• Nenhum resultado encontrado

Dos postulados epistemológicos e metodológicos disciplinares

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

3 O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

3.7 A comunicação científica

3.7.2 Diferenças disciplinares que influenciam no processo de comunicação

3.7.2.1 Dos postulados epistemológicos e metodológicos disciplinares

Meadows (1999) afirma que no século XVII o que hoje denominamos de ciências físicas eram conhecidas como filosofia natural (com método lógico, quantitativo, encontrado na matemática), enquanto nas ciências sociais modernas, junto com a história, eram consideradas como filosofia moral e muitos estudos biológicos de história natural (ligadas a outras matérias não-matemáticas). As diferenças nacionais de interpretação da palavra ciência têm exercido influência na comunicação internacional. A tentativa de um significado mais completo para a palavra “ciência” é proposta por Machlup

a ciência é um corpo coerente e sistemático de conhecimentos sobre qualquer tema, formal ou empírico, natural ou cultural, alcançado por qualquer método, desde que 1) esteja baseado em estudos e pesquisas rigorosos, honestos e sérios, e chegue a percepções a que não chegariam leigos ou observadores superficiais, e 2) destine-se a propósitos intelectuais ou pragmáticos de cunho geral, mas não à aplicação prática imediata num caso ou situação concreta (MACHLUP apud MEADOWS,1999, p. 40)

A pesquisa científica possui diversos níveis de estudo da realidade e, com eles os diferentes tipos de abordagens com base nos fundamentos epistemo-metodológicos para atingir o conhecimento, segundo Nicolescu (2008, p. 55).

Cada ciência estuda algum aspecto do mundo. As ciências físicas (Física, Química, Astronomia e ciências da Terra) investigam a matéria inanimada. A Física e a Química são, geralmente, ciências experimentais29, ciências de laboratório, ao passo que a Astronomia e as ciências da Terra apoiam-se principalmente na observação. A Química difere da Física ao estudar as propriedades de tipos especiais de matéria, em vez das propriedades da matéria em geral. As ciências da vida (Biologia, Botânica, Zoologia e Fisiologia) ocupam-se de uma profusão bem maior de fenômenos com base na sua estrutura hierárquica. Logo, são muito menos previsíveis devido ao processo sexual das espécies. Embora o biólogo raramente possa atingir a precisão do físico no estudo das coisas mais simples e mais estáveis, ele descreve uma gama maior de fenômenos naturais em virtude da variedade das entidades biológicas (KNELLER ,1980, p. 122-123).

29

A Teoria da Relatividade de Einstein escapa a essa classificação, uma vez que ela é teórica e não experimental (informação verbal).

Do ponto de vista da pesquisa disciplinar, os pesquisadores se orientam metodologicamente para um único fragmento da realidade sem extrapolar os limites estabelecidos de seu objeto de estudo. Já na pesquisa pluridisciplinar, pesquisadores de áreas distintas utilizam suas metodologias para estudar o objeto de outra disciplina, ultrapassando seus marcos teóricos e metodológicos. A pluridisciplinaridade enriquece o objeto de estudo de uma determinada disciplina, mas sua finalidade continua inscrita na estrutura da pesquisa disciplinar, segundo Nicolescu (2008).

Na pesquisa interdisciplinar os pesquisadores utilizam métodos de outras disciplinas para complementar os estudos do objeto de sua própria disciplina. Distinguem-se três graus de interdisciplinaridade: 1) um grau de aplicação (p.ex. os métodos da física nuclear transferidos para a medicina levam ao aparecimento de novos tratamentos para o câncer; 2) um grau epistemológico (p. ex. a transferência de métodos da lógica formal para o campo do direito produz análises interessantes na epistemologia do direito; 3) um grau de geração de novas disciplinas (p.ex., a transferência dos métodos da matemática para o campo da física gerou a física-matemática; os da física para a química a físico-química, os da informática para a arte (arte informática) e assim por diante. A interdisciplinaridade também ultrapassa os limites das disciplinas, mas também permanece inscrita na pesquisa disciplinar (NICOLESCU; 2008).

