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Sobre as razões para publicar artigo científico

6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA

6.3 Discussão dos resultados da pesquisa

6.3.1 Sobre as razões para publicar artigo científico

As razões para publicar artigo científico são múltiplas, desde a satisfação pessoal como pesquisador até o atendimento de exigências dos órgãos de financiamento à ciência e

tecnologia. Contribuir para o avanço do conhecimento na área de pesquisa e possibilitar o uso dos resultados na promoção do desenvolvimento econômico e social das nações, parecem ser, contudo, as principais metas de um pesquisador. Para tanto, dar visibilidade às investigações e garantir o uso dos resultados por seus pares são condições essenciais para conferir validade e legitimação dos resultados das pesquisas na comunidade científica.

Ganhar prestígio no campo de investigação, progredir na carreira ou aumentar as possibilidades na captação de recursos públicos para novas pesquisas parecem não ser, em primeiro plano, razões que mais motivam os pesquisadores a publicar. Na opinião dos respondentes, essas possibilidades vêm em decorrência da própria dinâmica do campo científico e que não devem ser levadas em consideração por um pesquisador no processo de produção do conhecimento científico.

Quanto ao uso das publicações para obter rendas diretas ou mesmo galgar cargos burocráticos nas instituições científicas, os resultados apontaram total descompasso dessas atividades com a carreira de um pesquisador, embora quase 16% consideram essas possibilidades, principalmente nas ciências da saúde e engenharias.

Por outro lado, as razões para publicar artigos científicos não se restringem apenas aos fatores associados aos cânones da ciência e da motivação pessoal. Para uma boa parte dos respondentes, a publicação de artigos em revistas científicas é uma condição sine qua non das agências de fomento à ciência e tecnologia. Para ser pesquisador é preciso, independentemente da vontade, publicar em grande quantidade e em revistas com alto fator de impacto para atender exigências da CAPES e do CNPq.

Quanto às recompensas na carreira de um pesquisador, Bourdieu nos diz que o “campo científico”166

é uma economia antieconômica onde impera os bens simbólicos, no qual o interesse científico aparece de forma desinteressada mas, na verdade, o cientista tem interesse e esse interesse provoca disputas acirradas entre seus pares para ganhar poder e prestígio. “Os eruditos são interessados, têm vontade de chegar primeiro, de serem os melhores, de brilhar.” (BOURDIEU, 2004, p. 31). Bourdieu afirma que o campo científico possui duas espécies de capital: o capital político ou institucional que está ligado à ocupação de posições importantes nas instituições científicas, direção de laboratórios ou departamentos, participação em comissões, comitês de avaliação etc., e o capital científico “puro” que é uma espécie de capital simbólico adquirido no interior do campo científico, traduzido em reconhecimento

166 O campo científico, na concepção de Pierre Bourdieu, é o espaço intermediário entre dois pólos onde estão

pelas contribuições ao progresso da ciência. Segundo esse autor, essas duas espécies de capital possuem formas diferentes de aquisição e dificilmente podem ser acumuladas: as contribuições reconhecidas ao progresso da ciência, as invenções ou as descobertas (publicações) estão ligadas ao capital científico puro, enquanto as participações em comissões, bancas (de teses, de concursos), colóquios, cerimônias, reuniões etc. estão ligadas ao capital político institucional. Este tem quase as mesmas regras de transmissão que qualquer outra espécie de capital burocrático, enquanto o capital científico puro tende a situar-se na lógica “carismática” do “inventor”, ou seja, ligado à pessoa, aos seus “dons” pessoais, e não pode ser objeto de uma “portaria de nomeação” (BOURDIEU, 2004, p. 35-37, aspas do autor). Acumular essas duas espécies de capital, segundo Bourdieu, é extremamente difícil e, por conseqüência, define a posição em que cada um ocupa nessa estrutura: por um lado, os detentores de um forte crédito científico e frágil peso político e, por outro, os detentores de um forte crédito político e um frágil crédito científico (p. 38).

Quanto às intervenções externas ao campo científico, Bourdieu (2004) lembra que embora o campo científico seja um mundo social com leis próprias e de relativa autonomia para refratar intervenções do mundo social global, sua capacidade de refratar as pressões externas depende do grau de homogeneidade que existe neste campo. “[...] quanto mais autônomo [homogêneo] for um campo, maior será o seu poder de refração e mais as imposições externas serão transfiguradas [...]”. Por outro lado, quanto mais heterônimo o campo for, mais se exprimem as manifestações externas (p. 20-22). Essas características podem ser facilmente percebidas quando se observa as diferenças disciplinares nos vários campos do conhecimento, cujos paradigmas tendem a ser mais ou menos consolidados. Nas grandes áreas das Ciências Humanas e Sociais, as estruturas dos campos são mais vulneráveis às intervenções externas, com paradigmas pouco consolidados, enquanto nas ciências naturais os paradigmas são mais consolidados, maduros e, com isso, mais resistentes às pressões externas ao campo (VELHO, 1997a; MEADOWS, 1999)

