• Nenhum resultado encontrado

Sobre a motivação para acesso aberto ao artigo científico

6 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA

6.3 Discussão dos resultados da pesquisa

6.3.3 Sobre a motivação para acesso aberto ao artigo científico

Os dados da pesquisa revelaram que a vasta maioria (mais de 80%) dos respondentes não tem hábito de disponibilizar seus artigos em ambientes digitais de acesso aberto, principalmente de pré-referee (antes da avaliação pelos pares). Mesmo nas Ciências Exatas, que têm repositório temático estabelecido, essa disposição é pouco praticada (17%). Em média, 15% dos respondentes disseram disponibilizar de alguma forma seus papers em arquivos abertos na Internet, seja na página web pessoal ou em repositórios digitais de acesso aberto.

Mais de 60% dos respondentes estão dispostos a atender possível mandato de depósito de cópia de seus artigos em repositórios digitais de acesso aberto. As razões mais óbvias que se observa para não disseminarem seus artigos em canais abertos são múltiplas: a) falta de interesse - uma vez que os respondentes parecem não admitir que a atividade de disseminação do conhecimento lhes compete - o mais importante é publicar em uma revista científica para garantir a autoridade da descoberta e reconhecimento pelos pares, além de atender exigências externas ao seu campo de atuação. Se a revista é ou não de acesso aberto pouco interessa; b) falta de informação sobre as políticas editorias das revistas científicas, principalmente sobre os direitos autorais e de copyright – alguns respondentes alegaram desconhecer completamente qualquer assunto ligado às editoras que não seja aquele de formatação dos textos no momento da submissão dos originais de pesquisa. Outros ficaram admirados com a falta de conhecimento sobre o processo de publicação em revistas científicas e dos modelos de negócios das editoras para disseminação da informação científica. Não conhecem as orientações internacionais (SPARC) para reter os direitos autorais no momento da publicação e nem as políticas das editoras para disseminação e acesso às revistas na base SHERPA/RoMEO; c) falta de informação sobre os princípios do acesso aberto e seus desdobramentos – uma minoria de respondentes conhece os termos “repositórios digitais ou arquivos abertos”, “auto-arquivamento” de pré e pós-publicação e o Diretório de Revistas de Acesso Aberto (DOAJ); d) falta de uma política nacional e institucional de informação em ciência e tecnologia – a vasta maioria das instituições nas quais os respondentes estão vinculados não divulga e nem incentiva seus pesquisadores a tornar suas pesquisas acessíveis em repositórios públicos, mesmo possuindo tais repositórios; e) falta de compromisso das agências de financiamento à pesquisa em tornar público os resultados dos investimentos feitos pelo contribuinte – a grande maioria dos respondentes alegaram que o acesso aberto é incompatível com as políticas adotadas pela CAPES e CNPq – a CAPES exige que a criação e

a manutenção de programas de pós-graduação dependem da publicação de artigos em revistas reconhecidas e de impacto nas grandes bases internacionais de indexação. Da mesma forma, com exceção para algumas áreas do conhecimento, o CNPq estabelece, com maior peso na avaliação de pesquisador, o fator de impacto dos artigos com base no número de citações que uma determinada revista recebe de outra revista nas grandes bases indexadoras internacionais. Paradoxalmente, tanto a CAPES como o CNPq apóiam e incentivam a criação de novas revistas e não as consideram para suas avaliações em seus critérios de julgamento. Por outro lado, são os próprios pesquisadores que elaboram tais critérios. Essas contradições vêm do próprio campo científico no qual, como afirma Bourdieu, os detentores de forte capital científico determinam as “regras do jogo”, tanto fora quanto dentro do campo científico, e as perpetuam enquanto permanecem confortáveis em suas posições na estrutura do campo.

Fatores associados a: reconhecimento (peso) das publicações veiculadas em canais de acesso aberto; vinculação da concessão de recursos públicos ao depósito de cópia de artigos em repositórios digitais; e, uso de parte do grant de pesquisa para cobrir possíveis custos de veiculação do artigo publicado em revistas de alto impacto e/ou com tradição no campo de pesquisa apresentam índices de discordância em torno de 50%.