Finalmente, a pesquisa transdisciplinar diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas e além delas. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento. A pesquisa transdisciplinar se interessa pela dinâmica gerada pela ação de vários níveis de realidade ao mesmo tempo. As pesquisas disciplinares, pluridisciplinares, interdisciplinares e transdiciplinares não são antagônicas, mas complementares. “A disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são as quatro flechas de um único e mesmo arco: o do conhecimento.” (NICOLESCU, 2008, p. 55, destaque do autor).

As diferenças de comportamento dos pesquisadores nas diferentes áreas do conhecimento podem também ser atribuídas ao modelo racionalista adotado pela ciência moderna desde a revolução científica do século XVI. Este modelo, próprio das ciências naturais, se estendeu às ciências sociais no século XIX ignorando qualquer outra forma de conhecimento que não se pautasse nos princípios epistemo-metodológicos de natureza positivista (SANTOS, 2007 p. 10). Nas ciências naturais, de acordo com este autor, conhecer significa quantificar. O rigor científico afere-se pelo rigor das medições, tendo a matemática como instrumento privilegiado nas análises. As qualidades intrínsecas do objeto são, por assim dizer, desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as quantidades em que

eventualmente se podem traduzir. O que não é quantificável é cientificamente irrelevante30. O método científico assenta na redução31 da complexidade do objeto para que a mente humana possa compreendê-lo completamente. Conhecer significa dividir e classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou. A natureza teórica do conhecimento científico decorre dos pressupostos epistemológicos e das regras metodológicas. É um conhecimento causal que aspira à formulação de leis, à luz de regularidades dos fenômenos observados. Parte-se do pressuposto que o resultado se produzirá independentemente do lugar e do tempo em que se realizarem as condições iniciais. Por outras palavras, a descoberta das leis da natureza assenta no princípio de que a posição absoluta e o tempo absoluto nunca são condições iniciais relevantes.

As leis da ciência moderna, explica Santos, são um tipo de causa formal que privilegia o como funciona as coisas em detrimento de qual o agente ou qual o fim das coisas. É por essa via que o conhecimento científico rompe com o conhecimento do senso comum. Enquanto no senso comum a causa e a intenção convivem sem problemas, na ciência a determinação da causa formal obtém-se com a expulsão da intenção. É este tipo de causa formal que permite prever e, portanto, intervir no real e que, em última instância, permite à ciência moderna responder à pergunta sobre os fundamentos do seu rigor e da sua verdade como o elenco dos seus êxitos na manipulação e na transformação do real (SANTOS, 2007, p. 10).

Uma das questões colocadas sobre a cientificidade das ciências sociais diz respeito à plausibilidade de se tratar de uma realidade na qual tanto investigadores como investigados são agentes. Esta ordem de conhecimento, segundo aguns críticos, estaria escapando à objetividade da ciência. Durkheim (1978) e uma corrente de estudiosos das áreas humano- sociais argumentaram que: a) é possível traçar uniformidades e encontrar regularidades no comportamento humano; e b) regularidades predizíveis existem em qualquer fenômeno humano-cultural e podem ser estudadas sem levar em conta apenas motivações individuais. Outros questionamentos afloraram, sendo que no início do século XX surgia uma escola sociológica que se rebelava radicalmente contra a tentativa de analogia entre ciências naturais e ciências sociais, segundo Minayo e Sanches (1993). Seu fundamento residia na argumentação de que as ciências sociais privam-se da sua própria essência quando se abstêm

30 “existem teorias que ainda não tem comprovação experimental, mas são matematicamente corretas”

(informação verbal - críticas de revisão).

31 A redução acaba com as principais vantagens de um modelo. Por exemplo: trabalhar com dimensões infinitas

de examinar a estrutura motivacional da ação humana. O desenvolvimento desta segunda corrente, em oposição ao positivismo deu maior consistência metodológica a esta reflexão. Foi de Max Weber a afirmação de que cabe às ciências sociais a compreensão do significado da ação humana, e não apenas a descrição dos comportamentos. Weber também afirma que o “elemento essencial na interpretação da ação é o dimensionamento do significado subjetivo daqueles que dela participam” (WEBER, 197032 apud MINAYO; SANCHES, 1993).