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Para Loureiro, Azaziel e Franca (2007, p. 18), os conselhos gestores das UCs (assim como outros instrumentos da chamada gestão participativa das UCs) devem tanto

30 A origem dos conselhos, segundo Gohn, é antiga: ela cita “concelhos” (com c) criados em Portugal, nos

séculos XII e XV, como sistema de gestão das colônias ultramarinas, e ainda a Comuna de Paris, um governo de trabalhadores por dois meses na França, em 1871. A respeito da Comuna, Gohn (2003, p. 66) lembra que se trata de uma “proposta de autogestão da coisa pública pelos próprios demandatários, a possibilidade de participação direta da população na gestão da cidade e, principalmente, a possibilidade da gestão política estatal, articulada com a gestão da produção, em um projeto político emancipatório”.

promover responsabilidades como direitos em relação ao uso dos recursos naturais, bem como “compensar desigualdades de poder, fomentando a justiça ambiental:

A interlocução de agentes sociais, envolvidos direta ou indiretamente na conservação e no uso de recursos naturais e do denominado patrimônio cultural (seja dentro ou no entorno de uma UC) ajudará a resolver problemas e conflitos, bem como poderá fomentar potencialidades (...) (LOUREIRO, AZAZIEL E FRANCA, 2007, p. 18).

Loureiro, Azaziel e Franca (2007, p. 39) elencaram alguns critérios que comporiam a avaliação da gestão participativa de uma UC, tomando por base o próprio SNUC. Os critérios estão elencados no quadro 1 a seguir:

Quadro 1 – Critérios para a Gestão Participativa de UCs 1. Legitimidade para decisão

Participação: direito de todos (as) os (as) envolvidos (as) em tomar decisões; quantidade e representatividade das associações na gestão da UC; atuação por associações e/ou indivíduos nas atividades e nas reuniões promovidas na UC; existência de um contexto de livre associação. Descentralização: contexto de autonomia em tomadas de decisão, aliado à existência de instâncias de controle social.

2. Eficácia e eficiência dos instrumentos de gestão

Existência de instrumentos de gestão: plano de manejo e regimento interno do conselho; atualidade dos instrumentos; existência e emprego de um plano anual de gestão; participação da população na elaboração dos instrumentos. Visão estratégica: existência de projetos amplos e de longo prazo para o desenvolvimento humano e para a conservação da natureza.

3. Desempenho (efetividade) da gestão

Coordenação de esforços: capacidade da chefia da unidade e dos(as) conselheiros(as) em coordenar os esforços entre os parceiros e setores sociais. Informação ao público: disponibilidade para os(as) conselheiros(as) e o público em geral de informações que permitam acompanhar o processo de gestão. Efetividade e eficiência: resultados alcançados, atividades planejadas e executadas e o bom emprego dos recursos disponíveis.

4. Prestação de contas (accountability)

Definições de incumbências e transparência: quem presta contas de que e a quem e de que modo isso é feito.

5. Equidade

Imparcialidade na aplicação de normas: existência de normas claras, acessíveis e aplicadas ao conjunto dos envolvidos. Equidade no processo de gestão da UC em relação ao entorno: respeito aos direitos e às práticas de populações tradicionais ou de residentes; reconhecimento de injustiças e danos sociais resultantes da gestão da UC, quando for o caso.

Fonte: LOUREIRO, AZAZIEL E FRANCA (2007, p. 39)

De fato, estes elementos, em maior ou menor grau, contribuem para ampliar ou reduzir a participação social em instâncias como os conselhos. Rodrigues (2008), ao analisar os conselhos gestores de três UCs no Estado de São Paulo, concluiu que alguns princípios interferem na participação nos processos de tomada de decisão. Entre eles estão

a composição paritária dos conselhos com efetiva participação da sociedade civil; o perfil do gestor, que também é presidente dos conselhos e precisa ter familiaridade para a resolução de conflitos e articulação de parcerias; lideranças locais atuantes e que tenham representatividade entre seus pares; plano de manejo constituído, com direitos e deveres claramente apontados; o encaminhamento, acompanhamento e comunicação das decisões do Conselho junto aos conselheiros; a linguagem acessível aos membros durante as reuniões, para fortalecer o debate e a troca; entre outros.

A partir dessa leitura, percebe-se que são muitos os desafios para a participação social realmente acontecer no espaço dos conselhos; sua existência não é suficiente para que tenha peso político para além da legitimação de que o Poder Público se abre para essa participação.

Entre os desafios gerais apontados por Gohn (2003), estão: a falta definição das competências e atribuições dos conselhos, de instrumentos jurídicos que sirvam de apoio pra deliberações, e ainda a necessidade de capacitação dos conselheiros, para que a participação seja qualificada, e que a população tenha condições de participar. Santos & Avritzer (2002) citam que qualquer processo de participação ampliada é objeto de disputa política, e que essa participação pode se fragilizar, tanto pela cooptação de grupos sociais mais poderosos, quanto pelo contexto institucional que não permitiria um processo participativo real. A essas dificuldades se juntaria a dos conflitos e interesses que envolvem a arena ambiental, como lembra Ferreira (2004), onde existem normas e regras de uso de recursos e se formam disputas de interesses.

