• Nenhum resultado encontrado

3 A RELAÇÃO DE EMPREGO COMO OBJETO DO DIREITO DO

3.2 A NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO DE EMPREGO: UM MISTO ENTRE

3.3.2 A Não-Eventualidade

O segundo dos requisitos necessários à configuração da relação de emprego é a não-eventualidade, de modo que não basta que seja prestado um serviço por pessoa física e de forma pessoal. É imprescindível que esse serviço seja prestado de modo não-eventual, ou seja, que a prestação de serviços não seja eventual, esporádica.

É bem verdade que, para se chegar ao conceito de não-eventualidade, a doutrina trabalhista apresenta algumas teorias que buscam definir o conceito do referido

219

BARROS, op. cit., p. 265.

220

MORAES FILHO, Evaristo de. Trabalho a domicílio e contrato de trabalho. Formação histórica e natureza jurídica. Rio de Janeiro: Revista do Trabalho Editora, 1943, p. 74.

instituto, até porque “o conceito de não-eventualidade é, porém, uma dos mais

controvertidos do Direito do Trabalho”.221

A teoria da descontinuidade tenta encontrar o conceito de trabalho não-eventual através do conceito de trabalho eventual. Para esta teoria, “[...] eventual seria o

trabalho descontínuo e interrupto com relação ao tomador enfocado – portanto, um trabalho que se fracione no tempo, perdendo o caráter de fluidez temporal sistemática”.222

Todavia, através de uma comparação entre o texto da CLT e o texto da Lei que trata do empregado doméstico (Lei n. 5.859/72), constata-se que, para configuração do empregado celetista foi rejeitada a noção de continuidade.

Isso porque a CLT, em seu art. 3º, diz que “considera-se empregado toda pessoa

física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador [...]”223, enquanto que a Lei de empregado doméstico, em seu art. 1º, define a referida espécie de trabalhador como “[...] aquele que presta serviços de natureza

contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas [...]”.224

Ora, não foi sem razão que a CLT se utilizou do termo não-eventualidade para definir o empregado e, em contrapartida, a Lei de empregado doméstico se vale da expressão “de natureza contínua”. Em verdade, são institutos distintos.

O serviço de natureza contínua, sem dúvida, exige uma prestação de serviços contínua, sem interrupção com relação a um determinado tomador de serviços. É esse conceito de continuidade que retira o diarista do conceito de empregado doméstico.

221

DELGADO, op. cit., p. 273.

222

DELGADO, op. cit., p. 274.

223

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/> Acesso em: 01 abr. 2010.

224

______. Lei n.º 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Dispõe sobre a profissão de empregado doméstico e dá outras providências. Disponível em:

Nesse diapasão, o TST vem pacificando o entendimento no sentido de que o trabalhador doméstico que presta serviços até 03 (três) dias por semana não pode ser considerado empregado doméstico em razão da ausência do requisito da continuidade, conforme se pode extrair da decisão abaixo:

[...] O reconhecimento do vínculo empregatício do doméstico está condicionado à continuidade na prestação dos serviços, não se prestando ao reconhecimento do liame a realização de trabalho durante alguns dias da semana, no caso, é incontroverso que a Reclamante somente trabalhava três vezes por semana para a Reclamada, não havendo como reconhecer-lhe o vínculo empregatício com a ora Recorrida, pois, nessa hipótese, estamos diante de serviço prestado por trabalhador diarista. O caráter de eventualidade do qual se reveste o trabalho do diarista decorre da inexistência de garantia de continuidade da relação. [...]. 225

Assim, fica claro que o requisito da continuidade exige uma repetição diária da prestação dos serviços de, no caso do empregado doméstico, no mínimo 04 dias por semana.

Portanto, diante da distinção existente entre os requisitos da continuidade e da não-eventualidade, verifica-se que a teoria da descontinuidade não foi adotada pelo legislador nacional para caracterização do empregado celetista.

A teoria do evento, por sua vez, “[...] considera como eventual o trabalhador

admitido na empresa em virtude de um determinado e específico fato, acontecimento ou evento, ensejador de certa obra ou serviço [...]”.226

A CLT, todavia, parece também não ter seguido essa teoria para caracterizar o trabalhador empregado. Isto porque a CLT, em seu art. 442, §1º, prevê a possibilidade de contratação por prazo determinado, considerando-se como tal

“[...] o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da

225

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR-17.179/2001-006-09-40.7. Rel. Min. Horácio Senna Pires. Publicado no DEJT, 11 out. 2007. Disponível em: < http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph-

brs?s1=4262668.nia.&u=/Brs/it01.html&p=1&l=1&d=blnk&f=g&r=1> Acesso em: 29 jul. 2010.

