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4 A CRISE DA SUBORDINAÇÃO JURÍDICA ENQUANTO

4.2 A ORIGEM E A EVOLUÇÃO DA SUBORDINAÇÃO JURÍDICA

4.2.4 A subordinação jurídica em sua acepção clássica: uma correlação com

A correlação entre subordinação jurídica e poder diretivo do empregador é, nas palavras de Alain Supiot, a pedra angular do Direito do Trabalho:

La subordinación del trabajador, que sirve para caracterizar al contrato de trabajo, es más que un simple criterio técnico de clasificación: es la piedra angular de un derecho que tiene como objeto esencial enmarcar el ejercicio del poder que confiere a una persona sobre a otra.289

Como se vê, Alain Supiot deixa claro que a subordinação jurídica representa um dos fundamentos do próprio Direito do Trabalho que tem como objetivo essencial limitar o exercício do poder conferido ao empregador.

Esse poder de direção conferido ao empregador em razão da celebração do contrato de trabalho, portanto, representa a contraface da subordinação jurídica que, nesse sentido, apresenta-se como a faculdade do empregador dirigir a prestação de serviços do empregado.

No que tange à origem da subordinação jurídica enquanto elemento definidor da relação de emprego, notável contribuição ao Direito do Trabalho na ordem mundial deu o doutrinador italiano Ludovico Barassi290 que, desde o início do séc. XX, sedimentou a idéia de que o traço determinante na identificação da forma de prestação de serviços a ser alvo da proteção trabalhista era a subordinação em seu sentido jurídico, ou seja, enquanto expressão do poder diretivo do empregador que, por sua vez, representa um dos efeitos do contrato de trabalho. Ressalte-se, por oportuno, que este critério foi acolhido pelo código civil italiano de 1942 (art. 2.094) como traço distintivo entre o autônomo e o empregado.

Seria, então, a subordinação jurídica um critério – como o próprio nome deixa transparecer – jurídico que marcaria a distinção da relação de emprego das

289

SUPIOT, op. cit., p. 133-134.

290

BARASSI, Ludovico. Il contratto di lavoro nel diritto positivo italiano. Milano: Libraria, 1901, pg. 29.

demais formas de trabalho e seria representada pela submissão do empregado às ordens do empregador:

[...] el poder de dirección que se ejerce sobre el trabajador constituye el criterio por excelencia para definir el contrato de trabajo, lo que permite distinguir al trabajador de cualquier forma de actividad económica que se ejerce a título oneroso para otro.291

A subordinação jurídica surge, desta forma, como a determinação pelo empregador do tempo e do modo da prestação de serviços do empregado. Trabalhador subordinado seria, portanto, aquele que não tem a possibilidade de determinar quando e de que forma executará o seu ofício. Estas orientações, portanto, são fixadas pelo tomador de serviços, no caso o empregador, que, no exercício do seu poder diretivo, dirige o trabalho prestado pelo empregado.

Conforme adverte Arion Sayão Romita, quando o elemento subordinação jurídica passou a ganhar uniformidade enquanto elemento diferenciador do contrato de trabalho dos demais contratos de atividade, tal elemento se identificava “[...] numa

dependência hierárquica e disciplinar, mediante a qual a atividade do empregado fica vinculada às iniciativas e às ordens do empregado”.292

Desta forma, completa o referido autor, que o vínculo de subordinação se traduz em duas variantes: “[...] a) para o empregador, no poder de dirigir e fiscalizar a

atividade do empregado; b) para o empregado, na obrigação correspondente de se submeter às ordens do empregador”.293

Reside, portanto, segundo uma concepção subjetivista de subordinação jurídica, no poder diretivo do empregador (heterodireção) a expressão da subordinação jurídica, algo que era extremamente coerente e fácil ser identificado nas primeiras décadas de “vida” do Direito do Trabalho, quando o empregado se resumia basicamente àquele trabalhador fabril que se submetia diariamente aos comandos do empregador, ficando lotado basicamente no interior das fábricas ao longo das linhas de produção típicas do Fordismo/Taylorismo, o operário.

291

SUPIOT, op. cit., p. 138.

292

ROMITA, op. cit., 1979, p. 60.

293

Lorena Vasconcelos Porto esclarece, de forma objetiva, o conceito e as razões da subordinação em sua acepção clássica:

Na época do surgimento do Direito do Trabalho, o modelo econômico vigente – centrado na grande indústria – engendrou relações de trabalho de certo modo homogêneas, padronizadas. O operário trabalhava dentro da fábrica, sob a direção do empregador (ou de seu preposto), que lhe dava ordens e vigiava o seu cumprimento, podendo eventualmente puni-lo. Essa relação de trabalho, de presença hegemônica na época, era alvo da proteção conferida pelo nascente Direito do Trabalho. Desse modo, foi com base nela que se construiu o conceito de contrato (e relação) de trabalho e, por conseguinte, o do seu pressuposto principal: a subordinação.