Os percentuais relativamente baixos de motivação nas Ciências Exatas e das Humanas, quanto à vinculação dos recursos públicos ao depósito dos resultados em repositórios de acesso aberto, assim como no uso de parte do grant de pesquisa para viabilizar a veiculação do artigo em canais de acesso aberto, parecem advir das próprias especificidades inerentes a essas grandes áreas do conhecimento. As Ciências Humanas geralmente publicam mais em livros do que em revistas. Quando se publica em revistas científicas, usualmente são de abrangência nacional e na língua nativa, por isso, têm audiência reduzida e, consequentemente, baixo fator impacto em relação às métricas internacionais. Na maioria das áreas das Ciências Exatas e da Terra a pesquisa é de natureza básica e de abrangência internacional e, por isso, tem maior índice de indexação nas bases dados internacionais. Nesse sentido, qualquer política que vincule os recursos públicos à disponibilização dos resultados de pesquisa em acesso aberto poderá afetar o status quo dessas grandes áreas.

Pesquisa realizada por Swan e Brown (2005)172 sobre o comportamento dos pesquisadores no auto-arquivamento de cópia de seus artigos em repositórios digitais de

172

A pesquisa envolveu 4 subgrupos de população: pesquisadores de uma lista online (338) chamada de “população informada/interessada”; pesquisadores de repositórios OA contatados por e-mail (851), chamada de “população arquivada”; convite para pesquisadores da Universidade de Southampton (240); e, convite por

acesso aberto, encontrou que as principais razões para os autores publicarem seus trabalhos em revistas de acesso aberto são: o princípio de livre acesso para todos; a percepção que essas revistas alcançam ampla audiência; são mais rápidas e de mais prestígio que as revistas que eles têm tradicionalmente publicado. Por outro lado, a principal razão para não publicar é que eles não conhecem, não estão familiarizados e nem conseguem identificar uma revista de acesso aberto adequada para publicar seus trabalhos.

Quanto ao comportamento para auto-arquivamento, a pesquisa acima mostrou que quase a metade dos respondentes auto-arquivou, no mínimo, um artigo durante os últimos três anos em pelo menos uma das três formas possíveis: depósito de uma cópia em repositório institucional (ou departamental), em um repositório temático ou na página institucional ou pessoal. A web pessoal tem sido a preferida para mais de 27% dos respondentes. Entretanto, constatou-se que o uso de repositórios institucional ou temático tem aumentado em quase 60% nos últimos anos. A pesquisa mostrou também que os artigos já publicados (após revisão por pares) são mais freqüentemente depositados do que os preprints (antes da revisão por pares), com exceção na comunidade de físicos e computação. A atividade de auto- arquivamento é maior entre os autores mais prolíficos, isto é, aqueles que publicam um grande número de papers. Alguns autores expressaram relutância para o auto-arquivamento por causa das possíveis dificuldades técnicas para executar esta atividade. Outros (10%) tinham receio de infligir acordo de copyright com os editores, revelando total desconhecimento das políticas editoriais na base SHERPA/RoMEO. Comunicar os resultados aos pares permanece a razão primária, ou seja, eles publicam para ter impacto em seus campos de pesquisa. Entretanto, no momento de localizar artigos de interesse, quase a totalidade dos autores (98%) usa alguma forma de serviço bibliográfico em arquivos fechados, como as website dos editores. Apenas uma proporção pequena dos autores usa os buscadores especializados “OAI” para navegar sobre os repositórios de acesso aberto. Essa pesquisa também revelou que a vasta maioria dos autores (81%) está disposta a cumprir mandato de seus empregadores ou de suas agências de financiamento à pesquisa para o auto- arquivamento de cópia de seus artigos em repositório institucional ou temático.

Outra pesquisa mais abrangente com relação ao processo de publicação em revistas de acesso aberto conduzida pelo Projeto SOAP173, com 38.358 pesquisadores de 162 países, que nos últimos cinco anos têm publicado pelo menos um artigo, revelou que 89% dos

amostragem aleatória aos pesquisadores da base Thomson Scientific (811), chamada “população aleatoriamente selecionada”. Total geral = 1296 pesquisadores.

173 Projeto SOAP <http://project-soap.eu/report-from-the-soap-symposium/ >. Acesso em: 14 fev.2011. Esta

pesquisadores-respondentes disseram que o acesso aberto é benéfico para seus campos de pesquisa, principalmente nas áreas das humanidades e ciências sociais (com mais de 90% das respostas). Nas áreas da Química, Astronomia, Fisica e Engenharias e disciplinas relacionadas, esse índice de resposta oscilou em torno de 80%. As principais razões são: benefício para a comunidade científica - inclui todos os conceitos onde o acesso aberto é percebido como benéfico, isto é, rapidez no compartilhamento de resultados, métodos e informação entre os pesquisadores; assuntos financeiros - no sentido de escolha do melhor modelo ou solução para o acesso à informação (é livre, é mais barata, solução para o orçamento das bibliotecas, etc); bens públicos - relacionados ao acesso às informações para pessoas fora da comunidade científica; benefícios para o cientista individual - maior visibilidade dos resultados da pesquisa, reconhecimento, audiência e citação; acessibilidade - eleminação de barreiras técnicas e econômicas para acesso à informação; outros - falta de conscientização e outros conceitos menos freqüentes (MELE et al., 2011, destaque nosso). A vasta maioria discorda da idéia de que revistas de acesso aberto têm baixa qualidade ou enfraquece o processo de revisão por pares.

