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Na trajetória da interface entre os campos da Educação Ambiental e da Comunicação Ambiental no Brasil, as referências tratadas neste item trazem não somente conceitos elaborados por pesquisadores, mas ainda as políticas públicas que dizem respeito a estes campos, além de um breve histórico de como foram construídas. Seja em forma de legislação específica, programas ou recomendações que norteiam ações do Estado, as políticas públicas são consideradas referências e influenciam o entendimento

sobre estas áreas e como as práticas são inseridas onde há a interface entre Educação Ambiental e Comunicação Ambiental.

Garantir que a população tenha acesso a informações ambientais, dialoguem com os órgãos públicos e construam um conhecimento para uma melhor participação social nas questões envolvendo meio ambiente seriam alguns dos objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), descrita como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (BRASIL, 1999). De acordo com o mesmo documento, é papel da educação ambiental, entre outros, o de garantir a democratização de informações ambientais, fortalecer a consciência crítica e incentivar a participação coletiva e individual na preservação do equilíbrio do meio ambiente.

O contexto dessa Educação Ambiental proposta na política federal vai além daquela associada unicamente ao ensino formal43. A sociedade em geral faria parte da proposta de educação, apontando para uma perspectiva de que “a educação aparece sempre que surgem formas sociais de condução e controle da aventura de ensinar-e- aprender” (BRANDÃO, 2007, p. 26). Loureiro (2005, p. 95) complementa esse pensamento de que a educação, por meio de relações pedagógicas e sociais, constrói “a base instrumental, a consciência política e a capacidade crítica para se agir na história, na busca permanente e dinâmica da sociedade que desejamos”.

Se comunicação é diálogo, compartilhamento, tornar algo comum a vários grupos sociais e base das relações, observa-se que naturalmente não existe educação sem comunicação. A interface entre esses dois campos é ainda mais clara quando se fala em participação, que entre outros, depende de um contexto de mobilização para ocorrer. Relembrando o que Toro & Werneck (1996) escreveram sobre a mobilização como a convocação de vontades em busca de um propósito comum, se reconhece a mobilização

43 Sobre o ensino formal, Brandão (2007) explica: o ensino formal é o momento em que a educação se

sujeita à pedagogia (a teoria da educação). Cria situações próprias para o seu exercício, produz os seus métodos, estabelece suas regras e tempos, e constitui executores especializados. É quando aparecem a escola, o aluno e o professor” (1981, p.26). O objetivo desse trabalho e deste capítulo não são o de analisar as especificidades da educação ambiental no Ensino Formal, por isso, optou-se por não detalhar esse tema, mas centralizar em algumas correntes teóricas que tratam da Educação Ambiental de maneira geral.

como o próprio ato de comunicar, cujo processo inclui interpretações e sentidos a serem compartilhados:

A mobilização não se confunde com propaganda ou divulgação, mas exige ações de comunicação no seu sentido amplo, enquanto processo de compartilhamento de discurso, visões e informações. O que dá estabilidade a um processo de mobilização social é saber que o que eu faço e decido, em meu campo de atuação quotidiana, está sendo feito e decidido por outros, em seus próprios campos de atuação, com os mesmos propósitos e sentidos. (TORO & WERNECK, 1996, p. 5)

Como foi ressaltado no início deste capítulo, o poder das ferramentas e dos meios de comunicação de massa, entre outros, levou parte da sociedade a entender o ato de comunicar associado, principalmente, à divulgação ou tão simplesmente repasse de informação. Não por acaso, essa também é a crítica de pensadores como Paulo Freire (1983) sobre o processo educativo como transmissão de informação, e não de troca de saberes. Em sua obra Extensão ou Comunicação?, Freire (1983) faz reflexões sobre a atividade de extensionistas que atuam na qualificação técnica de agricultores, que a princípio estariam fazendo um trabalho educativo. Sua fala é a de que “o conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aqueles que se julga não saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo, relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica dessas relações” (Freire, 1983, s/p). A partir do pensamento freiriano, Próspero (2013, p. 28) lembra que “a educação é vista como um processo da comunicação, já que e uma construção partilhada do conhecimento mediada por relações dialéticas entre os homens e o mundo. A comunicação é elemento fundamental, pois é ela que transforma seres humanos em sujeitos”.

Para Fonseca (2007), a dimensão comum entre os campos da Comunicação e Educação é justamente a do compartilhamento de sentidos, uma vez que ambos os campos são “práticas sociais que organizam a subjetividade e a objetividade dos sujeitos no mundo contemporâneo” (p. 37).

A interface entre os dois campos pode ser considerada como uma das perspectivas da interdisciplinaridade44, característica necessária ao enfrentamento de

questões ambientais que a Política Nacional de Educação Ambiental propõe, e que veio de documentos norteadores como o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, aprovado durante a Eco-92 e considerado um marco para as políticas públicas de Educação Ambiental.

Carvalho (2004) uma das principais pesquisadoras brasileiras sobre Educação Ambiental, lembra ainda que:

A educação ambiental que se orienta pelo Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis tem buscado construir uma perspectiva interdisciplinar para compreender as questões que afetam as relações entre os grupos humanos e seu ambiente e intervir nelas, acionando diversas áreas do conhecimento e diferentes saberes – não só os escolares, como os das comunidades e populações locais – e valorizando a diversidade das culturas e dos modos de compreensão e manejo do ambiente (CARVALHO, 2004, p. 54).

