansão do Direito Laboral – indica que a proteção ao trabalho é a própria proteção do homem e de sua dignidade e que, portanto, não deve se restringir a somente uma categoria de trabalhadores, os empregados. Enfim, assegurar proteção a todo e qualquer tipo de trabalho é assegurar proteção ao homem e sua dignidade, valor maior da Constituição e da própria sociedade.

Como se vê, pretende o referido autor ampliar o objeto do Direito do Trabalho através da ampliação do rol de aplicação do princípio da proteção. (Re)pensar o princípio da proteção na contemporaneidade representaria uma mudança paradigmática no Direito do Trabalho, que deixaria de proteger somente uma espécie de trabalhador, o empregado, para proteger também todos os demais trabalhadores, fazendo-o de forma proporcional ao grau de dependência ou de subordinação de cada trabalhador.202

Todavia, quando se protege de forma proporcional ao grau de dependência ou subordinação, corre-se o risco “[...] de não se aplicar, com exatidão, o Direito do

Trabalho a nenhum tipo de trabalho profissional [...]”.203

200

MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 1991, p. 129.

201

OLIVEIRA, op. cit., p. 190.

202

Ibidem, p. 173.

203

Assim, trilhar um caminho de manutenção da relação de emprego como objeto exclusivo do Direito do Trabalho, revisando, contudo, seu principal elemento de definição – subordinação jurídica – pode fazer com que se chegue ao mesmo caminho daquele trilhado pelos autores que defendem a ampliação do objeto do Direito do Trabalho, mas com resultados mais favoráveis ao trabalhador.

Nesse sentido, mantendo-se a relação de emprego como objeto exclusivo do Direito do Trabalho e fazendo, em paralelo, uma revisão do seu elemento definidor principal, significa proteger trabalhadores até então fora do alcance/objeto do Direito do Trabalho, mas que, dado o grau de hipossuficiência que mantêm, necessitam uma proteção estatal.

Portanto, diante do reconhecimento de que, atualmente, diversos trabalhadores hipossuficientes estão à margem do Direito do Trabalho, rogando por proteção, surgem duas possíveis soluções: a) ampliar o objeto do Direito do Trabalho; b) ampliar o conceito de empregado.

A primeira das soluções acarretaria a aplicação do Direito do Trabalho na medida da dependência do trabalhador; a segunda das soluções geraria a aplicação integral do Direito do Trabalho ao trabalhador que, de fato, necessite de proteção.

Assim, como nos dizeres de Jorge Luiz Souto Maior:

[...] a defesa pela preservação da relação de emprego não significa levantar uma bandeira contra a expansão do Direito do Trabalho. O que se quer, na verdade, é que as relações profissionais que preservem características de relação empregatícia sejam tratadas como tal, para que se possa manter uma coerência sistêmica e principiológica.204

Para que se chegue à segunda das soluções, entretanto, é fundamental que se delimite o objeto do Direito do Trabalho na relação de emprego, o que, consequentemente, impõe a definição dessa relação jurídica especializada travada entre empregado e empregador, o que se passa a fazer doravante.

204

3.2 A NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO DE EMPREGO: UM MISTO ENTRE