Haveria real diferença, na prática, para a gestão entre conselhos deliberativos e consultivos em relação às UCs? Diante de tantos desafios, autores como Santos (2008) e Silva (2007) defendem que há pouca diferença em relação ao poder de decisão do conselho, que a princípio seria maior no caso do deliberativo. Para Santos (2008, p. 91), ambas as categorias possuem as mesmas competências opinativas relacionadas aos conselheiros, para acompanhar a gestão da UC, emitindo opiniões, encaminhando denúncias a outros órgãos de controle (como o Ministério Público, por exemplo). Embora o conselho deliberativo aponte que qualquer decisão da gestão da UC ter que passar primeiro pelo conselho, Silva (2007, p. 25) afirma que, na prática, não há diferença entre as tipologias porque muitas decisões de um conselho deliberativo podem não ser

realizadas caso a equipe gestora da UC não disponha, entre outros, de condições legais, financeiras, técnicas e operacionais para executá-las.

Para Rodrigues (2008, p. 16), enfrentar dificuldades na ampliação de espaços de participação na gestão de UCs tem a ver com “a diversidade dos atores sociais envolvidos, os conflitos entre esses e a possibilidade de serem traçados arranjos institucionais duradouros e legitimados socialmente”. O diálogo estabelecido nos conselhos pode, e deve caminhar na direção da possibilidade de uma participação cidadã, como afirma Gohn (2004):

Tudo isso pode ser resumido na expressão: PARTICIPAÇÃO CIDADÃ, aquela que redefine laços entre o espaço institucional e as práticas da sociedade civil organizada, de forma que não haja nem a recusa à participação da sociedade civil organizada, nem a participação movida pela polaridade do antagonismo a priori, e nem sua absorção pela máquina estatal, porque o Estado reconhece a existência dos conflitos na sociedade e as divergências nas formas de equacionamento e resolução das questões sociais, entre os diferentes grupos, e participa da arena de negociação entre eles (GOHN, 2004, p. 29).

Para Gohn (2004), no entanto, embora o conselho seja um espaço cidadão, ele não deve ser visto como um “degrau superior” na esfera pública:

Até para que essa participação seja qualificada (...) ela deverá advir de estruturas participativas organizadas autonomamente na sociedade civil. O chamado trabalho de base é fundamental para alimentar e fortalecer a representação coletiva nos colegiados da esfera pública (GOHN, 2004, p. 29).

Esse trabalho de base pode ter uma contribuição dos processos de Educação Ambiental e Comunicação a qual a UC pode implementar a partir da gestão participativa, cuja interface será abordada no capítulo II desta pesquisa.

CAPÍTULO II – COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E

SUA INTERFACE NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

2.1. Comunicação na Era da Informação – e do Conhecimento?

O que é comunicação? É pertinente a pergunta com a qual o comunicólogo uruguaio Bordenave (1999) inicia suas reflexões, já que o senso comum associa primeiramente comunicação aos meios - as ferramentas utilizadas para se comunicar – ao invés de se pensar no processo de comunicação em si. Esse processo é a base das relações sociais, da troca de conhecimento e da mobilização, sejam quais forem os meios ou mecanismos utilizados. Para Wolton, a comunicação “é sempre a busca da relação e do compartilhamento” (2006, p.15).

Tal processo (o de comunicação) seria caracterizado como um fluxo contínuo de informações/mensagens de várias origens e direções, onde conteúdos e formas estariam em mutação permanente (Bordenave, 1983). INTERCOM (2010) lembra que a palavra comunicação se origina do latim communicare, cujo significado seria o de partilhar, associar, tornar comum: “comunicar, transformar em ato a comunicação, implica na participação (communicatio), definição que contempla, como poucas, a união do conceito tradicional com a avanço da sociedade em rede” (INTERCOM, 2010, p. 236). Berlo (1997) convida a refletir sobre o que seria o conceito de processo de comunicação, em movimento:

Se aceitarmos o conceito de processo, veremos os acontecimentos e as relações como dinâmicos, em evolução, sempre em mudança, contínuos. Quando chamamos algo de processo, queremos dizer também que mão tem um começo, um fim, uma sequência fixa de eventos, Não é coisa estática, parada. É móvel. Os ingredientes do processo agem uns sobre os outros” cada um influencia os demais. (BERLO, 1997, p. 33)

O desenvolvimento das tecnologias, que multiplicaram o número de pessoas que podem ser atingidas por mensagens, trouxe outros novos significados para a comunicação, enquanto campo de estudos e de práticas no conjunto denominado Comunicação Social. Na década de 1960, período em que a televisão ganhava cada vez mais espaço nas residências em todo o mundo, o pesquisador Marshall McLuhan (1969)

fez uma reflexão válida até os dias atuais, com o crescimento da internet. Para MacLuhan (1969), os meios seriam a própria mensagem, sendo em alguns casos mais importantes do que o próprio conteúdo.

