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O SNUC (2.000) define Unidade de Conservação como “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos”. Não é o único tipo de área protegida na legislação: ainda existem as Áreas de Preservação Permanente (APPs18), previstas no Código Florestal, as Terras Indígenas, os Territórios Quilombolas. No entanto, as UCs constituem, segundo Vallejo (2002, p. 77), “uma das principais formas de intervenção governamental, visando reduzir as perdas da biodiversidade face à degradação ambiental imposta pela sociedade”.

A estratégia de se definir áreas de natureza protegidas na forma de Unidades de Conservação ganhou força no final do século XIX. Brito (2000) cita a criação dos primeiros parques nacionais nos Estados Unidos, começando por Yellowstone, em 1872. Além do já citado Diegues (2008), autores como Rodman (1973) e Gómez-Pompa y Kaus (1992) criticam esse modelo inicial de parques nacionais sem habitantes; para Rodman (1973), mesmo com objetivos de preservação esses parques seguem uma visão antropocêntrica – ainda que preservando a natureza, esse preservar seria mais motivado por questões estéticas e culturais dos seres humanos do que pelo valor em si da natureza em estado selvagem. Gómez-Pompa y Kaus (1992) destacam que a perspectiva da natureza selvagem ou wilderness, como área não habitada, influenciou muito as políticas de conservação.

A criação do primeiro parque nacional brasileiro também foi influenciada por essa visão relacionada à perspectiva da natureza selvagem e intocada. O Parque Nacional de Itatiaia, na divisa entre RJ e MG, nos altos da Serra da Mantiqueira, foi fundado em 1937. Seu objetivo de criação foi o de proteger a paisagem ali existente – uma lógica, segundo Brito (2.000, p. 56), de que “os primeiros parques nacionais do Brasil estavam vinculados ao conceito de monumentos públicos naturais, de acordo com a Constituição

18 De acordo com o Dicionário Socioambiental (Tassara, 2008, p. 21), Área de Preservação Permanente

(APP) é uma área protegida, coberta por vegetação, que tem “a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica (matas de encostas, a biodiversidade”. As APPs situam-se em uma área de extensão definida pelo Código Florestal, às margens de nascentes, cursos d´água, ao redor de lagos, topos de montanhas, manguezais, dunas, entre outros.

de 1937, e visavam resguardar porções do território nacional que tivessem científico e estético”. Brito (2.000) aponta que até meados da década de 1970 o Brasil não possuía uma estratégia clara para selecionar e planejar UCs, justificando-as, até então, mais por suas belezas cênicas.

Até a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), em 2000, não havia lei específica para organizar a criação, implementação e gestão das Unidades de Conservação (UCs). Antes do SNUC, a criação das UCs estava vinculada a decretos legislativos e também ao Código Florestal, o conjunto de normas referentes a gestão das matas brasileiras19 de maneira geral, seja em áreas governamentais ou privadas.

A tipologia das UCs brasileiras, no entanto, tentava seguir recomendações de padrões internacionais desde a década de 1940. Brito (2.000) lembra que, em 1948, o Congresso Nacional brasileiro aprovou os acordos da Convenção para a Proteção da Flora, Fauna e das Belezas Cênicas Naturais dos países da América, assinado oito anos antes e que reconhecia as seguintes categorias de UCs: parque nacional, reserva nacional, monumento natural e reserva de região virgem – à exceção da reserva nacional, todas as outras categorias não permitiriam a utilização de seus recursos naturais (a mata, as águas, a fauna, o solo), que se pretendem ser protegidos; o que se permitiria, no caso do parque nacional, seria a visitação pública.

Em 1965 o Código Florestal sofre alterações. E a lista de UCs recebe novas categorias e uma divisão de acordo com a exploração de recursos naturais no interior destas áreas. Parques nacionais e reservas biológicas são consideradas como áreas restritivas e de uso indireto (visitação e pesquisa científica); são criadas, ainda, florestas nacionais, protetoras e remanescentes, e ainda reservas florestais e parques de caça florestais – em todas essas, se permitir o uso direto e restrito de recursos.

19 Segundo a publicação Código Florestal: Entenda o que Está em Jogo com a Reforma da Nossa

Legislação Ambiental (SOS FLORESTAS, 2011, p. 2), a normatização proposta no Código “parte do

pressuposto de que a conservação das florestas e dos outros ecossistemas naturais interessa a toda a sociedade”, e, entre outros, atualmente “é a única lei nacional que veta a ocupação urbana ou agrícola de áreas de risco sujeitas, por exemplo, a inundações e deslizamentos de terra. É o código que determina a obrigação de se preservar áreas sensíveis e de se manter uma parcela da vegetação nativa no interior das propriedades rurais. São as chamadas áreas de preservação permanente (APPs) e reserva legal”. Disponível em: < http://bit.ly/1GmvKAV>. Acesso em 26 abr 2015.