Santos (2007, p. 34) afirma que a autonomia da ciência e do desinteresse do conhecimento científico, que durante muito tempo constituíram a ideologia espontânea dos cientistas, entraram em colapso perante o fenômeno global da industrialização a partir, sobretudo, das décadas de trinta e quarenta. Segundo este autor, a industrialização vinculou o compromisso da ciência aos centros de poder econômico, social e político, os quais passaram a ter um papel decisivo na definição das prioridades científicas, tanto ao nível de aplicação da ciência como na organização da investigação científica. No domínio da organização do trabalho científico, a industrialização da ciência provocou a estratificação da comunidade

científica em que as relações de poder entre os cientistas tornaram-se mais autoritárias e desiguais.

Para Kneller (1980, p. 278), a ciência moralmente neutra não existe. Em algumas áreas, argumenta o autor, a direção da pesquisa é guiada por outros fatores que não a aspiração pura e simples da verdade. O cientista é conduzido pelo governo e pelas indústrias para áreas onde se espera aplicações práticas. Dessa forma, os patrocinadores externos da ciência determinam freqüentemente que pesquisas serão empreendidas. O Projeto Manhattan e o Complexo Militar-Industrial do pós-guerra são bons exemplos do desvio das atividades científicas puras para atender fins militares.

Para Ravetz, citado por Kneller (1980), a ciência mudou seu caráter social, pois, à medida que a pesquisa se torna impossível sem uma bolsa ou um grant de pesquisa, a comunidade científica dedica cada vez mais tempo e energia à aquisição e distribuição de verbas. Desenvolveu-se uma sociedade profissional estratificada, a qual consiste em órgãos financiadores, um grupo privilegiado de cientistas servindo como consultores, um grupo menos privilegiado de cientistas trabalhando individualmente à sombra de pequenas bolsas, um número de doutores empregados em programas por empreiteiros e, finalmente, cientistas desempregados, sem verbas nem pesquisas.

Considerando os Discursos dos Sujeitos Coletivos (DSC) nas diferentes grandes áreas do conhecimento, observa-se que existe certo consenso de que publicar e divulgar os resultados de pesquisas é fundamental para que outros os vejam e os usem. Nesse sentido, publicar apenas não basta, é preciso que haja ampla disseminação do conhecimento para alcançar maior número de pessoas em torno do mundo. A publicação é a essência da vida de um pesquisador e a divulgação completa o ciclo do processo científico. Sem a divulgação, o conhecimento fica restrito a um pequeno grupo de pessoas e perde-se a oportunidade de fazer com que ele contribua de forma efetiva para ampliar o conhecimento na área e servir de base para pesquisas posteriores. A divulgação e o acesso ao conhecimento gerado devem ser os mais amplos possíveis para abrir oportunidades pessoais e institucionais. As pesquisas básicas e aplicadas, a partir da divulgação dos conhecimentos obtidos, oferecem possibilidades de atualização de conhecimento com base em evidências científicas. Divulgar a produção científica é mais do que uma obrigação do pesquisador público; é compromisso ético e político com a sociedade. Entretanto, a pressão para publicar leva, muitas vezes, a publicações extemporâneas e de baixa qualidade.

Para Bourdieu (2004), no campo científico quem determina o que deve ou não ser feito é a estrutura das relações objetivas entre seus agentes (pesquisadores ou instituições). As

intervenções científicas, os lugares de publicação, os temas escolhidos, os objetos de interesse etc. são determinados por essa estrutura que é comandada pelos pesquisadores que detêm maior peso proporcional ao capital científico acumulado no campo. Nessa relação, quanto mais frágil for o capital científico de um pesquisador, maior será a pressão dessa estrutura sobre ele. Exceção se faz no caso de uma descoberta revolucionária em que a ordem científica estabelecida é questionada e o pesquisador redefine os próprios princípios na distribuição de capital. Einstein é um bom exemplo. Ele conseguiu desestruturar todo campo da Física e aí se estabeleceu novos paradigmas (BOURDIEU, op. cit, p. 22-25).