Esse foco nos meios e não nos processos de comunicação faz parte do momento histórico em que vivemos nos últimos 30 a 40 anos, citado por pesquisadores como a Era da Informação, onde os meios tecnológicos de produção, armazenamento e difusão de informações se desenvolveram, sendo seu uso determinado pelas relações econômicas e pelo ideário neoliberal. Soares (1996) afirma que tal característica é consequência do processo de globalização, onde a economia mundial, representada por corporações multinacionais, bancos entre outros, influencias todos os aspectos da vida no planeta, incluindo a política e a cultura.

Soares (1996) traz para o conceito de comunicação na Era da Informação o destaque para o uso político que se faz do conjunto de ferramentas ou a capacidade de produzir, armazenar e distribuir informações. “O que se verifica é que, enquanto a revolução tecnológica garante a produção, armazenamento e difusão de informações, as relações econômicas e o ideário neoliberal fixam os códigos que possibilitam o acesso a leitura e ao aproveitamento dos bens materiais e simbólicos” (SOARES, 1996, p. 12).

Nesse universo, Castells (1999, p. 50) reforça que essa revolução tecnológica “originou-se e difundiu-se, não por acaso, em um período histórico da reestruturação global do capitalismo, para o qual foi uma ferramenta básica”. Dentro desse contexto, Castells (1999, p.44) lembra que o Estado tem papel determinante no acesso (ou não) das tecnologias, incluindo as relacionadas ao universo da informação e da comunicação: “o papel do Estado, seja interrompendo, seja promovendo, seja liderando a inovação tecnológica, é um fator decisivo no processo geral, à medida que expressa e organiza forças sociais dominantes em um espaço e uma época determinados”.

Wolton (2006) traz uma perspectiva que complementa as reflexões sobre comunicação na Era da Informação. Segundo ele, o processo de transmissão de mensagens teria três dimensões. A primeira delas é uma funcional; diz respeito à técnica, envolvendo instrumentos e rotinas adotadas, e enfatiza a transmissão de informações, a conexão entre pessoas e o acesso aos meios digitais; a segunda dimensão seria normativa, relativa ao espaço simbólico das trocas de mensagens, que teria enfoque maior no diálogo

e na produção de consenso. A terceira dimensão, econômica, influenciaria principalmente a dimensão funcional.

Nos dias atuais, estamos mais voltados à dimensão funcional, diz Wolton (2006), onde a grande quantidade de informações circulando banaliza o processo de comunicação. O excesso pode gerar superficialidade nas informações, o que não necessariamente contribui com a acessibilidade das mesmas. Batista (2010), por sua vez, complementa ao dizer que o excesso de informação gera “falta de consistência, repetições e escassez de informações, resultando numa situação complexa, dinâmica e contraditória”, o que acarretaria “falta de compreensão e de preparo para informar-se, aprender e aprender a informar-se” (BATISTA, 2010, p 20).

Informação é conhecimento? Diante do panorama descrito, nem sempre. Para Wurman (1991, p. 47), “a concentração na informação levou apenas à sobrecarga de bilhões de bits de dados brutos, fragmentados e cada vez menos significativos, em lugar de conduzir a uma busca de novos e significativos padrões de conhecimento”. Wachholz (2014, p. 50), que coordena a Cúpula Mundial sobre Sociedade da Informação da UNESCO31, explica que o avanço para uma Sociedade do Conhecimento (e não só da informação) significaria uma sociedade em que “as pessoas têm não apenas acesso a dados ou informações, mas também a capacidade de transformar a informação em compreensão e conhecimento”. Ele aponta os desafios atuais para chegar a esse nível:

Evidentemente, o mundo apresenta profundas desigualdades – tanto no interior de cada país, quanto entre as nações. Os desafios se apresentam em três níveis: primeiro, há desigualdades em termos de acesso e de participação na criação e compartilhamento de conhecimento; em segundo lugar, existe o desafio de transformar “informação” em “conhecimento”, ou seja, assegurar que as pessoas sejam capazes de converter a informação em ação e atribuir-lhe um significado que facilite sua participação na sociedade mediante a adoção de valores compartilhados; por último, há necessidade de ambientes de apoio mais fortes, bem como de melhorias na elaboração de políticas públicas”. (WACHHOLZ, 2014, p. 49-50)

31 A Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação foi criada pela UNESCO (Organização das Nações

Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) em 2003, que entre outros trata da governança mundial sobre internet.