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4.4. Um olhar sobre a dinâmica das reuniões do Conapam

4.4.2. A mídia: para mobilizar ou desmobilizar?

Além da atuação do órgão gestor da APA como produtor social, favorecendo o diálogo e a busca de objetivos em comum, caberia aos conselheiros como representantes de diversos segmentos sociais da APA serem reeditores do processo de mobilização para a gestão participativa. Toro e Werneck (1996) trazem a seguinte definição para reeditor:

Pessoa que tem público próprio, que é reconhecida socialmente, que tem a capacidade de negar, transformar, introduzir e criar sentidos

frente a seu público, contribuindo para modificar suas formas de pensar, sentir e atuar. Os educadores são reeditores ativos. Por sua profissão e pela credibilidade que têm frente a seus alunos podem legitimamente introduzir, modificar ou negar mensagens, segundo circunstâncias e propósitos. Um pároco, um gerente, um líder comunitário também são, pelas mesmas razões, reeditores. (Toro e Werneck, 1996, p. 24).

Reforço aqui, que não são apenas professores que legitimam, negam, omitem ou explicam as mensagens. No caso específico da gestão participativa de UCs, todos os conselheiros da APA têm esse papel e seus interesses que interferem nele. A proposta de construir placas indicativas sobre a APA, realizada em Guaratinguetá (SP); a mobilização para as reuniões do diagnóstico do plano de manejo, a inserção do tema APA em projetos elaborados por ONGs no território são exemplos de como um reeditor pode atuar a partir da articulação que é trabalhada nas reuniões do conselho. Influenciar a mídia também poderia ser uma atribuição dos reeditores; porém, havendo disputas e consequentemente conflitos de interesses entre estes atores que compõem a gestão participativa, não necessariamente o que a mídia traria pode auxiliar na mobilização em torno do objetivo comum que seria fortalecer a gestão participativa da APA.

Trabalhar com a mídia é um tema necessário, mas também delicado, porque precisa ser compreendido corretamente pela instituição ICMBio, já que lhe cabe o papel de produtor social. Como foi apresentado no capítulo III, a comunicação nesse órgão público é entendida como Comunicação Institucional e centralizada em uma divisão dentro do ICMBio em Brasília. Os gestores locais desse órgão têm pouca autonomia para desenvolverem seus próprios planejamentos de comunicação, e o atendimento a demandas espontâneas de veículos de comunicação junto ao ICMBio necessita, a depender da complexidade do assunto, de autorização de Brasília para que os analistas do órgão gestor se manifestem em entrevistas, por exemplo.

Muitos dos atores sociais ligados ao Conapam, no entanto, têm contato com veículos de comunicação, onde exercem seu papel de reeditores. Algumas reuniões do diagnóstico do plano de manejo, por exemplo, foram divulgadas em rádios e jornais de vários municípios da APA. Mas a mídia, sem necessariamente a atuação dos conselheiros como reeditores, também foi utilizada para a divulgação de temas que ajudaram a ampliar

os ruídos dentro do Conselho, como o tombamento, preservação da Serra da Mantiqueira e mineração.

Uma das mídias veiculadas na época de realização da pesquisa não foi iniciativa de conselheiros, mas mexeu com o Conapam. Em 20 de novembro de 2013, o pesquisador Ícaro Aronovich da Cunha, ex-secretário adjunto de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, publicou no jornal O Estado de S. Paulo o texto de opinião A Serra

da Mantiqueira Pede Socorro112, revelando descontentamento com notícias desanimadoras sobre a Serra – entre elas, o arquivamento do processo de criação do Parque Nacional, a paralisação de estudos de proteção estadual, entre outros. Uma das frases do artigo parece reforçar diretamente com o que mais causou ruídos junto a gestão da APA, que é a questão do parque nacional: “As notícias que chegam de todos os quadrantes são as mais desanimadoras. O processo de criação de um parque nacional engavetado pelo Instituto Chico Mendes, estudos de proteção estadual paralisados, enquanto a destruição prospera” (CUNHA, 2013).

Ainda sob o efeito dos ruídos causados pela notícia do tombamento, e diante do artigo publicado, parte dos conselheiros da APA criaram um Grupo de Trabalho na última reunião ordinária de 2013, para escrever a resposta do Conselho ao artigo publicado, no próprio jornal O Est. de São Paulo. Esse texto de resposta ao artigo veiculado, no entanto, não foi reproduzido no mesmo jornal paulista, mas somente publicado em janeiro de 2014 em um blog de pouca repercussão113.

Assinado pelo então gestor da APA pelo ICMBio, à época (fato que incomodou alguns conselheiros, por se tratar de uma construção coletiva), o artigo- resposta contrapôs com palavras a disputa dos discursos preservacionista da Serra com ações que estariam sendo implementadas no território, como o diagnóstico do plano de manejo e projetos de incentivo a proteção e reflorestamento de nascentes. Ainda que não tenha repercutido (esse texto coletivo a princípio, não foi replicado pelos conselheiros nas redes sociais envolvendo o Conapam e a APA), a produção coletiva desse texto reflete

112 Disponível em: < http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-serra-da-mantiqueira-pede-socorro-

imp-,1098559>; Acesso em 20 mar 2015.