A pesquisa do Projeto SOAP mostrou também que a motivação para o OA foi a livre disponibilidade dos conteúdos para os leitores e a qualidade da revista, assim como a velocidade da publicação e, em alguns casos, o fato de que as taxas não são pagas diretamente pelos autores. As principais barreiras encontradas por 5 mil cientistas que gostariam de publicar em revistas de acesso aberto são: recursos para financiar a publicação e a falta de revistas de qualidade em seus campos de pesquisa.

A pesquisa do Projeto SOAP chamou a atenção também para o número de artigos publicados em acesso aberto que é estimado em apenas 10% da produção mundial anualmente. As revistas em algumas disciplinas (incluindo Ciências da Vida, Medicina e Ciências da Terra) são de alta qualidade e têm fator de impacto no top de suas áreas.

O Gráfico 19 mostra os fatores que motivam o pesquisador a escolher uma revista científica para publicar suas pesquisas. Esses dados foram extraídos do Projeto SOAP em 22/02/2011, já mencionado. Observa-se que o Brasil se posiciona acima dos índices médios mundiais em relação aos fatores motivacionais selecionados pela pesquisa. O fator “acesso aberto” incentiva 62% dos pesquisadores brasileiros respondentes da pesquisa, enquanto a média no conjunto de outros países é de 44%. Isso mostra que os pesquisadores brasileiros estão bem otimistas com o acesso aberto. Por outro lado, observa-se também que os índices percentuais relativamente baixos concentrados nos fatores “política de copyright” e “política de organização”, tanto no Brasil como nos outros países, reforça a idéia de que os

pesquisadores não se preocupam com as políticas editoriais e a disseminação do conhecimento. Esses dois fatores estão intrinsecamente ligados aos princípios do acesso aberto. A falta de preocupação com as políticas de organização e de copyright das revistas científicas revela certa ortodoxia ou a falta de conscientização por parte dos pesquisadores sobre o novo paradigma de comunicação científica, que é calcado no binômio visibilidade/acessibilidade da informação científica para todos. Para acelerar o processo de conscientização por parte do pesquisador, torna-se necessário a aplicação de políticas públicas para despertá-lo e alterar seu comportamento ainda arraigado no processo de comunicação científica tradicional.

Gráfico 19 – Fatores que motivam os pesquisadores escolherem revistas científicas Fonte: dados extraídos dos dados do Projeto SOAP174

A pesquisa do projeto SOAP revelou ainda que 52% dos respondentes já tinham publicado pelo menos um artigo em acesso aberto e que 50% desses não pagaram taxa de publicação, principalmente nos campos das ciências humanas e sociais. As ciências biológicas e da saúde aparecem como as grandes áreas que mais pagaram taxas de publicação, seguidas pelas ciências da terra e agrárias. As taxas variam de US$ 350,00 a US$ 4.100,00 por artigo, sendo que as maiores taxas são mais utilizadas pelas ciências biológicas e saúde. As origens das fontes de recursos para pagamento das taxas de publicação foram: agência de financiamento à pesquisa incluindo recursos para pagamento das taxas (28%); uso de parte dos recursos para

174 Projeto SOAP http://project-soap.eu/highlights-and-data-of-the-soap-survey-now-available/>. Acesso em: 22

fev. 2011). política de organização experiência positiva relevância na comunidade acesso aberto recomendação colegas velocidade da publicação prestigio probabilidade de aceitação isenção de taxas política de copyright fator de impacto importância na carreira 41,4 74,9 93,1 62,0 59,9 83,4 96,7 82,8 75,8 45,0 89,2 81,5 35,4 78,9 90,4 44,3 56,8 78,5 93,8 78,9 66,8 35,5 83,8 75,1

pesquisa não previsto no grant (31%); a instituição de vínculo paga as taxas (24%); pagamento com recursos próprios (12%) e outras (5%). O acesso a essas fontes de recursos é mais fácil nas ciências naturais e mais difícil nas ciências humanas e sociais (MELE, 2011).