Dados divulgados em fevereiro de 2011 pelo Projeto SOAP (Study of Open Access Publishing)167, mostram que de uma população de 43 mil pesquisadores respondentes do estudo de vários países do mundo, 51% decidem por si próprio onde publicar suas pesquisas, 49% disseram que é uma decisão coletiva entre os co-autores, 10% disseram também que a decisão parte de um colega sênior na área, 2,3% vêm de agências de financiamento à pesquisa e, apenas 1,1% de outras formas de decisão. Nas áreas das ciências humanas e sociais e, principalmente, nas lingüísticas, letras e artes, a decisão da escolha do canal de publicação está mais centrada no próprio autor. Essa peculiaridade pode ser explicada pelas próprias características paradgmáticas dessas áreas em que o grau de coesão interna do campo é mais heterogêneo em relação às ciências naturais, o que permite maior autonomia do pesquisador em relação aos seus pares. Além disso, publicam mais individualmente e são menos dependentes de recursos financeiros para pesquisa.

Embora Bourdieu (2004) afirme que um campo científico autônomo dificilmente pode ser manipulado, ele (o campo) se submete a determinadas influências externas para garantir sua perpetuação. As agências de fomento à ciência e tecnologia são provas disso, como foi visto acima. Mesmo que indiretamente, o comportamento dos pesquisadores é influenciado por mecanismos de recompensas externas. Ao estabelecer critérios para a criação de cursos de pós-graduação ou mesmo para a concessão de projetos e bolsas de pesquisa, a CAPES e o CNPq determinam as regras do “jogo”. Essa intervenção externa ao campo científico seria radicalmente reconhecida se não fosse a atuação dos próprios detentores de forte capital científico no comando dessas atribuições. São eles que atuam nos comitês de avaliação dos cursos de pós-graduação da CAPES e nos comitês assessores do CNPq. Os respondentes deste estudo ao criticar os sistemas de avaliação, tanto da CAPES quanto do CNPq, estão em

167 Projeto SOAP <http://project-soap.eu/highlights-and-data-of-the-soap-survey-now-available/>. Acesso em 01

conflito com seu próprio campo científico, com seus próprios pares, o que é uma conduta normal partindo-se da concepção de campo científico de Bourdieu. Para este autor, o campo científico é um lugar de luta, de relações de força e poder como outro campo qualquer e, quanto mais as pessoas ocupam uma posição favorecida na estrutura, mais elas tendem a conservá-la. Esses renomados pesquisadores, conhecidos como os gatekeepers da ciência, também são, em geral, os editores de revistas científicas que, segundo De Grazia, citado por Crane (1997), filtram as informações que são amplamente circuladas entre os membros de uma disciplina e possuem resistência à novas idéias para manter o status quo na estrutura estabelecida.

Na visão de Bourdieu (2004), dificilmente se acumula a aquisição de capital científico com capital político. Entretanto, no caso da CAPES e do CNPq, a acumulação dessas duas funções é facilmente percebida. Nesse sentido, os pesquisadores com maior prestígio, notoriedade, reconhecimento, sobretudo o internacional, em seu campo científico, são aqueles que ocupam posições de prestígio nas instituições científicas e órgãos públicos assemelhados. Posições essas que são nomeadas segundo critérios burocráticos. Os comitês assessores do CNPq são indicados pela comunidade e associações científicas e posteriormente, selecionados e nomeados pelo CNPq para desenvolver atribuições específicas.

As normas de comportamento científico descritas por Merton dizem que as descobertas devem ser julgadas sem fazer referência às características sociais do cientista (raça, nacionalidade, religião, classe etc.) para não interferir na avaliação objetiva do trabalho científico. Entretanto, Crane (1997) afirma que estudos recentes sugerem que é mais provável que a posição de um cientista na estrutura social da ciência em si possa afetar a avaliação de seu trabalho científico do que as características sociais de um pesquisador. De acordo com essa autora, alguns estudos têm mostrado que a produtividade do cientista está relacionada ao prestígio de sua afiliação universitária em maiores universidades. Se o sistema de estratificação acadêmica controla oportunidades para publicação e distribuição e as distribuem diferentemente para cientistas distintamente localizados no sistema, este está inibindo alguns cientistas do desempenho de suas funções e possivelmente também a difusão das idéias científicas.

Crane (1997) sugere que a diversidade nas características acadêmicas de editores de revistas pode ser um importante fator contribuinte para a seleção de artigos por autores de variados backgrounds acadêmicos. Conforme sugere essa autora, o preconceito na avaliação de artigos pode ser evitado sob duas formas: avaliação anônima de artigos e o uso de staffs (corpo editorial) de editores com diversos backgrounds acadêmicos. Entretanto, essa autora

observa que o sistema anônimo de avaliação de artigos não interfere substancialmente na discriminação de avaliação de artigos, mas tudo indica que a avaliação de artigos científicos é afetada em graus por fatores não-científicos: treinamento acadêmico (aspectos ligados à metodologia, orientação teórica e modelo de expressão na escrita para aqueles que receberam treinamento similar); treinamento doutoral e afiliação acadêmica influenciam laços pessoais entre cientistas, que por sua vez influencia suas avaliações do trabalho científico.