226

execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada [...]”.227

Assim, se a CLT prevê a possibilidade de contratação de um empregado para execução de um serviço vinculado a um evento ou fato específico, fica claro que a CLT rejeitou a teoria do evento para configuração do empregado.

A terceira teoria é a teoria da fixação jurídica. Essa teoria exige, para caracterização do empregado, “[...] uma certa fixação vinculando o trabalhador à

fonte de trabalho, sem o que não estaremos diante do empregado”.228

Essa fixação jurídica, ao que parece, também não foi eleita pela CLT como critério para definição do requisito da não-eventualidade. Isso porque a CLT, em seu artigo 445, parágrafo único, prevê a contratação do empregado mediante contrato de experiência, contrato este cuja duração não excede 90 (noventa) dias.229

Ora, se a CLT prevê a possibilidade de um trabalhador ser contratado na qualidade de empregado para prestar um serviço cuja duração pode não exceder 90 (dias), fica claro que não há uma necessidade de fixação jurídica do trabalhador à fonte de trabalho. Um empregado que, através de um contrato de experiência cujo prazo seja de 30 (trinta) dias, cumpre seu contrato, não deixará de ser empregado por não ter se vinculado à fonte do trabalho.

A última teoria que busca explicar o requisito da não-eventualidade é a teoria dos fins do empreendimento. Para esta teoria, “[...] eventual será o trabalhador

chamado a realizar tarefa não inserida nos fins normais da empresa – tarefas que, por essa mesma razão, serão esporádicas e de estreita duração”.230

A não-eventualidade, desta forma, é marcada pela prestação de um serviço necessário à atividade normal do empregador, mesmo que este serviço seja

227

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/> Acesso em: 01 abr. 2010.

228

NASCIMENTO, op. cit., p. 598.

229

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/> Acesso em: 01 abr. 2010.

230

intermitente, descontínuo, o que ocorre, por exemplo, com um trabalhador que presta serviços somente duas ou três vezes na semana, mas de forma habitual.

A teoria dos fins do empreendimento é, sem dúvida, a teoria que encontra maior eco tanto na doutrina quanto na jurisprudência nacional. Para Alice Monteiro de Barros, por exemplo, a não-eventualidade “[...] traduz-se pela exigência de que os

serviços sejam de natureza não eventual, isto é, necessários à atividade normal do empregador”.231

Para comprovar a tese acima, a referida autora cita como exemplo a realidade dos professores que “[...] comparecem aos estabelecimentos de ensino para

ministrarem determinada disciplina durante dois ou três dias na semana”.232

Se, de acordo com a teoria da descontinuidade, os referidos professores seriam considerados trabalhadores eventuais, diante da teoria dos fins do empreendimento, os mesmos são considerados empregados uma vez que suas atividades são necessárias “[...] ao desenvolvimento da atividade normal do

empregador”.233

Isso porque, como já se viu, o requisito da não-eventualidade visto à luz da teoria dos fins do empreendimento considera trabalho não-eventual aquele que, mesmo prestado somente por um ou dois dias na semana, se insere nas atividades normais do tomador dos serviços. É justamente nesse sentido que vem caminhando a jurisprudência do TST:

A constante prestação de serviços de limpeza em escritório de empresa, ainda que em apenas um dia da semana, por anos a fio, caracteriza vínculo empregatício. O requisito legal da não- eventualidade na prestação do labor, para efeito de configuração da relação de emprego, afere-se precipuamente pela inserção do serviço no atendimento de necessidade normal e permanente do empreendimento econômico da empresa. Servente de limpeza, que realiza tarefas de asseio e conservação em prol de empresa, semanalmente, mediante remuneração e subordinação, é empregada, para todos os efeitos legais. A circunstância de

231

BARROS, op. cit., p. 266.

232

Ibidem, p. 266.

233

também prestar serviços a terceiro, paralelamente, não exclui o vínculo empregatício, pois a lei não exige exclusividade, em regra, para tanto.234

Por fim, é importante destacar a posição de Maurício Godinho Delgado que, após apresentar as quatro teorias acima destacadas, assume uma posição peculiar no sentido de que “[...] não se deve perquirir pela figura do trabalhador eventual

tomando-se um exclusivo critério entre os apresentados, mas combinando-se os elementos deles resultantes [...]”.235

Todavia, majoritariamente, conforme já apresentado, a doutrina e a jurisprudência nacional vêm acolhendo a teoria dos fins do empreendimento para caracterização do trabalho não-eventual previsto no art. 3º da CLT.