Em 1974, são iniciados estudos para a criação de um sistema de UCs denominado Plano do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil (1976), a partir da recém-criada Secretaria Especial de Meio Ambiente do Governo Federal. Também é promulgado um Regulamento de Parques Nacionais Brasileiros (1979). Em 1981, uma lei cria o Sistema Nacional de Meio Ambiente, num esforço de articular Governo Federal, Estados e Municípios em direção a uma gestão ambiental unificada. E em 1989, cinco anos após o fim do Governo Militar, é criado o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente de Recursos Naturais Renováveis).

À época, o Ibama teria a função de contribuir para a unificação entre os poderes responsáveis pela gestão ambiental no Brasil. De alguma forma sob a influência de organizações e tratados internacionais, culminando com a a Rio-92, são realizados esforços para se fechar o desenho de um Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

Ugarte (2013) lembra que um dos tratados a influenciar esse desenho foi a Convenção de Diversidade Biológica (CDB) de 1992, cujos países signatários, incluindo o Brasil, comprometeram-se a criar e gerir UCs como estratégia para contribuir com a conservação da diversidade biológica. Mais uma vez se observa a influência de organizações internacionais no panorama político-institucional relacionado a questões ambientais: a CDB reconhece um guia para a definição de categorias de áreas protegidas produzido pela IUCN (International Union for Conservation of Nature20).

É preciso destacar que a CDB não é focada apenas em diretrizes para a conservação da diversidade biológica, mas também no uso sustentável da biodiversidade e na repartição justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização de recursos genéticos. Ainda assim, a criação de UCs ainda é uma estratégia fortemente recomendada para a proteção da biodiversidade em nível mundial: o Brasil é bastante pressionado para contribuir com a conservação de suas áreas, uma vez que abriga a maior biodiversidade do mundo, reunindo 70% de todas as espécies de animais e plantas catalogadas no planeta, segundo Dias (2002).

A lei SNUC, que será apresentada mais adiante, é reflexo dessas mudanças, onde não apenas a conservação seria valorizada, mas também as interações humanas com a natureza como parte das estratégias da própria conservação – a exemplo da criação de Reservas Extrativistas, categoria de UCs que surgiram no Brasil. Como aborda Ferreira (2004),

A partir da década de 1980, o modelo de exclusão da população parecia sepultado, passando a vigorar, mesmo dentro das agências responsáveis pela criação e gestão de parques, a ideia de que o sucesso da conservação dependeria diretamente da criação de alternativas A posição que defende a insustenta- bilidade do modelo da exclusão foi hegemônica no debate internacional por quase duas décadas e foi responsável por um realinhamento importante da orientação institucional no Brasil, tanto no nível federal quanto regional (FERREIRA, 2004, p. 49).

Ainda assim, até os dias atuais há conflitos entre gestores de UCs, moradores que vivem no entorno ou dentro dessas áreas (que no caso de parques nacionais, não poderiam viver ali), governos, ONGs com atuação nas localidades, cientistas que realizam suas pesquisas. Ugarte (2013, p. 48) lembra que “as relações entre todos estes atores se caracterizam por uma forte assimetria de poder que coloca os moradores dessas áreas em desvantagem e, muitas vezes, à mercê de abusos e de desconhecimentos de seus direitos ao uso dos recursos naturais, assim como à permanência e ao acesso as suas próprias terras”.

A crítica de Ugarte e de autores como Ferreira (2004) e Ferreira et al (2001) tem muito a ver com a forma com que muitas UCs foram criadas, reflexo, entre outros, da visão conservacionista dos primeiros parques. Como expõe Ferreira et al (2001):

Na medida em que as UCs brasileiras foram sendo implantadas, a ação cotidiana das instituições públicas colocou seus agentes em uma situação social de confronto com os moradores dessas áreas sob proteção legal. Propostas de conservação formuladas em gabinetes fechados, debatidas e referendadas muitas vezes em fóruns internacionais, no momento de serem implementadas, foram altamente politizadas, mobilizando diversos atores em torno de diversas arenas; outros tiveram que rever posições e conceitos e, principalmente os moradores, em sua maioria sem uma prévia experiência importante de participação política, foram repentina e inusitadamente lançados a uma situação de ator (FERREIRA et al. 2001: 3).

Ugarte (2013) complementa essa reflexão e expõe que, a partir da criação de UCs principalmente da categoria de proteção integral (que, segundo o SN1UC, permite apenas o uso indireto das áreas, isto é, proibindo o consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais nessas áreas):

Já não eram só os seus moradores os que tinham o poder de decisão sobre o uso dos recursos naturais e o acesso à terra, agora eles tinham que lutar/dialogar/negociar com outros atores detentores de outros tipos de prioridades e de perspectivas para esse uso, já não só direto, mas também indireto, como o uso para conservação, para pesquisa ou com fins educativos (UGARTE, 2013, p. 49).

Essas disputas ocorrem até os dias atuais, somando-se aos conflitos gerados pela falta de regularização fundiária de terras que teriam de ser desapropriadas com a criação de determinadas UCs, como parques nacionais – a exemplo do que ocorre com o Parque Nacional de Itatiaia, na Serra da Mantiqueira, que ainda têm em seu interior proprietários rurais sem indenização, e que também não saíram do interior do parque.