O trabalhador estava submetido a uma disciplina e organização hierárquica rígidas, sendo reduzida ao mínimo a sua discricionariedade, a possibilidade de efetuar escolhas, mesmo que puramente técnicas. Nesse contexto, a subordinação foi definida a partir da ideia de heterodireção patronal forte e constante da prestação laborativa, em seus diversos aspectos: conteúdo, modalidade, tempo, lugar, etc.

[...] A subordinação, em sua matriz clássica, corresponde à submissão do trabalhador à ordens patronais precisas, vinculantes, ‘capilares’, penetrantes, sobre o modo de desenvolver a sua prestação, e a controles contínuos sobre o seu respeito, além de aplicação de sanções disciplinares em caso de descumprimento.294

Portanto, a origem do Direito do Trabalho enquanto ramo específico da ciência jurídica tem como fundamento o trabalho subordinado em sua acepção clássica, encontrado no interior das fábricas e indústrias típicas da industrialização inicial ocorrida nos séculos XVIII e XIX, quando se destacou o modelo taylorista/fordista de produção.

É por essa razão, inclusive, que Mario de La Cueva assinala que o Direito do Trabalho nasceu para proteger o trabalhador industrial, uma vez que foi no interior das indústrias aonde se manifestou, com intensidade acentuada, a exploração do trabalhador.295

294

PORTO, op. cit., p. 43.

295

Esse conceito de subordinação enquanto contraface do poder diretivo do empregador encontra eco, até os dias presentes, em diversos conceitos doutrinários lançados.

Nesse sentido, Amauri Mascaro do Nascimento conceitua a subordinação como:

[...] uma situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará. A subordinação significa uma limitação à autonomia do empregado, de tal modo que a execução dos serviços deve pautar-se por certas normas que não serão por ele traçadas.296

Reside, pois, na subordinação jurídica – dentro de uma concepção clássica –, a situação fática de transferência do empregado ao empregador do comando de sua atividade. É o empregador, nesse sentido, quem dirige, controla e orienta a prestação de serviços do empregado. É através da subordinação jurídica que o empregado se submete aos poderes do empregador:

A subordinação jurídica corresponde ao pólo antitético e combinado do poder de direção existente no contexto da relação de emprego. Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços. (grifos originais).297

Os dois conceitos trazidos à colação retratam, portanto, a noção clássica de subordinação jurídica, relacionando-a ao exercício do poder de direção do empregador que, nessa qualidade, dirige o tempo e o modo da prestação de serviços.

Vale ressaltar, desde já, que os referidos conceitos também deixam claro que a subordinação jurídica que identifica a relação de emprego é uma subordinação do trabalho prestado e não da pessoa que presta o serviço, revelando, assim, uma

296

NASCIMENTO, op. cit., p. 603.

297

superação do conceito de subordinação enquanto sujeição pessoal do trabalhador ao tomador dos serviços.

É bem verdade que, como já dito, o contrato de trabalho possui uma característica peculiar que confunde, numa mesma pessoa (empregado), o sujeito e o objeto do contrato, sendo que, “[...] en realidad, la persona humana es tanto el objeto del

contrato, como el sujeto del mismo”.298

Todavia, em que pese sujeito e objeto se confundam na pessoa do empregado, isto não pode fazer com que se admita uma sujeição pessoal do empregado em relação ao empregador. Como já visto no tópico anterior, a subordinação é jurídica uma vez que tem como fundamento e limites o contrato de trabalho celebrado entre trabalhador e tomador dos serviços.

4.3 A CRISE E A QUEBRA DO PARADIGMA DA SUBORDINAÇÃO CLÁSSICA: UMA BREVE ABORDAGEM DO MÉTODO CIENTÍFICO DE THOMAS KUHN

A noção clássica de subordinação jurídica analisada até o presente momento revela, como já visto, o controle por parte do empregador do tempo e do modo da prestação dos serviços do empregado.

Essa noção, entretanto, mostrou-se satisfatória para diferenciar o empregado dos demais trabalhadores dentro de uma realidade socioeconômica baseada no modelo de produção Fordista/Taylorista.

As alterações detectadas na economia mundial e na forma de produção a partir da segunda metade do século XX, entretanto, inauguraram o período de crise do Direito do Trabalho e, conseqüentemente, de crise da subordinação jurídica clássica.

298

A filosofia de Thomas S. Kuhn, nesse instante, merece destaque na medida em que propõe, diante de situações de crise como ocorre no caso da subordinação jurídica clássica, a quebra de paradigmas.