113 A Serra da Mantiqueira. Disponível em: <

http://www.pmma.etc.br/index.php?option=com_content&view=article&id=164:a-serra-da- mantiqueira&catid=80&Itemid=542>. Acesso em 20 mar 2015.

um pouco o entendimento dos conselheiros sobre o universo de ações positivas que ocorrem no contexto da APA; de certa forma, o texto questiona a necessidade de um parque nacional na região. O último parágrafo deste texto reflete o descontentamento diante da posição do artigo de Cunha (2013) sobre o quadro desanimador em que a Serra da Mantiqueira se encontraria:

A atuação das organizações ambientais na região é de grande relevância para a manutenção da Serra da Mantiqueira. Diversas instituições focam suas ações nesta região, trazendo recursos para a execução de projetos de conservação, incentivando a pesquisa, fomentando a educação ambiental e a adoção de boas práticas nas comunidades rurais. É lógico que apesar de todos estes esforços aqui elencados, a Serra da Mantiqueira está muito aquém da proteção que merece, devendo sim receber mais atenção por parte do poder público, da sociedade e da mídia nacional. Porém muito tem sido feito, seja por produtores e proprietários de terras, seja pelo poder público, entidades não governamentais, sociedade civil e entidades de classe. Este extenso esforço e dedicação voltados à proteção da Serra da Mantiqueira devem ser valorizados e servir de exemplo de que a conservação de um patrimônio nacional insubstituível deve ser feita unindo esforços de todos os setores, em prol da perpetuação de um bem da sociedade e da natureza brasileira. (BLOG PMMA, 2013).

O discurso do texto de resposta em nome da APA reflete também, de certa forma, o incômodo de alguns segmentos representados no Conselho com o discurso do pesquisador que foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo, que ressalta mais a importância de instrumentos que restrinjam atividades produtivas na Serra da Mantiqueira, enquanto o texto de resposta apontaria possíveis soluções para incentivar, entre outros, que os próprios produtores rurais preservem a mata.

É curioso observar que os dois textos refletem os objetivos da APA a sua maneira. Ambas as visões reconhecem a necessidade de preservação do patrimônio ambiental presente na Serra da Mantiqueira, porém, com duas perspectivas diferentes. Toro e Werneck (1996) lembram que o reeditor não reproduz conteúdos que lhe são repassados, mas interpretam e adequam a seus públicos. Lembram ainda que “a qualidade de seu trabalho não é medida pela fidelidade ao conteúdo original, mas pelo enriquecimento da mensagem, pela sua adequação, através do uso de códigos, valores e

experiências próprios daquele grupo, pelo correto entendimento dos propósitos e sentidos e pela participação que gerou” (Toro e Werneck, p. 24).

Não há dúvidas de que o artigo de opinião publicado no jornal O Estado de

S. Paulo tinha a intenção de mobilizar pela proteção do território que faz parte da APA

da Serra da Mantiqueira, mas a que público se dirige? Será que esse conteúdo mobiliza ou desmobiliza frente aos desafios e conflitos socioambientais, e as disputas em torno destes temas? A quem fala esse conteúdo, a quem se dirige?

O jornal Estado de S. Paulo ainda publicou outras reportagens sobre o tombamento e a mineração, por meio do blog do jornalista Herton Escobar. Em abril e junho de 2014 duas manchetes muito parecidas nos posts de seu blog indicavam

Mineração preocupa na Serra da Mantiqueira114 (publicado em 28 de março de 2014º) e Tombamento da Serra da Mantiqueira entra na pauta do Condephaat115 (publicado em

7 de abril de 2014). As datas são muito próximas e as fontes entrevistadas da primeira matéria incluem conselheiros do Conapam, como a ONG ambientalista responsável pelo pedido de tombamento, e ainda um conselheiro que representa o segmento de comitês de bacia hidrográfica. Todas as reportagens e artigos indicados neste item estão disponíveis nos anexos.

A primeira reportagem afirma que a representação desse conselheiro seria “questionada por organizações ambientalistas”, por ele ser sócio de uma empresa de consultoria que administra pesquisas de minérios na Serra da Mantiqueira. A reportagem também cita, sem nomes, que críticos da proposta do tombamento acusam ambientalistas de terem “interesses econômicos” na Mantiqueira.

Tal reportagem pode não ter grande repercussão entre comunidades rurais, por exemplo, ou outros atores que integram a rede de influenciados pela APA. Porém, trata-se de uma mídia que ajuda a formar opinião. Mas se a proposta era a de favorecer a mobilização em torno do tombamento, não fica claro o que seria o tombamento, suas consequências, ou ainda um aprofundamento sobre o tema da mineração.

114 Disponível em: <http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/mineracao-preocupa-na-serra-

fina/>. Acesso em 20 mar 2015.

115 Disponível em: < http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/tombamento-da-serra-da-

Dentro do Conapam, a primeira reportagem causou mal-estar e ampliou ruídos entre algumas instituições que fazem parte do conselho, e não necessariamente ter mobilizado pessoas a pensarem sobre a mineração na Serra ou a necessidade do tombamento para preservar a Serra.

Essa postura, infelizmente, pode enfraquecer os próprios objetivos de preservação dos recursos naturais e fortalecer os grupos focados em interesses econômicos, que se fazem valer dessas fraquezas em seu discurso e também exercem grande poder sobre a mídia.

Retomando o exemplo do que ocorreu com relação à tentativa de criação do Parque Nacional dos Altos da Mantiqueira, como exemplo, embora tenha havido um grupo forte de articulação em prol do parque por um grupo de ambientalistas, por uma série de erros estratégicos na condução do processo (alguns já apontados no capítulo III deste trabalho) levaram grupos econômicos a se organizarem contra a proposta, utilizando a mídia regional: “A TV Bandeirantes pelo menos uma vez por mês falavam contrário ao

parque... falavam mal dos problemas de regularização dos parques no interior da APA, pegaram na fragilidade do órgão (falta de regularização fundiária116)”, lembra um dos

analistas ambientais entrevistados.

4.4.3. O plano de ação do CONAPAM: a Educação Ambiental e a Comunicação