O Tratado (1992) propõe diversos princípios para nortear a Educação Ambiental. Entre estes, não apenas o de se difundir informações, mas também estimular reflexões sobre o que é possível fazer, na sociedade atual, em relação a busca por um desenvolvimento sustentável que traga uma inter-relação, como propõe Jacobi (1999), entre qualidade de vida, equilíbrio ambiental e justiça social, entre outros. É uma visão que pesquisadores como Layargues (1998), Loureiro (2004) e Guimarães (2004) compartilham, diferenciando o que seria uma Educação Ambiental Conservadora, de uma Educação Ambiental Crítica.

Layargues (1998) explica que a Educação Ambiental Conservadora seria aquela que compreenderia os problemas ambientais como “fruto de um desconhecimento dos princípios ecológicos que gera ‘maus comportamentos’”, cabendo à essa educação “criar bons comportamentos” (1998, s/n). Já a Educação Ambiental Crítica, que ecoa no

44 O conceito de interdisciplinaridade é objeto de diversos pesquisadores; no caso da Educação Ambiental,

um resumo do que seria esse conceito é trazido por Carvalho (1998, p.9): “uma maneira de organizar e produzir conhecimento, buscando integrar as diferentes dimensões dos fenômenos estudados. Com isso, pretende superar uma visão especializada e fragmentada do conhecimento em direção à compreensão da complexidade e da interdependência dos fenômenos da natureza e da vida. Por isso é que podemos também nos referir à interdisciplinaridade como postura, como nova atitude diante do ato de conhecer”.

Tratado e na Política Nacional, na visão resumida de Guimarães (2004) traria uma relação diferenciada entre o ambiente e a sociedade, como explica:

A Educação Ambiental Crítica objetiva promover ambientes educativos de mobilização desses processos de intervenção sobre a realidade e seus problemas socioambientais, para que possamos nestes ambientes superar as armadilhas paradigmáticas e propiciar um processo educativo, em que nesse exercício, estejamos, educandos e educadores, nos formando e contribuindo, pelo exercício de uma cidadania ativa, na transformação da grave crise socioambiental que vivenciamos todos (GUIMARÃES, 2004, p. 30-31).

Essa visão crítica, mais uma vez, tem a ver com o entendimento limitado tanto da comunicação – como mero compartilhamento de informações – quanto da educação – como a simples transmissão de conhecimento, ou informações, uma “educação bancária” como criticou Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido (1987):

Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivocada concepção “bancária” da educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta destorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também. Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro (FREIRE, 1970, s.n.).

A leitura dos documentos de referência na Educação Ambiental, como o Tratado e a Política, indica principalmente a Comunicação associada a meios ou veículos. Se por um lado o Tratado de Educação Ambiental (1992) cita que essa Educação deve “promover o diálogo entre indivíduos e instituições”, e que a comunicação seria um direito, em seguida, o Tratado limitaessa visão sobre comunicação ao princípio de que “os meios de comunicação de massa devem ser transformados em um canal privilegiado

de educação, não somente disseminado informações em bases igualitárias, mas também promovendo intercâmbio de experiências, métodos e valores” (BRASIL, 2006, s/n). Não há nesse Tratado um referencial à comunicação como processo em si, destacando-se mais os meios de comunicação de massa.

Da mesma forma, o Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA, 2005), construído a partir de consulta pública com mais de 800 educadores do Brasil, e que é uma evolução da Política Nacional com diretrizes e ações mais específicas que as da legislação), também não aborda diretamente o processo de Comunicação. Este documento traz a comunicação centrada em linhas de ações associadas a estratégias e ferramentas, como campanhas de educação ambiental para usuários de recursos naturais e cooperação com meios de comunicação e comunicadores sociais.

Entre os inúmeros objetivos do PRONEA (2005), vários estão associados a Comunicação de alguma forma direta ou indireta. De forma indireta, aparecem objetivos como “difundir a legislação ambiental” e “promover e apoiar a produção e a disseminação de materiais didático-pedagógicos s institucionais” (MMA, 2005, p. 40); diretamente, em objetivos como “promover a inclusão digital para dinamizar o acesso a informações sobre a temática ambiental”, “sistematizar e disponibilizar informações sobre experiências exitosas e apoiar novas iniciativas”. Mais adiante, no mesmo documento, estão reunidas 20 sugestões de diretrizes associando Comunicação a Educação Ambiental, como o “estímulo ao desencadeamento de processos de sensibilização da sociedade para os problemas ambientais, por intermédio da articulação entre os meios de comunicação” e ainda “fomento e apoio à elaboração de planos e programas de comunicação para instâncias governamentais ligadas à educação ambiental (MMA, 2005, p. 49).

Essas sugestões são diretrizes gerais, e o objetivo do documento não é o de detalhar de que forma ocorrerá a comunicação nos processos formativos, na construção de conteúdos para materiais didáticos-pedagógicos, na disponibilização de informações. O objetivo do PRONEA é o de nortear ações e diretrizes relacionadas a Educação Ambiental, para serem detalhadas em outros programas e subprogramas envolvendo o

MMA e seus órgãos coligados, como o ICMBio, e o ainda o MEC (Ministério da Educação)45.